terça-feira, 28 de junho de 2016

Livro 2 Página 4



Penetrar na minha profundeza poderia trazer consequências desastrosas se eu não estivesse preparado quando fora colocado nos aparelhos. A partir de então, comecei a andar pela minha escuridão e percebi que ali era apenas eu comigo mesmo. Logicamente, os espíritos que trabalhavam naquele departamento tinham técnicas especiais e estavam preparados para me trazer de volta caso o meu consciente se perdesse diante do que ia encontrar. Sem que eu soubesse, parte da equipe de mensageiros se faziam presente também, Maria, João e Felipe juntamente com Humberto, o qual anotava tudo já que gostaria de levar o trabalho para sua colônia.
E, então, encontrei minha mãe. Foi minha primeira visão: uma descendente de índios, já velha, sentada em uma cadeira de um quarto branco. Seu rosto era marcado pela idade avançada. Sentei-me ao lado dela, que sorriu sem nada dizer, enquanto eu já estava em lágrimas. Há muito não via minha mãe e até achava que ela já havia retornado à terra para uma nova experiência. Nada foi dito, pois não era necessário, ali fiquei, saboreando aquele amor e energia que só as mães têm. Foi quando comecei a entender a figura tão simbólica das mulheres e principalmente de Maria ao lado de Jesus. Sem ela, tive a certeza, Ele teria sucumbido diante das dificuldades que lhe apareceram na vida. Eu fui o primeiro a falar: - Eu chorei muitas noites com saudades de você. - Eu estava lá Ortêncio. - Eu tive filhos, formei família. - E eu estava lá... - Eu tive momentos de desespero, mãe, quando, muitas vezes os filhos de Oxalá me viraram as costas! - E eu estava lá, filho. Eu sabia de tudo e a tudo assistia com o meu coração de mãe e, quando podia, interferia. Mas a vida na carne foi feita para ser vivida por quem está na carne e não pelos espíritos. O que você acha que eu estou fazendo aqui, agora? Hoje, Ortêncio, eu estou aqui para ser o seu porto seguro, como sempre fui, mas a vida que foi vivida e está escondida dentro de você é sua e não minha. Meu papel é fazer o que toda mãe faria. Maria estava lá, mas a obrigação de levar o evangelho era de Jesus. Maria estava lá, mas Jesus era o cordeiro. E se Maria não estivesse lá, filho? Talvez a história fosse diferente, porém, mais cedo ou mais tarde, Jesus teria cumprido sua missão. Mães, ou qualquer outro espírito que passe por nossa vida, não a viverão por nós. Ajudarão tão somente, o que é bem diferente. Por isso, filho, não culpe o outro, as suas ações são responsabilidades suas e não de qualquer outro, seja este outro ausente ou presente. As escolhas, enfim, foram feitas por você. Eu não escolhi que você morresse, pois isso ninguém escolhe, mas podemos escolher entre fazer disso nossa decadência ou tão somente viver o luto e depois seguir em frente. Nossas escolhas nos dizem quem seremos lá na frente e sobre as dificuldades que enfrentaremos, por isso elas são tão importantes. Há 5 encarnações suas, Ortêncio, a espiritualidade planeja este momento, contudo, isso aconteceu não porque o trabalho foi planejado em demasia ou porque tenha faltado organização no planejamento, para que resultasse em tanta demora. Foram suas escolhas que fizeram com que isso acontecesse somente agora. - Você veio aqui me alertar sobre isso, né mãe? Sobre o quanto é importante eu saber das minhas responsabilidades quanto espírito individual e o quanto isso poderá influenciar na minha vida a partir de agora. - Sim filho, mas principalmente venho alertar para que você tire a culpa das suas costas. Responsabilidade pelos próprios atos é diferente de culpa. A culpa é o que atrasa o crescimento espiritual, ela é que nos leva a tristezas e depressões, sentimentos que vêm causando sérias complicações, e de todas as naturezas, aos espíritos. Esse sentimento, que é confundido com a responsabilidade, vem trazendo ao mundo físico e espiritual muita dor e que poderia ser evitada. A culpa por não amar com se deveria ter amado, a culpa por não agir como se deveria ter agido e até a culpa por não se conhecer como deveria ter se conhecido. Tais culpas são portas para a obsessão, para a depressão, para o suicídio e para a paralisia espiritual. Eis o meu alerta a você filho: olhe as coisas com a responsabilidade devida. Como o pássaro que constrói seu ninho e que, mesmo quando logo após venha a sofrer uma tempestade que o derrube, ainda assim ele não para. Depois do vendaval, ele retoma seu trabalho. É isso que esperamos que você faça! Que depois de tudo o que aprendeu ou veio a saber, você não pare, continue construindo sua trajetória, pois cada um faz sua escolha, cada um faz o que sua consciência determina. Os senhores do mal são poderosos e escravizam aqueles seres que sofrem ao lado deles, mas da mesma forma que tivemos a luz do mestre Jesus a nos guiar, eles também a têm, basta que queiram escolhê-la, pois, se assim não fosse, Deus seria injusto com seus filhos, o que não é absolutamente o caso. 
Eu ainda refletia acerca das palavras de minha mãe, quando o quarto foi escurecendo e, então, ela carinhosamente se levantou, sorriu para mim e disse-me: - Eu estarei aqui como sempre estive, acalmando as tempestades ao seu lado. E, então, ela foi sumindo e eu me vi em uma caverna escura, sentado em uma mesa rodeado por seres do mal. Quando ouvi Malaquias que dizia: Mestre, é hora de atacar...

