terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Página 36

Segurando a mão de Maria, entrei na terra dos mortos, território de Omolu. Os filhos do Orixá, que nos acompanhavam naquela missão, logo se apresentaram trajando uma vestimenta de palha que lhes cobria todo o corpo. Eric, da Sétima Legião, trazia algo que o diferenciava, um lindo cajado, quase da altura de seu corpo. O local estava repleto de entidades de todos os tipos: espíritos maltrapilhos eram em maioria e suas dores e agonias doíam em nossas almas. Alguns deles, deitados em seus túmulos, choravam a perda do corpo físico, outros apenas caminhavam e conversavam sozinhos. Uma grande equipe de socorro tentava alertar aqueles irmãos para sua nova condição e foi quando começaram minhas surpresas. O homem segue sempre seu caminho: nós nos dirigimos ao cruzeiro, o centro de forças daquele lugar. Uma luz branca, que quebrava a escuridão da noite, nos indicara o local. Tratava-se de um grande hospital a céu aberto e que me lembrou uma espécie de acampamento militar, erguido como hospital de emergência, formado por grandes barracas de lona, com cruzes no teto e nas laterais. Ali, homens e mulheres de branco corriam para todos os lados. De imediato, visualizei pelo menos cinquenta enfermeiros e me espantei quando notei que alguns encarnados do Centro Espírita que nos abrigara também estavam entre aqueles trabalhadores. Ao entrar no campo de forças do Cruzeiro, os filhos de Omolu voltaram a trajar branco e Eric nos disse: – Vamos falar com o responsável por este trabalho, meus amigos. Ele é um velho amigo e há muito vem se dedicando a este centro de forças, nenhum de nós fez nenhuma pergunta. Pareciam todos em alerta, querendo aprender o máximo possível. Os índios estavam com arco e flecha nas mãos e a tudo olhavam atentos. A legião de Ogum também trajava suas armaduras. A filha de Iemanjá mudara seu traje para um vestido de gala azul. O preto velho João se tornara mais velho e agora estava de branco e descalço, carregando como apoio uma bengala. Felipe tomara para si a sua forma de caveira. Ao pararmos diante da barraca do responsável pelo trabalho não resisti à curiosidade e perguntei: – Nunca vi todos vocês trajando suas vestimentas de gala ao mesmo tempo. Esse Senhor é tão importante assim? Eric riu e respondeu-me: – Meu amigo Ortêncio, nosso amigo é sim importante, mas seu trabalho aqui nesse solo sagrado é ainda mais. É a esse trabalho bendito que homenageamos, porém, as mudanças em nosso perispírito também se devem à mudança energética desse local. Salvo esse exato espaço em que nos encontramos e que é protegido por este campo magnético que você pode observar, todo tipo de energia nasce e/ou morre aqui, criada pela dor e sofrimento daqueles que ainda não entenderam a morte. Muitas dessas energias atuam no campo psíquico tanto de encarnados, quanto de desencarnados, ainda invigilantes e/ou sem conhecimentos. – Como atuam estas energias? – perguntou Humberto. Dessa vez, foi o jovem médico da Legião de Omolu quem respondeu: – A hora do sepultamento do corpo de um ente querido, Humberto, é um momento de profunda dor para os encarnados, que, envolvidos com tamanha dor da perda, baixam suas vibrações e dessa forma se tornam alvos fáceis para os insetos energéticos presentes nesse local se instalarem em seus perispíritos. Aliás, algumas Ordens das trevas se especializam em atacar pessoas nesse momento frágil, por isso que recomendamos a prece a todo o momento, em estando nesse local, não só por aquele que deixou o corpo, mas também para que os espíritos do bem possam criar campos de proteção ao grupo que vem a esta terra prestar suas homenagens fúnebres. Fiquei imaginando quanto trabalho havia naquele lugar. Eric virou-se e cumprimentou dois guardas que faziam a segurança da entrada da barraca e que vestiam calças pretas de cetim e camisas em um tom de dourado, brilhantes. Não fosse pelos turbantes que usavam nas