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Livro 2 Página 3

Pensei que André iria descansar após a grande emoção que passara, mas os enfermeiros, logo após tirarem-no do salão, o levaram para uma outra ala do hospital. Agora, nos encontrávamos em um espaço com algumas dezenas de máquinas, que mais pareciam aparelhos de tomografia, porém, apropriada apenas para a cabeça, seu corpo ficava estirado em uma cama enquanto a cabeça  permanecia dentro de um cubo, posto na extremidade. Nela, foram ligados fios que pendiam do tubo, eram tantos que pareciam teias de aranha, sobretudo por suas cores prateadas. Encimando o aparelho havia uma tela de tamanho médio. Ela transmitia o que André pensava ou sonhava naquele momento. Existia uma mesa em frente a uma cadeira, de onde um enfermeiro assistia e tomava nota de tudo que achava importante para o tratamento de André. Isso acontecia ao mesmo tempo com outros espíritos dentro da sala. O trabalho, segundo Mariana, às vezes duravam semanas ou minutos. Então, voltei minha atenção a uma senhora deitada a uns três aparelhos depois de André e, como se diz por aqui, soube logo que nada é por acaso e sempre estamos onde deveríamos estar, fui caminhando lentamente e as imagens de sua tela iam me chamando cada vez mais atenção. Tratava-se de uma escrava negra de olhos de jabuticaba, tinha seu cabelo encaracolado amarrado com uma fita, as vestimentas simples e os pés descalços. Ela cantava em um campo de café, com saudades de sua terra e louvava suas tradições. Ao lado dela uma senhora pedia que parasse, pois naquele dia o Capitão do Mato estava pior do que de costume. Dizia ela: – Filha minha, pare de provocá, em nome de Olorum, pois tu sabe que Justino hoje está com o cão no corpo e te colocará no tronco. A menina ria alto e dizia: – Ah, vó, eles já calam meu corpo, prendem, e fazem dele o que qué, mas meu espírito e meus sonhos de liberdade não serão calados por esses demônios. – Filha minha, tenha paciência, pois Deus olha por nosso povo e logo, filha, estaremos libertos de todo o sofrimento. Antes que terminasse de falar, o chicote de Justino desceu do céu, encontrando as costas de vó Catarina, que caiu ao chão. – Velha maldita, sempre incentivando esses negos fedidos a terem esperança. Ele não parou de bater, enquanto esbravejava: – Olhem malditos o que faz a esperança com vocês! A neta de Catarina em prantos pedia misericórdia para sua vó, que nem na lavoura do café deveria estar mais, devido sua idade avançada. Mas, devido a beleza de Marta, a senhora castigava a todos os que se lhe aproximavam. A senhora era uma mulher boa, mas que se entregava aos sentimentos obscuros de quem vivia se servindo da escravidão e que se misturavam com o ciúmes doentio de um marido boêmio, cuja índole era no mínimo questionável. Seu principal passatempo era violentar as negras de suas propriedades. Já o Capitão tinha uma paixão pela neta de Catarina e a castigava sempre, pois para Justino ela só se deitava com os homens da Casa Grande. Mal sabia ele o quanto Marta sofria com tudo que vivia naquela época de dor e sofrimento. As chicotadas só cessaram quando o braço do feitor cansou e o corpo da velha Catarina já lavado de sangue se encontrava desacordado. Os negros do cafezal passaram a entoar um canto de lamento, sabendo que Catarina dali não levantaria mais. A imagem foi mudando, e logo reconheci meu terreiro em um domingo de consulta: a casa estava, como sempre, cheia daqueles que buscavam auxílio e os conselhos de Oxalá. Eu logo reconheci Catarina sentada, esperando sua vez e acompanhada de Justino que agora era seu marido. Os dois, com a fisionomia muito preocupada, traziam consigo uma criança que logo deduzi ser Marta. Esse era o plano divino: uni-los pelo amor que deveria existir no lar. Juntamente com eles havia uma quantidade de espíritos que os ofendiam e gritavam chamando a agora jovem Catarina e a pequena Marta de traidoras. Logo a família foi chamada a entrar no local em que eu me encontrava mediunisado e, através de mim, Ubirajara, usando o nome de Oxalá, analisou-lhe o caso. Sentando-se, Catarina imediatamente entrou em prantos e segurando minha mão disse: – Oh meu pai Oxalá, tem piedade de nós e nos ajude em nome de Deus! – O que eu posso fazer pela fia? – respondeu Ubirajara. Ainda em prantos, ela começou a contar o que acontecia: – Pai, nós não temos paz! Desde o nascimento de nossa filha, as coisas começaram a andar para trás em nossa vida. Nos primeiros anos de vida, ela foi uma criança normal, mas, ao completar seis anos, ela começou a ter convulsões e ao voltar delas nos agride, não fala coisa com coisa, nos xinga e diz que pagaremos por trair nosso povo. E isso, meu pai, tem acabado conosco, que sonhamos tanto em ser pais. Justino segurava a mão de sua esposa e nada falava. - E o filho? Como se sente com tudo isso? – perguntou Ubirajara. – Eu, meu pai, estou desesperado sem saber o que fazer, às vezes, sinto-me culpado por tudo e tenho vontade de sumir. Já levamos nossa menina em vários médicos, que nada encontram nela. Por um segundo Ubirajara analisou a menina no plano dos espíritos, onde alguns dos seus algozes eram tratados, orientados pela equipe da casa. – Fios, tenham paciência, pois essa é uma batalha a ser vencida com amor. Tem coisas na vida que sempre nos encontrarão, onde estivermos, e é nosso dever enfrentá-las com o coração, cheios de amor. Esta família não se formou por acaso e terá que enfrentar o ódio de outrora com o amor de agora. Esse é o plano do Pai maior! E, dito isso, foi receitado a eles os tratamentos da casa. A tela mais uma vez mudou, e, anos depois, vi Catarina de amarelo frequentando o terreiro junto com seu marido: a filha tinha se tornado uma linda jovem e, da assistência, acompanhava os pais com o sorriso no rosto. Logo, ela também trabalharia sua mediunidade. A tela, por fim, mudou para o dia do meu velório e lá estava aquela família orando por mim: a ainda jovem Marta chorava minha morte junto com os pais, e, dessa vez, eu é que fui tomado pela emoção, sendo sedado e colocado também numa máquina, pois chegara a minha hora, de encontrar-me comigo mesmo...