cabeças, eu diria que eles eram ciganos. – Loroê Exu! – saudou-lhes Eric – Somos da cidade de Aruanda e gostaríamos de falar com vosso superior. Os guardas olharam-se mutuamente e um deles disse-lhe: – O saudamos, filho do nosso pai Omolu. Já sabíamos de sua visita, pois, se assim não fosse, sua equipe não se aproximaria de nossa humilde cidade. Nosso amigo vos espera. Assim sendo, fomos conduzidos à cabana. Como nossa equipe era grande, apenas uma parte entrou, os outros ficaram do lado de fora, já buscando trabalho e se espalhando pelo campo do hospital. A cabana era de um branco esplêndido, repleta de materiais cirúrgicos e equipamentos de várias formas. Ali, havia espíritos usando aventais brancos e que trabalhavam sentados em frente a computadores e, no fundo, atrás de uma mesa de mogno negro – tendo em sua superfície pilhas de papéis e uma espada em forma de lua, com o cabo cravejado de pedras preciosas de todas as cores – encontrava-se um homem de olhos negros e pele queimada do sol do deserto. Ele usava uma barba que lhe cobria o rosto dando-lhe um ar misterioso e portava na testa um cristal escuro. Também usava uma bata marrom de mangas longas e uma calça na cor bege. Ele se levantou. A primeira impressão que tive era de que estava diante de uma entidade indiana. No entanto, o largo sorriso e os olhos penetrantes, como de um gato, logo denunciou tratar-se do egípcio José. Então, nos aproximamos: Eric acompanhado por João, Henrique, Felipe, Maria, Humberto e eu nos ajoelhamos. Eric saldou-o: – Laroê Exu! Sete Catatumbas, filho de Oxalá, regido pela legião de Omolu! Nós o saudamos e lhe trazemos de nossa Aruanda o orgulho de nossa cidade por seu trabalho! Os olhos do General de batalhas, Guardião da terra dos mortos, se encheram de lágrimas e ele nos disse: – Que Jesus os abençoe! Filho de Omolu, que Jesus o abençoe por se lembrar desse seu velho amigo...  

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Paginá 35

Entrei na Casa Espírita que nos abrigara com a criança nos braços e o rosto coberto por lágrimas de compaixão e de alegria, pois eu, mais uma vez, fui usado por algo maior que nossa missão: o amor e a caridade ao próximo. Imediatamente, dois socorristas nos indicaram uma maca em que deitamos a frágil menina que dormia. Apesar de seu perispírito estar muito castigado, ela parecia agora estar tranquila. O tratamento do seu perispírito começou, imediatamente, através de passes magnéticos, enquanto a esta altura toda a equipe de mensageiros nos observava, esperando respostas que foram dadas por Felipe, que deixou nossos amigos a par dos acontecidos. Logo depois de sua explicação, João Guiné foi o primeiro a comentar: – Viu só, fio Humberto, como é que  chegam os espíritos nessa instituição? Trazidos pelo amor, nos braços da caridade do Pai Maior e pela justiça universal, que não deixa que ninguém passe pelo que não se deve passar. – Mas, e esses espíritos que se encontram aqui presos a correntes energéticas e que estão apenas esperando uma oportunidade para fazer o mal aos que aqui vêm? Como podem eles também ser movidos pelo amor, João? – perguntou Humberto. Confesso a vocês que essa seria minha pergunta também. – Fios, já dizia um apóstolo de Jesus que o ódio é apenas o amor doente, pois em algum momento dessa vida ou de outra esses que estão no mal amaram e adoeceram. É nossa obrigação ajudar e não julgar os fios que precisam de remédio. Quantos de nós já não estivemos doentes de orgulho e cegos por paixões mundanas que nos desviaram do caminho? Quantos de nós já não fomos o chicote que açoitou o inocente Cristo e nem por isso ele nos condenou ou blasfemou contra o Pai maior. Que Ele seja nosso exemplo e que possamos dedicar nosso amor a esses irmãos sem nos preocuparmos por quais portas eles entraram. Envolvidos pelas palavras do Preto Velho, nem percebemos que o irmão encarnado e que fazia o evangelho para aquela assembleia de encarnados era usado, por sua vez, para transmitir as palavras do Preto Velho àqueles que não poderiam ouvi-las, como nos estávamos ouvindo. Do homem no púlpito saiam luzes multicoloridas que banhavam os encarnados presentes e que também serviam de calmante aos espíritos em baixa vibração, o que ajudava as equipes da casa a se aproximarem com mais tranquilidade de todos aqueles que ali se encontravam. A reunião chegara ao fim no plano físico, mas no lado espiritual começaria um trabalho mais delicado: o de transportar os que aceitaram ajuda para o hospital da colônia recanto de irmãos e que se localizava naquela região. – Amigos, iremos acompanhar um irmão que não quis nossa ajuda no momento para tentarmos de alguma forma inspirá-lo a deixar os antigos hábitos. – disse-nos Henrique. Assim sendo, saímos pelo portão da casa caminhando, pois aquele espírito parecia não conhecer as leis do pensamento. Ele, na verdade, caminhava na escuridão de seus pensamentos sem perceber nossa presença. Já estando na meia idade, o senhor usava um paletó azul, tinha a pele branca e cabelos grisalhos e resmungava. Lamentando sua sorte, dizia: – Olha como são as coisas! Mais uma vez fui enganado, mulher. Aquele povo do cemitério disse que eu encontraria ajuda aqui e eu vim, mas eles querem é me separar de você. Como posso viver sem você, minha velha? Já basta o que fizeram os traidores dos nossos filhos, que fingem não me ouvirem e até a casa trancam para que eu não entre lá. Por isso hoje tenho que voltar e ficar do seu lado. Então, ele caminhou pelo meio dos encarnados por algum tempo até parar no portão de um cemitério e entrou, rumo à escuridão da noite, na terra dos mortos. Meu coração parecia que ia saltar pela boca, pois eu não queria voltar a um lugar como aquele e, por alguns instantes, o medo tomou conta de mim. Foi quando Maria segurou minha mão e disse-me: – Acalme-se Manoel. Desta vez, nós estamos aqui e, diferentemente do que você pensa, a morada dos mortos não é uma terra sem lei ou esquecida por Deus e sua misericórdia. Fui me acalmando e, sem o véu da ignorância e do medo, mais uma vez me surpreenderia com a magnitude divina, pois as lições que teria ali somente poderiam ser aprendidas quando o aluno soubesse que a terra dos mortos não era diferente de nenhum outro lugar, uma vez que o Pai Maior age em todo o universo, basta que nos libertemos de nossas mazelas e abramos nosso espírito para o aprendizado sem preconceitos e, então, foi isso o que tentei fazer. Assim que me acalmei, vi uma legião de espíritos de todos os tipos, crenças e raças trabalhando em prol de algo que eu não entendia até aquele momento, ou seja, de que as terras de Omolu eram um lugar de vida em abundancia e a morte ali não fazia morada...

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Página 34

Eu me encontrava desesperado, por ver meu antigo lar naquele estado, e também com o coração apertado, ao pensar em como o meu desencarne prejudicara tanta gente. Foi quando Felipe disse-me: – Não se sinta mais importante do que você realmente é, Ortêncio. Não foi o seu desencarne que causou este cenário, mas sim a falta de preparo dos que aqui ficaram no plano físico. Não tente carregar nas costas a culpa pela expiação alheia, pois se já não consegue carregar as suas próprias! Eu fiquei envergonhado, pois ele estava completamente certo. Assim, entramos em uma casa simples daquele local e eu me assustei com o cenário de abandono, do lado físico, e de verdadeira desordem, no lado espiritual. Havia espíritos por ali que sugavam o quanto podiam de energias obscuras, criadas por pensamentos de dor dos moradores, bem como devido às substâncias tóxicas de todos os tipos que utilizavam. Além de tais substâncias ilegais, os poucos moradores que se encontravam no local também ingeriam álcool e fumavam cigarros comuns sem se preocuparem com o mal que causavam à própria saúde, por tudo isso. Nenhum dos dois lados percebia nossa presença e