domingo, 13 de março de 2016

Livro 2 Página 2

Mariana me intrigara com sua pergunta, por que eu não iria querer desvendar minhas profundezas, se isso era tudo o que mais queria naquele momento? Ainda mais depois de uma temporada na escuridão, buscando aprender; pois eu voltara com mais dúvidas sobre mim do que com respostas e precisava saber o que me levara a trabalhar para o mal e por que devia tanto a Malaquias, visto que ele precisava de minha ajuda mais do que nunca. – Ortêncio – disse Mariana com sua voz suave – a maioria dos espíritos preferem deixar sua parte mais obscura em sua profundeza, uma vez que não é fácil se encontrar com o seu verdadeiro eu e saber quem se é de verdade. Não quero ofender o amigo, mas aqui é muito mais escuro do que as cidades que você visitou nas profundezas, este é o maior desafio do encarnado e continua sendo logo depois de ele desencarnar. Assim sendo, espero que minha pergunta não o tenha ofendido. – Não Mariana, você não me ofendeu, fiquei ainda mais curioso a respeito do que vou enfrentar e me sinto preparado e necessitado de tal experiência para assim continuar meu trabalho junto aos que ainda vivem na carne. Não quero deixar nenhuma ponta solta. – Curiosidade, meu amigo, é diferente de estar preparado. Concordo plenamente que não há outro caminho a seguir na evolução do espírito do que tomar a estrada que o leva ao autoconhecimento. Mas, isso não deve ser feito por mera curiosidade, espíritos mal preparados para esse momento tendem a cair em um abismo profundo de arrependimento, mágoas e remorsos. Mostrarei nosso trabalho antes que você decida se realmente quer passar por esta etapa agora, porém, lembro-lhe amigo Ortêncio, que esse é só o primeiro passo de muitos que você dará, pois somos eternos e o estudo de si mesmo dura uma eternidade. – Valei-me meu Pai Oxalá! – falei em tom de brincadeira. – Eu os deixarei agora, pois o trabalho me espera – disse-nos Iara, assim se despedindo e me deixando com Mariana. Como era de costume em Aruanda, as fachadas das construções não correspondiam ao tamanho que as mesmas tinham em seu interior e, ao penetrar na simples cabana, se eu já não estivesse morto morreria, tamanho impacto, pois me encontrava em um dos maiores e melhores centros neurológicos que a Terra pudesse imaginar. A primeira sala na qual entrei parecia ser um grupo de apoio com pessoas contando suas histórias. Contudo, todas usavam tocas magnéticas. Aqui, Ortêncio, analisamos o que as lembranças podem causar no espírito. Estas tocas magnéticas transmitem dados aos nossos trabalhadores e que se encontram em uma sala paralela a essa. Elas capitam tristezas, alegrias, e os danos que esses sentimentos podem causar ao espírito, além de possíveis benefícios. Apenas depois de passar por este teste é que o espírito começa realmente seu ingresso nas profundezas. Portanto, aqui eles contam suas trajetórias até o momento, ou o que se lembram dela, pois, como você já sabe, esta história de acordar no mundo espiritual lembrando de todas as encarnações e de tudo o que nesse plano combinou quando se preparava para elas, isso é tão somente para poucos seres de luz e amor. Nós, que nos encontramos em um processo lento de evolução, precisamos trabalhar muito para isso. – O que se faz aqui para que eles falem é a mesma técnica dos grupos de apoio da Terra? – perguntei. – Isso mesmo, porém aqui usamos técnicas um pouco mais eficientes e os inspiramos mesmo para que cada espírito que aqui venha possa se libertar de todos os medos e se coloque no lugar do seu próximo, com paciência e humildade. Repare que todos usam tocas, não só aquele que conta sua história no púlpito, ou seja, para que nenhuma sensação seja perdida ou desperdiçada. – Eu terei que me expor para todos os que aqui estão? – Sim, meu amigo, todos aqui falarão. Alguns estão há anos apenas ouvindo e isso também é válido. Pois as histórias dos outros já mudaram suas vidas e seu modo de ver o passado e o futuro, embora ainda não se sintam preparados para se expor. E isso não necessariamente perante o outro mas diante de si mesmos, pois falar de si para o outro é a parte mais fácil do processo, falar de si para si mesmo é que é o complicado. Ficamos, então, em silêncio, pois um jovem subira no púlpito e entre lágrimas nos contaria sua história: – Que Jesus me proteja, pois só eu sei o quanto sofro e aqui estou há 5 dias ouvindo aos nossos irmãos, que me deram coragem de desabafar com vocês, para, quem sabe, meu coração possa ser aliviado e eu consiga seguir em frente. Meu nome é André, desencarnei vítima de um acidente de carro no ano de 1999 e aqui estou desde então. Passei alguns anos na enfermaria de Oxóssi sem saber que lá estava, pois, meu mental me mostrava outra coisa, e isso me levou à loucura. Portanto, quando acordei fui transferido para a psiquiatria da Quinta Legião de Iansã. Vocês já estiveram lá? Recomendo que fiquem bem longe, uma vez que, se você não está preparado para conhecer a loucura, e visitar aquele lugar, lá ficara. Não há palavras para descrever os pacientes do local. Fui tratado com muito carinho pela equipe de lá, e hoje me trato nas clínicas de Iemanjá, para tentar me curar desse passado sombrio e de erros. Filho de Umbandistas desde quando nasci na última vida carnal, meu destino era a caridade exercida principalmente com a mediunidade e meus pais trabalharam muito para isso. Meu pai e minha mãe nunca cobraram por um atendimento ou benzimento, eram famosos em nossa cidade e ajudavam muito ao próximo. Nunca passamos necessidade, mas eu me perguntava como não tínhamos uma vida mais fácil, se meus pais tralhavam de segunda a sexta em seus empregos e nos finais de semana se dedicavam tanto ao próximo, portanto, seria mais que justo que a vida fosse mais grata com eles. E, ainda assim, quando fiz 18 anos, fui preparado para assumir o terreiro. Lembro da alegria do meu pai em minha coroação. Contudo, anos depois minha mãe adoeceu e veio a desencarnar, meu pai consumido pela tristeza foi se excluindo das tarefas do terreiro, ele ficava meses, anos, afastado, até que não mais pisou na casa que construíra para a caridade. Tomei aquele momento como o meu momento e comecei a cobrar por consultas e benzimento. Criei uma mensalidade altíssima e aqueles que não pudessem pagar que não frequentassem minha casa de cura e não mais de caridade. Comecei a viver no luxo e a dar as roupas mais luxuosas e as melhores comidas aos Orixás. Logo, eu já não percebia que estava no caminho errado e que isso me seria cobrado. Vendo aquilo, meu pai desencarnou sozinho com uma depressão profunda. Filhos da Casa que a frequentavam de longa data se afastaram, me deixando apenas com aqueles que compartilhavam dos mesmos desejos que eu. Contudo, sem caridade não existe fé e sem fé não existe cura e eu acabei sozinho na bebida, quando me encontrei em um precipício no fim da estrada. André mal conseguia falar, quando fechou os olhos e murmurou perdão aos pais e aos Orixás. Eu juntamente com ele chorava e difícil era encontrar naquele salão quem não se emocionara com aquele espírito. Uma maca foi estendida ao seu lado, algo aplicado em seu braço, e nós, então, saímos apressadamente, acompanhando André na procura por si mesmo....