não havia nenhum sinal de que aquele local poderia algum dia ser recuperado. – Se o encarnado soubesse o quanto o uso de certas drogas faz mal a sua saúde física e espiritual! – pensei comigo mesmo. Fomos recebidos por Jeremias, um ser alto, de pele clara e que vestia uma roupa branca. Ele orava, tentando intuir um dos moradores que direcionava toda a sua atenção ao aparelho de televisão. Quando nos viu, Jeremias sorriu e nos cumprimentou: – Que a paz de Jesus ilumine vossos corações – disse ele com carinho. – Que assim seja! – respondemos. E Maria continuou: – Pelo que vejo, quase nada mudou nesta casa, Jeremias, depois de nossa última visita. – Realmente, Maria! Os moradores desse lar fazem muito pouco ou quase nada para seu crescimento espiritual. – Mas o que está sendo feito para ajudar esta família?  – perguntei. Foi ainda Jeremias quem respondeu, com uma gota de melancolia em suas palavras: – Amigo Ortêncio, nós estamos tentando inspirá-los cada qual a procurar uma religião, a diminuir o uso de tais substâncias. Enfim, a que procurem ajuda, para assim, conseguirmos mudar o quadro desse lar. Porém, sem muito sucesso, pois os encarnados não querem fazer esforços para que as coisas mudem. Preferem o que for mais fácil. Chegamos a uma ação de quase forçar a retirada dos espíritos que se aproveitam da situação aqui encontrada, mas os pensamentos dos moradores os trouxeram de volta. – Mas, por que a segurança não foi reforçada e os apelos inspiradores não foram mais contundentes? – perguntei. – Isso foi feito. No entanto, qual é a arma mais poderosa à disposição do encarnado?  – perguntou o amigo. – A do pensamento e a consequente mudança de comportamento. – respondi. – Isso mesmo. – disse Jeremias – Ainda estamos aqui, tentando inspirá-los da melhor forma, mas não podemos obrigar ninguém a nada. Temos a esperança que esta família acorde para realidade de sua vida, mas, amigo Ortêncio, temos que respeitar o tempo deles. Nesse momento, observei uma garota, de mais ou menos uns 12 anos de idade, em um canto da sala. Suas roupas estavam esfarrapadas e sujas, ela chorava e meu coração se encheu de compaixão. Aproximei-me com carinho e lhe perguntei: – Por que está chorando, minha menina? Ela levantou os olhos e, só então, percebi quem era ela. Não me reconheceu, mas era uma das minhas netas e que desencarnara naquela família, antes mesmo de mim, mas que se encontrava presa àqueles que ali viviam. – Eu estou com fome senhor e com muita dor. – E por que você não vai embora? – disse-lhe Felipe. – Ela não deixa. – apontou para a mãe, que ainda no corpo físico colocava nesse exato momento um prato com comida no canto da casa, dizendo: – Olha tica, a sua comida. Olhávamos com tristeza para cena. – Menina, eu gostaria de levar você comigo para onde moro. Lá tem remédios, comida e nós cuidaremos de você. – Não.  – disse ela – Como vou deixar ela aqui? Ela precisa de mim. Então, eu disse: – Maria, você sabia que você não está mais entre os vivos da carne e que seu corpo morreu? É hora de seguir, criança. Venha conosco e, depois que você estiver bem, voltaremos para ajudar sua família. Ela chorava, copiosamente: – Eu não posso! – Pense em como seria bom, menina, ajudar sua família! Ela olhou para mim, segurou em minha mão e me disse: – Vô, você promete que me traz de volta? Eu não suportei a emoção de ser reconhecido e, entre lágrimas, lhe respondi: – Sim, minha filha, eu prometo que faremos tudo para ajudá-los. Então, Jeremias e Felipe estenderam as mãos e um lindo jato de luz rosa fez com que a menina adormecesse nos meus braços. Nesse momento, percebi que o garoto, que antes dedicava sua atenção ao aparelho de televisão, orava, assistindo a um programa evangélico e, sem perceber, nos ajudara no socorro da irmã e que estava ali há mais de 20 anos. Despedimo-nos de Jeremias com o coração cheio de esperança, pois se comprovou que é mesmo nos pântanos que nascem os lírios mais lindos...