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Livro 2 Página 1

Eu achei que saber quem eu era seria mais fácil, mas a tarefa de se descobrir é uma da mais difíceis que se pode ter em nossa vida, tanto carnal quanto espiritual. Ainda assim, sentia-me feliz por agora ser uma semente do bem. Por estar ao lado dos meus companheiros e, principalmente, por aprender que o mundo dos mortos não é uma ilusão ou fantasia, como aquelas contadas em livros bonitos. O plano espiritual, como vocês gostam de chamar, é tão real que, com o mínimo de esforço, os da carne poderiam vivê-lo muito antes de morrer, porém, quem está disposto a isso? Qual de nós fará como Pedro que se transformou de simples pescador de peixes em pescador de almas? Sim, Pedro tinha medos, tinha seus problemas e em alguns momentos lhe faltou a fé, mas nunca lhe faltou o amor. Eu, sentado diante dos prédios de Aruanda, pensava em tudo isso. Passar uns dias em casa, depois de tantas peripécias, estava me ajudando muito, diferentemente do que se pensa o espírito é um ser universal, sim, porém precisa de raízes e de um lugar para chamar de casa e repor suas energias e rever amigos. Ubirajara da Sétima de Oxalá se aproximara de mim sem que eu notasse sua presença e sentou-se ao meu lado, ao percebê-lo ali, meu coração cheio de dúvidas e afogado nas mágoas se manifestou, derramando lágrimas sobre meu rosto. O índio vestido de branco e descalço, segurou em minha mão e eu, como um filho assustado que busca abrigo, deitei-me em seu ombro. Por uns instantes, nenhum de nós falou nada, ele sabia que eu precisava esvaziar meu peito e minha mente cheia de dúvidas. Foi o Ubirajara que quebrou o silêncio: – Não será uma caminhada fácil filho, mas Jesus é seu principal conselheiro e não te abandonara nessa hora, sei que se culpa por ter feito parte das hordas do mal, mas filho, qual de nós chegamos aqui com o passado limpo como água cristalina? Qual de nós não tem que lutar todos os dias contra nossas más tendências, ou contra os desejos que se escondem em nossos corações? O lado de cá não deixa as coisas mais fáceis como você imaginava. As cidades espirituais não são cercadas de pessoas felizes o tempo todo, volitando e cantando hinos ao Senhor, como se pensara outrora. Elas foram construídas com muito suor, sofrimento, trabalho, e tudo isso regado de esperança, amor e fé. São esses sentimentos que devem dominar seu espírito para a nova caminhada que se inicia: esperança de que tu és melhor do que se vê; fé no pai maior que te auxilia e não te desampara e amor para consigo mesmo. Perdoar-se é o primeiro passo, saber que você se recupera aos poucos. Aliás, tão somente aquela sua atitude na cidade Nova Geração já teria bastado para que soubesse isso, pois você se entregou para salvar seus companheiros de viagem e centenas de espíritos que ali estavam. O mal exterior, Ortêncio, agora já não faz mais parte de você, porém, a hora derradeira de lutar contra as trevas que se apresentam desta maneira, ou seja, dentro de você, será daqui para a frente, filho amado. Tenha coragem e não se culpe tanto. Eu refletia acerca daquelas palavras do índio amigo e acalmava meu coração. Ele estava certo, o trabalho apenas estava em sua fase inicial, eu ainda descobriria muito sobre mim, coisas que poderiam me levar a um estado de depressão, caso eu não me preparasse psicologicamente.  Assim sendo, Ubirajara me sugeriu que eu buscasse auxílio na Legião de Iemanjá, pois lá se ministravam cursos de autoconhecimento. Eram grupos de apoio, nos quais cada qual buscava o contato com seu mais profundo eu interior, com técnicas similares a dos povos da carne e com outras que demorarão um pouco para ser conhecidas na terra. Assim procedi, levantei-me e caminhei até a tenda de Iemanjá. Sempre que ali entrava, em seu saguão principal, me espantava com aquele ambiente marítimo tão distinto do espaço exterior. Encontrei-me com Iara que me saudou: – Olá mensageiro, o que lhe traz aqui? – disse-me ela sorrindo e me abraçando calorosamente. – Iara, venho me inscrever no grupo de autoconhecimento. Ela sorriu e disse: – Já estava na hora, hein, velho feiticeiro? Eu fiquei vermelho e sorri com ela, Iara me encaminhou a um balcão onde faria minha inscrição. Sim amigos, as coisas aqui têm sua organização, não é só chegar e entrar. Todo o plano espiritual tem uma organização, pois não é a casa da mãe Joana, como costuma nos falar o Felipe. Passamos pela porta e, mais uma vez, eu estava na vila dos pescadores. Desta vez, passamos pela enfermaria, caminhamos para uma cabana e um pouco mais além, sobre as pedras que recebiam o impacto suave do mar, em um lugar menos agitado do que toda a praia, ali já se via menos pessoas e todas com pranchetas nas mãos, em esteiras espalhadas entre a areia e as pedras, pessoas sentadas ou deitadas, de olhos fechados, meditando, ou descansando sobre o sol e embaladas pela música que vinha das ondas do mar. O lugar exalava tranquilidade e paz, subimos uma escada natural feita de pedras e que findava diante de uma cabana azul com o teto de palha, onde havia também, ao lado da porta, um barco repleto de flores lindas e contendo uma imagem da deusa do mar de braços abertos. Fomos recebidos com um largo sorriso, que estampava o rosto de uma mulher negra, vestida de azul, e que aparentava ser muito jovem, tendo os cabelos encaracolados e soltos, castanhos, e que combinavam com seus olhos cor de mel. – Olá Mariana, como vai? Que Maria os abençoe.  – disse-nos ela, enquanto nos abraçava. – Eu vou bem Iara. – O que lhe traz aqui, minha irmã? – Este é Ortêncio, ele irá se inscrever no curso das profundezas. Mariana me olhou como se me analisasse, deu-me um sorriso lindo e disse, quase em tom enigmático: – Tem certeza disso, meu amigo?

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Página 70

Paramos diante de uma grande porta negra de aço, nela estavam esculpidas centenas de caveiras, aliás, mais parecia que o aço fora derramado sobre aquelas formas. Ao nos aproximarmos, a porta se abriu nos dando a certeza que estávamos sendo aguardados. Era um imenso salão onde centenas de espíritos berravam, portanto, o som que vinha lá de dentro era ensurdecedor. O local era iluminado por tochas o que o tornava mais sombrio, se isso fosse possível. Felipe deu o primeiro passo, os seres abriram um corredor e ao fundo pôde se ver que em cima de um minipalco estava sentado, em um trono também formado por caveiras, um ser horripilante. Estávamos a quase quinze metros de distância, mas sua energia tão densa fazia com que meu corpo doesse, a impressão que eu tinha era que meu perispírito começara a se dissolver. Nenhum dos mensageiros falaram nada ou demostraram qualquer reação mesmo que por telepatia, ainda que a caminhada até as proximidades do trono tenha sido feita debaixo apenas dos insultos e cusparadas disparadas por todos os seres ali presentes. A cada passo que dava, minha surpresa era maior. Então, paramos diante de um ser alto com quase dois metros, vestindo trajes de um general militar, repleto de símbolos de ditadores terrenos exibidos em suas medalhas, além de outros, desconhecidos pelos encarnados. Seu rosto era composto metade dele pelas feições de um encarnado, a outra metade exibia sua caveira, os dedos da mão pareciam se desmanchar e seu cheiro era completamente putrefato. Com suas vestes, o Exu Caveira mais parecia ser um boneco fofinho de pelúcia diante daquela imagem. O homem ergueu a mão e o silêncio se fez. Henrique, então, lhe disse: - Que a luz do Nazareno se faça presente entre os que necessite. Somos a equipe de Mensageiros de Aruanda e estamos aqui em paz. O homem não esposou reação e permaneceu calado por quase um minuto. Quando se propôs a falar, para minha surpresa, sua voz era doce e calma. Porém, com um veneno tão intenso que alguns dos seus seguidores começaram a se contorcer no chão como se as palavras daquele ser lhes torturassem os ouvidos e a alma. - Prezados Mensageiros de Aruanda o que vêm fazer tão longe de casa, eu não sei, porém sei que nem hoje e nunca daqui vocês sairão. Não costumo ser piedoso com tal ousadia de seres que se acham donos da verdade e, principalmente, que invadam nosso território. Foi o Preto Velho João quem respondeu: - Fio, não invadimos seu território, ou seja lá de quem possa ser. Aqui entramos com permissão e também sei que vós já sabia de nossa chegada, não é mesmo? O ser se mostrou surpreendido com as palavras de João. - Eu? Eu de nada sabia velho maldito, não sei do que você está falando. Uma pequena agitação se formara e eu começara a entender o que ali acontecia: o general Inocêncio não tinha pleno controle de sua cidade, pois, como controlar tanta maldade, tantos seres com seus próprios ideais e com ânsia de alçarem até mesmo o seu lugar? - Sim, o fio sabia que nossa caravana chegaria, foi lhe enviado um mensageiro antes de nós. Agora, fio, chegou a hora de todas as verdades serem ditas, não precisamos de mentiras. O pânico se instalara no olhar do general, com a revelação de João, revelação esta que eu mesmo desconhecia. - Velho maldito! Está tentando me jogar contra meu exército. O que você veio trazer nesta cidade? - falou o ser aos gritos, porém, sem ter tempo de ouvir a resposta do Preto Velho. Sem que soubéssemos de onde vinha, uma imensa explosão de energia invadira o local. Então, cavaleiros negros entraram montados em animais indistinguíveis. Henrique correra para o lado do general, que, em desespero, gritara pedindo piedade. O pânico se instalara entre muitos dos presentes, que começavam a ser destruídos pelas espadas dos cavaleiros que nos cercavam, até que, montado em uma espécie de búfalo negro, entrou no salão um ser negro, vestido como padre jesuíta, e usando um capuz que não permitia que se visse o seu rosto. Quando ele parou diante de nós, eu cheguei a vomitar e quase não consigo me manter em pé, sendo apoiado por Felipe que não me deixou cair e me incentivou a ter coragem e me equilibrar. Então, pude ver o homem descer de seu animal, os seres do mal foram reduzidos, sobrando apenas menos da metade. Nós, ainda em desvantagem, estávamos cercados. Ele nos mirou e nos disse: Vermes, simplesmente vermes, é isso o que vocês são e se dependesse apenas de mim eu acabaria com esse circo agora mesmo. Mas, tenho ordem de levar apenas dois de vocês comigo, é isso que farei aqui hoje. - Quem é você? Não falamos com desconhecidos. - disse João de maneira firme. - Poupe-me dos seus joguinhos velho João Guiné, pois você me conhece muito bem e não perderei meu tempo mais uma vez com traidores como você. Porém, se você insiste que seus pupilos saibam quem sou eu, eu sou o som das encruzilhas, sou a lei do submundo, aquele que leva as almas para o inferno e que faz o que seu Jesus não tem coragem. Sou a lei e me chamo Malaquias, e venho em nome dos senhores da escuridão buscar por direito o que é nosso. - Aqui não há nada para você, meu fio, e você sabe que aqui avinhemos justamente para te ver. - Lógico que sei, velho inútil, o você acha que sou? Idiota igual esse aí? Acha realmente que eu acreditaria que veio avisar a Inocêncio que seu tempo acabara e que Jesus tem uma nova proposta para os seres que aqui vivem? Isso tudo foi um plano para chegar até mim. Só que não deixarei vocês destruírem meus planos e minha cidade, e vamos parar de conversa, apenas