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Página 33

Enquanto estava revendo minha família, o restante dos mensageiros de Aruanda continuava o trabalho na instituição espírita que nos abrigara. O aprendizado era grandioso, principalmente para nosso amigo Humberto que fazia um grande esforço para se libertar dos seus preconceitos, o que, aliás, deixava a todos nós extremamente felizes, pois essa era a conduta que esperamos de um verdadeiro Cristão: não a de ser santo do dia para noite, mas a de travar uma batalha consigo, no intuito de ser melhor a cada dia. Assim sendo, João explicava ao amigo como funcionava o atendimento àqueles que necessitavam de ajuda e por isso buscavam socorro em um centro espírita. Humberto prestava atenção como aluno dedicado que era. Naquele dia, o evangelho seria dedicado à desobsessão e Humberto perguntou:  Os encarnados chegam aqui, por vontade própria, caminhando sozinhos, e, como são trazidos os espíritos, que muitas vezes estão prejudicando esses desencarnados? João pensou por um momento e respondeu-lhe:  Infelizmente, amigo, poucos são aqueles que procuram um centro espírita ou qualquer outra religião para ir apenas ao encontro de Deus. O encarnado vai a um templo religioso para ser consolado por dores de variados motivos, querendo encontrar solução e resposta para tais dores, porém, muitas dessas dores poderiam ser evitadas se o relacionamento com Deus e a religião fosse fortalecido desde muito cedo, por meio da alegria, do amor e da inteligência. No decorrer dos séculos, as religiões tornaram-se templos tristes, aonde você vai para solucionar doenças do corpo e da alma e, assim, os fiéis esquecem-se que o encontro com Deus deve ser de pura alegria. Cabe ao homem se curar, cabe ao homem trabalhar para sua evolução: a religião é apenas uma ferramenta para isso e não deve ser responsabilizada por fazer o trabalho que é de sua alçada. O espiritismo, normalmente, é a última opção. Trata-se do desespero de causa dos encarnados, sim, pois, em pleno século 21, esses ainda não conseguiram deixar seus preconceitos de lado e, assim sendo, quando chegam a uma casa como esta, normalmente, já passaram por outras religiões. É por isso que costumo dizer que o espiritismo é a religião das outras religiões. Humberto ouvia as explicações do pai velho com lágrimas nos olhos e perguntou-lhe: – O senhor quer dizer que vivemos de maneira equivocada nosso compromisso com a religião e consequentemente com Deus? – Fio, nós precisamos aprender que nosso compromisso não é com Deus, mas com a gente mesmo, não fazemos nada para o pai maior nosso compromisso com Ele é amá-lo e sermos felizes, mas jogamos a nossa responsabilidade nas costas de Jesus, dos Orixás, dos espíritos e de Deus. Criamos esses mecanismos, para que assim possa de alguma forma ser mais fácil – disse o Preto Velho. Tomazine, que nos acompanhava na conversa informal, nos alertou para um fato importante: – Humberto, o homem é fonte de grandes poderes, ainda desconhecidos por ele, enquanto está na carne. Assim sendo, a misericórdia de Deus faz a espiritualidade criar ferramentas para que, mesmo inconscientemente, ele use tais mecanismos. Veja um exemplo: no Espiritismo, as cirurgias espirituais; ou as curas nas Igrejas Evangélicas, realizadas através de lenços e óleos; ou ainda a água benta e a sagrada eucaristia, no Catolicismo; bem como os trabalhos de ervas e as oferendas na Umbanda. Aliás, por que esses recursos são tão eficazes com uns e não com outros? Por injustiça divina? Não, meu amigo, Deus é justo com todos, antes se trata de algo chamado fé, que libera no corpo humano o remédio necessário para toda e qualquer doença. Portanto, o corpo que cria a doença é o mesmo que a elimina. No entanto, o beneficiado acha que foram tais elementos que o curaram, o que não é estritamente verdade. Quando o homem realmente se aproximar de Deus da maneira correta, sem a pretensão de ganhar nada em troca, ele descobrirá maravilhas inimagináveis. – Mas eu amo meu Deus com toda a força que existe em mim! – disse Humberto indignado. Ouvimos, desta vez, Cobra Coral lhe responder: – Disso não duvidamos, meu amigo. E também não questionamos o quanto se ama, se menos ou mais, ou como se ama. A verdade é que o verdadeiro amor não cobra e não espera nada em troca, é paciente e esperançoso e, principalmente, justo! E nós, espíritos em evolução, estamos longe de toda esta qualidade amorosa. A simples explicação do índio amigo comoveu a todos e, atingindo seu objetivo, esclareceu o coração do amigo