quero o que é meu. - E o que é seu fio? - Ortêncio e Inocêncio são de responsabilidade nossa. Serão julgados e penalizados como manda a lei dos Dragões. Meu corpo que já não estava lá grande coisa congelara ainda mais! O que eu devia a este ser? Felipe tirara sua espada da cintura e a erguera dizendo: - Nada aqui é seu, Malaquias, nada, entendeu? - Tem certeza que vai querer começar uma guerra por esses dois, Guardião, logo por esse que outrora tanto mal lhe fez e até aos que vocês dizem amar? Com forças, que não sei de onde vieram, eu perguntei: - Do que ele fala, Felipe, o que acontece aqui? - Ortêncio, meu fio, isso não é importante. Agora, cada coisa ao seu tempo, fio. – respondeu-me João Guiné. O ser rira e disse: - Quer dizer que o mago não sabe do que eu estou falando, quer dizer que ele ainda não recuperou sua memória? Vou refrescá-la para você, mago Ortêncio. Você era um de nós, há centenas de anos, você era a mão de ferro do submundo, até passar para o lado do inimigo. Esses que te apoiam hoje, sofreram com sua maldade e não se faça de inocente, pois sei que está tudo aí, dentro de você, seu arrogante, maldito! Você não se lembra que quase fomos destruídos por sua traição? Demoramos séculos para nós reerguermos. Mas estamos aqui, agora, e você pagará por tudo. Eu não podia acreditar! Eu era pior do que imaginara, mas por que não me lembrava? - Venho evoluindo, Malaquias, experimentei encarnações purificadoras e trabalho em nome do Cristo para consertar meus erros, desde quando a escuridão se fazia morada em meu ser. E viemos aqui justamente para mostrar isso a você: há um outro caminho a ser trilhado. Antes que o seu tempo acabe, Jesus tem sim uma nova proposta, não só a você, mas a todos aqueles que quiserem aceitá-la. Porém, esta é sua última chance, pois daqui deste planeta seres como você logo serão retirados e experimentarão uma vida mais árdua em outros orbes. Por isso, filho de Deus, como mensageiros do Cristo aqui presentes, pedimos que olhe para este seu antigo chefe e veja o que Jesus pode também fazer por ti. Eu nem sabia do que estava falando, mas as palavras saíram do meu coração, como se eu tivesse em um transe mediúnico. - Você nem se lembra de quem era. Como isso pode ser bom? - perguntou o ser. - Passei por muita coisa, Malaquias, das quais não me orgulho. Confio em Deus e em Jesus, plenamente, e se o povo de Aruanda acha que ainda não estou preparado para tal lembrança, que assim seja, pois sei que mais cedo ou mais tarde tudo será esclarecido. Eu continuarei trabalhando para um dia suportar saber o que fiz, sem que isso consuma meu espírito, meu amigo Malaquias. Deixai que Jesus mude você e que sobre a orientação de Oxalá possamos levar daqui aqueles que assim o desejarem. - Deixarei que seus amigos levem quantos quiserem, desde que você, maldito, fique! - Isso não está em negociação, Malaquias. - disse Henrique. - Vocês não têm outra opção, soldado de Ogum. Abrirei mão até desse traidor aí, em suas costas, mas ficarei com o velho Ortêncio. - Se é isso que você quer Malaquias, eu aceito. Todos se surpreenderam com minha decisão até o próprio Malaquias. – O quê? - Isso mesmo. Que os mensageiros saiam em segurança, que seus guardas baixem as armas e que todos os que quiserem possam partir e, então, eu irei com você. O silêncio foi ensurdecedor, até que Malaquias disse: - Que assim seja feito. Então, lançou um tipo de laço que envolveu meu corpo e, quando se virou para sair me arrastando, centenas de soldados da legião de Ogum cercaram não apenas a sala, mas, pela energia que se expandia, toda a cidade. Gabriel, da 7ª Legião de Exu, deu um passo à frente e disse: - Malaquias, como aqui já foi dito, esta oportunidade lhe foi oferecida pela Misericórdia Divina e a mesma Misericórdia não poderia deixar qualquer espírito que fosse se sacrificar, por maior que pudesse ser a causa. Ortêncio não voltaria jamais às cidades das trevas para seu sofrimento, mas é apenas para trazer luz ao seu coração que ele está aqui e, portanto, peço que não haja luta e que você faça sua escolha em paz. Malaquias soltou seu chicote e apenas disse isto: - Ainda não acabou. Saiu, esperando que seu exército o acompanhasse, mas nenhum dos seus se movera e o Cavaleiro Negro saiu solitário, carregando consigo apenas o seu ódio. O que aconteceu depois foi algo que eu jamais imaginara que pudesse acontecer no plano espiritual. A cidade começara aos poucos se iluminar, como quando acontece quando sol vence as grandes tempestades. Veículos de várias cidades espirituais faziam o socorro daqueles que queriam ou tinham condições de serem socorridos: eram milhares de espíritos, porém outros milhares ainda ali ficariam ou mesmo partiriam para outros lugares em busca de seu chefe.
Sentamos no portal da cidade João, Henrique, Maria e eu. As lágrimas banhavam nossos rostos, e, então, eu perguntei: - Quem sou, João, e o que faremos agora? – Você, fio, é um fio de Deus em evolução. Logo poderá saber e, se assim quiser, poderá também trazer aos vivos na carne sua experiência como Mago Negro, pois retornaremos a Aruanda para que você se prepare para tal. No mais, ore a Jesus e agradeça a oportunidade. Ficamos, então, sentindo o sol brilhar mais uma vez e vendo as flores brotarem naquele lugar, onde eu pensara que só pudesse nascer a dor. Lembrei-me da frase de um amigo, que conhecera em minha viagem até ali, quando lhe perguntara por que o hospital Bezerra tinha tantas flores, a qual eu transformei em meu lema de vida: “Mais flores na vida, Ortêncio, pois nos túmulos elas nada valem...”