evangélico, que, a partir daquele momento, faria uma reflexão do quanto o homem está longe do amor de Deus. Os trabalhos começariam logo mais, portanto, alguns trabalhadores já organizavam a casa e Humberto teria a oportunidade de ver como o amor do Pai maior, mesmo com filhos tão imperfeitos, não deixaria ninguém sem atendimento naquela noite. A equipe espiritual de higienização da casa – coordenada por uma senhora de pele branca, olhos verdes e cabelos loiros, e que se chamava Fernanda – se posicionava na sala de passes. Os trabalhadores chegavam apressados, pois vinham de seus trabalhos ou de outros afazeres do dia a dia. Alguns traziam em seu corpo algumas manchas perispirituais e Humberto perguntou: Esses parasitas nos corpos dos médiuns não atrapalham no trabalho? Guilherme, o médico da nossa expedição sorriu e disse: – E como! Atrapalha sim. Por isso esta equipe, coordenada por Fernanda, aproveita os poucos minutos de prece e troca de passe entre trabalhadores para retirar a maior parte deles. Desse modo, deixando cada um deles o mais apto possível para o trabalho. É por esse motivo que recomendamos que os trabalhadores cheguem alguns minutos antes, para relaxarem e também fazerem suas preces individuais e, assim, se prepararem para o trabalho. A equipe usava o magnetismo para dissolver as impurezas, porém em alguns trabalhadores algumas ainda permaneciam e Fernanda esclareceu: – Os médiuns levam uma vida desregrada e por vários motivos desarmonizam seus perispíritos e, assim sendo, alguns parasitas precisam mais que de choque magnéticos para sair do perispírito desses irmãos. – Mas, vocês fazem isso todos os dias? – perguntou Humberto. – Sim, – respondeu Fernanda – alguns médiuns conseguem nos ajudar e chegam aqui quase limpos e facilitam nosso trabalho. Porém, trata-se mesmo de uma minoria. A verdade é que a maioria prejudica seu corpo perispiritual por invigilância, com o exagero no campo dos sentimentos, do sexo, na gula e por tantos motivos fúteis! Esquecem que mediunidade é compromisso não só com Jesus e os espíritos, mas consigo mesmos. É a oportunidade de mudar de hábitos e a ferramenta para serem seres humanos melhores. A mediunidade é mesmo como uma ferramenta: o médium deve sempre deixá-la em bom estado ou logo ela não servirá mais para o trabalho. Nesse momento, os encarnados começariam a prece para dar início ao trabalho no plano físico e muitos deles nem imaginavam que no plano espiritual já estávamos trabalhando há muito tempo...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Paginá 32

Eu estava maravilhado por ainda ser lembrado naquela casa e a energia de amor que recebi ali me alimentava a alma. Foi então que Henrique me disse: – Ortêncio, nem sempre foi assim. Nossos irmãos passaram por um longo processo de adaptação, pois eram muito dependentes de você, emocional e espiritualmente. Grandes batalhas foram e ainda são travadas. Nessa casa, o desequilíbrio energético e emocional vem sendo controlado, com sucesso, mas parte de sua família muito ainda terá que aprender. Aliás, alguns dos seus ainda se encontram caídos na ignorância, por isso peço que você se controle, pois iremos visitar lugares que poderão muito te perturbar. Eu apenas ouvia o amigo. Então, deixamos aquela casa, e, no mesmo instante, meu coração já se enchia de saudades! – Acalme seu coração, meu velho, – disse-me Felipe – pois ainda voltará aqui muitas vezes. Quando saímos, o preto velho ainda estava do lado de fora da casa e se despediu de nós com um “até logo”. – Todas as casas são protegidas o tempo todo? – perguntei a Henrique. – Todos são amparados, Ortêncio. O pai não se esquece de nenhum dos seus filhos e nem deixa nenhuma ovelha perdida. Todos têm seus mentores ou anjos da guarda, como é mais comum chamar por aqui. A ligação de um mentor com seu protegido encarnado é constante. Esteja onde estiver, o espírito protetor irá sentir e saber quando seu protegido necessita de amparo. Algumas casas, porém, precisam de vigilância constante por também serem alvos preferenciais de ataques. Essa, de que acabamos de sair, é uma delas, pois, além do médium espírita, ela também abriga outros médiuns, que trabalham na Umbanda e que se destacam por suas capacidades mediúnicas em seus trabalhos. Essa proteção também é usada com religiosos ou personalidades com responsabilidade em sua comunidade. Imagine, por exemplo, quantos ataques sofre um evangelizador. Quando Henrique terminou de falar, estávamos em frente a um local que eu conhecia muito bem: a casa que me abrigara por