domingo, 5 de julho de 2015

Página 69

A cidade parecia estar em alerta, a agitação se dava por estarmos de frente ao prédio daquele que comandava, se não toda as operações ali, ao menos uma grande parte. Os guardas formaram um cordão de isolamento, distando uns dez passos de nossas costas, enquanto por ali  uma pequena multidão de espíritos em sofrimento se formava. Tal multidão aumentava a cada segundo e nós ouvíamos de tudo: alguns pedindo ajuda; outros nos ofendendo e nos expulsando; alguns gritavam contra o tirano, pedindo sua cabeça. Os guardas voltaram com caras de surpresos e/ou contrariados, não sabíamos como decifrar, de qualquer modo nos orientaram a entrar no prédio. A Legião de Ogum ficaria lá fora no cordão de isolamento, já a guarda de Soraia nos acompanharia. O lugar escuro, era mal iluminado por tochas e cheirava muito mal, o térreo não continha móveis, era apenas um grande salão vazio, com uma enorme escada no centro. Subimos com cuidado e, ai sim, começava nossa surpresa com tudo o que víamos. O general que poderia nos receber no espaço vazio, no entanto, fez questão de nos mostrar seu poder, franqueando-nos locais sem portas, em que se revelavam grandes laboratórios em meio a ruínas, repletos de equipamentos, mapas, em que cientistas trabalhavam sem se importar com nossa presença. Em uma dessas salas, tais entidades implantavam chips em médiuns que se encontravam em desdobramento. O silêncio foi quebrado por um dos guardas do general, que riu alto e disse: - Pensaram que nosso mestre teria medo de você, não é mesmo? Foi Henrique quem respondeu: - Não precisamos do medo do seu mestre ou de qualquer outro. Mais uma vez o guarda riu: - Vocês se acham superiores, por seus laboratórios e estudos, nos chamam de atrasados e fingem não se surpreenderem com o que aqui veem, mas sabemos que logo iremos nos igualar nesta luta. Vocês no entanto negam e, orgulhosos, não saem da pose de iluminados. Pois vejam nosso poder, filhos do cordeiro, e fiquem com vosso orgulho, que nós ficaremos com a vitória. Surpreendentemente ninguém lhe respondeu. Percebendo que seu discurso não afetava a equipe, ele se calou. João Guiné, com sua voz tranquila, perguntou: - O que os fios fazem aqui? O guarda, que esperava um debate ou palavras reprovando tal trabalho, se surpreendeu com a pergunta do Preto Velho, e respondeu: - Construímos o futuro, a nossa vitória. - Acho que o fio não entendeu, vou perguntá novamente: em que vocês trabalham nesses laboratórios?  Velho astuto, não entregarei os planos do meu mestre. O Preto  Velho sorriu e disse: - Pergunte que viemos fazer aqui. O guarda, intrigado, fez a pergunta: - O que vocês fazem aqui, velho feiticeiro? - apontando para mim. João me olhou com carinho, meu rosto queimou, mas respondi: - Venho em missão de paz, sob a orientação dos espíritos de Aruanda, trazer a bandeira do amor, da paz e da igualdade a todos em nome do Cristo Nazareno. Mais uma vez o Preto Velho sorriu e disse: - Se perguntá a qualquer outro a resposta vai ser a mesma, fio. E ocê não deixou de me respondê porque queria defendê os interesses do seu mestre, mas sim porque o fio não sabe o que aqui é feito. A diferença, fio, entre o mestre do amor e o seu mestre, é que Jesus não esconde nada de ninguém, seus planos para a humanidade são tão claros que para alguns de nós é difícil de enxergar e por isso a gente se torna cego, vagando na escuridão da ignorância. Não somos mais capazes ou iluminados, como o filho disse, apenas porque estamos do lado do Cordeiro, pois isso seria fácil. O difícil é abandonar a escuridão que vive em cada um de nós para conseguirmos nos aproximar cada vez mais de Jesus. Concordo que é fácil estar aqui na ignorância, porém, fio, este tempo está acabando e depois de nossa conversa com seu mestre todos dessa cidade poderão escolher sem medo o que querem e, aí, o fio não vai mais poder dizer que não sabe, pois terá consciência que escolheu a escuridão por seu livre-arbítrio. Os olhos dos guardas estavam marejados e nada disseram, porém se percebia que o objetivo do Preto Velho fora alcançado, ou seja, o de colocar a dúvida na mente daqueles espíritos, de fazer pensarem e escolherem seu destino. Muitos espíritos, ao se encontrarem em zonas de sofrimento ou trabalhando para o mal, não sabem que existe uma opção e que ela é sim difícil de se aceitar, porém necessária para que possamos nos encontrar conosco mesmos. A dúvida é a porta de entrada para as certezas da vida. Subimos ainda dois andares antes de chegar ao andar aonde se encontrava Inocêncio, um deles era desesperador: um andar todo dedicado à tortura e  ao castigo daqueles que eram contra ou ousavam desafiar seu mestre, nele, espíritos acorrentados a paredes gemiam de dor, gemidos animalescos. Tais seres encontravam-se em estados tão surreais que aqui não poderei descrever, por ordem de João Guiné. Não enfrentando resistência dos guardas que nos acompanhavam, parte de nossa equipe ali ficou para prestar algum tipo de atendimento àqueles seres, entre eles ficariam os índios Pena Branca e Cobra Coral, que ainda questionou: - Poderemos arrumar grandes problemas em auxiliar esses infelizes Pai Velho. - Sim, meu amigo Cobra Coral, poderemos. - E por que ajudaremos? - Por que são filhos de Deus e não podemos fechar os olhos para o sofrimento desses seres, até que tenhamos permissão para remover aqueles que se encontram em condições favoráveis. Não os tire daqui, mas deem assistência e  roguem ajuda a Maria de Nazaré para tal. Continuamos adentrando, guardião Felipe, Henrique, Soraia, Humberto, o Preto Velho e eu. A partir dali, no entanto, nem mesmo os Guardas continuariam nos acompanhando. Porém, antes de eu prosseguir, Maria me abraçou, uma vez que ali também ficaria, prestando assistência ao próximo, assim como fizera o samaritano ao  homem desconhecido da estrada... 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

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Nenhum de nós, por respeito ao Preto Velho João Guiné, fizemos qualquer questionamento sobre o que aconteceu ali. Recompô-mo-nos e, para que ganhássemos tempo e energia, aguardamos a caravana de socorristas. O Preto Velho se manteria calado por mais de uma hora e por algumas vezes as lágrimas banhariam seu rosto moreno, sumindo em meio a sua barba branca como algodão. Após o socorro daqueles que de boa vontade acompanharam a caravana, João abriu um sorriso e disse: - Que assim seja!. Ficaríamos  no veículo por algumas horas e, após uma reunião, novamente estávamos nas ruas escuras da cidade. Porém, algo diferente acontecia ali, não sei como isso pôde acontecer afinal, mas o ar ficara mais pesado e já não pisávamos em nada sólido, pois as ruas tornaram-se pântanos rasos. Intrigado com o que acontecia, Humberto perguntou: - O que acontece aqui? O que é este líquido e como ele chegou até aqui? Foi o guardião Felipe quem respondeu: - Isso, amigo evangélico, acontece por dois motivos, primeiramente, o que pisamos é fruto do pensamento, tanto de espíritos encarnados quanto de desencarnados. Além disso, os chefe da cidade devem ter abandonado seus postos, desse modo derrubando tais criações psíquicas e que aqui são formadas com a ajuda deles. - Mas, por que eles abandonaram a cidade? Eles não a abandonaram, exatamente, apenas sentiram nossa presença e fugiram. Retornarão logo depois de nossa saída. - Mas, eles não sabem para que estamos aqui? - perguntei. Desta vez quem nos respondeu foi Cesar: - Não, Ortêncio, o que eles sabem é que estamos aqui, já o motivo de nossa missão é um mistério e mesmo que o soubessem teriam a mesma atitude. Os mensageiros da escuridão gostam de agir na surdina e temem o confronto e debate pacífico ou  mesmo saber a respeito do que o povo de Aruanda está propondo a esta cidade. Em outras palavras, são covardes, pois sabem que não não possuem um argumento concreto para rebater nossa proposta. A esta altura paramos de frente a um prédio e que também se encontrava protegido por seres animalescos e com energias difíceis de explicar. Eles logo reconheceram a autoridade dos espíritos que se faziam presentes e um deles, um ser alto de vestes pretas, usando uma grande cartola, além de uma bengala de caveira, e que apresentava as partes visíveis do seu corpo em estado de putrefação. Dele, aliás, se exalava um cheiro de cadáver. Ele nos sorriu e nos disse: - Sabem bem que não são bem-vindos aqui, não sabem? - Que Jesus esteja convosco. - disse Felipe. - Que Jesus esteja com você, traidor das tradições, e não comigo - respondeu o ser. Felipe, que começara a mudar o seu perispírito, em segundos, já usava a forma assustadora de uma caveira coberta de negro, com sua espada e cintos prateados, contrastando com o negro de suas roupas. O ser se apequenou perto do guardião, que o encarou de cima a baixou e que, com uma voz que doía os ouvidos de tão aguda, lhe disse: - Não espero que você me respeite ser das trevas, mas respeite o nome daquele que me mandou aqui para dar uma chance a seres como você, perdidos na escuridão. Meu nome é Felipe na religião que você chama de mesa branca e sou Exu Caveira na que você chama de tradição. Então, perceba que o traidor aqui não sou eu. Por um momento, pensei que os guardas fugiriam. Mas, o homem, olhando para Felipe, lhe disse: - O que queres aqui? - Temos um recado para um dos seus generais. Viajamos muito para chegar aqui, então o avise que chegamos e que João Guiné e a equipe de mensageiros de Aruanda se fazem presentes em nome de Jesus. Solicitamos uma audiência com ele. - Meu chefe é um homem ocupado e não recebe ordens, em nome do cordeiro. - disse o ser. Felipe, que puxara sua espada, a ergueu no ar e disse: - Não tornarei a pedir pacificamente ser das trevas. Os olhos dos guardas brilharam de medo, pois perceberam que nenhum de nós interferiríamos a seu favor. - O fio peça permissão para nossa entrada pacífica ou entraremos de outro jeito. - disse João Guiné. O homem entrou e nós ficamos aguardando do lado de fora. Meu coração estava acelerado e Maria, para variar, segurava minha mão. Ela sorriu para mim e disse: - Chegou a hora, meu velho, acalma-se, pois Jesus precisa de você...