mais de trinta anos e que abrigara meu Centro de Umbanda. A visão não era das melhores no plano físico: o grande salão tinha sido demolido, as plantas que eu cultivara já não existiam e quase nada do que eu construíra no plano material permanecia. Porém, apesar da minha decepção com isso, pude verificar algo ainda mais assustador, pois, no plano espiritual, a imagem era chocante: do que havia sobrado dos muros que cercavam a casa, dali escorria uma lama negra e fedorenta; espíritos maltrapilhos estavam grudados naquela gosma e sem conseguirem se libertar; tão perdidos se encontravam em seu estado, quase vegetativo, que nem perceberam nossa presença. Ao passarmos pelo portão, homens e mulheres viciados em drogas e em sexo andavam de um lado para o outro, como zumbis, falando o tempo todo. O cenário era desesperador. Entramos em uma das duas casas que ali ainda permaneciam. Ao passarmos pela porta, um homem de pele negra, usando um capuz também negro, nos sorriu e veio ao nosso encontro, dizendo: – Sejam bem-vindos, meus irmãos, e que Jesus nos ilumine. Henrique o abraçou e disse-lhe: – Que Oxalá o abençoe, meu amigo Paulo. Como anda o trabalho por aqui? – A situação ainda requer muito carinho de nossa parte, Henrique. Este antigo centro de força ainda atrai espíritos de todos os tipos e que buscam de alguma forma se alimentarem da energia aqui acumulada. Eu, a essa altura, estava desesperado e perguntei: – Mas, o que aconteceu aqui? Por que meu antigo lar se transformou em um local de dor e sofrimento? – Ortêncio – disse-me Paulo com calma – sua casa é um grande centro de força e de socorro. Quando seu centro estava aberto, os espíritos do bem aqui trabalhavam com ajuda dos médiuns e socorriam a milhares de espíritos. Muitos pensamentos eram direcionados a este local. Porém, após seu desencarne e, consequentemente, com o fechamento do seu terreiro, tais pensamentos continuaram a ser enviados. Muitos espíritos chegavam aqui, direcionados por esses pensamentos, e, por conseguinte, começaram a ficar presos nessas energias, portanto, criando o cenário que você esta vendo. – Manoel, muitos que chegam aqui ainda são socorridos. Paulo coordena uma equipe de espíritos especializada em criações psíquicas e que vem obtendo grandes resultados. – Como Maria? Olha isso! É um verdadeiro inferno! – questionei. – Olhe com atenção. – disse-me ela. Então, eu fiz uma prece, pedindo ao alto que me acalmasse e respirei fundo. Pude, analisar o local com mais vagar: o preto era a cor predominante e, entre as centenas de espíritos que estavam ali, algumas dezenas estavam encapuzados, vestiam-se com roupas semelhantes as dos padres franciscanos, como o próprio Paulo e se destacavam ajudando aqueles que se encontravam em estado de loucura. Uma casa de madeira havia sido erguida sobre o que antes era o salão religioso e alguns espíritos eram levados para lá, deitados em macas. Como todos usavam vestes negras não deu para eu diferenciar, inicialmente, os socorristas. Perguntei ao Paulo o porquê disso. Ele sorriu e disse-me: – Ortêncio, a cor não importa. Quem foi que disse que outra cor é melhor do que a que usamos aqui? Porém, todos assim estamos para, primeiramente, baixar nossa frequência vibracional, pois precisamos ser vistos por estes irmãos. Além disso, para que eles saibam que não somos diferentes deles e, com isso, ganhamos sua confiança. Ou você acreditava que conseguiríamos nos aproximar deles de outra forma? Eu havia entendido o que o irmão queria dizer. No entanto, algo ainda me incomodava e lhe perguntei: – Como estão os moradores desse local? Como isso tudo pode afetar aqueles que por aqui moram, ou seja, no plano físico? – Venha Ortêncio, irei lhe mostrar sua família – disse-me Paulo em resposta, com ar preocupado...

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Página 31


Logo após os afagos e toda a demonstração de carinho, Henrique começou a falar: – Meus caros amigos encarnados e desencarnados, muito agradecemos por vocês estarem aqui e se proporem a estar do nosso lado nesta batalha. Não será fácil, mas estamos confiantes no pai amado e buscaremos dar o nosso melhor. A partir de agora, estaremos juntos usando o fluido anímico de cada um de vocês, conforme as necessidades de nossa missão: – Como serão estas missões? – perguntou um dos encarnados. Foi João quem respondeu: – Faremos socorros em várias regiões umbralinas, amigos. Visitaremos alguns centros espíritas e também centros de umbanda, mostrando os diferentes trabalhos realizados na seara do pai amado. – E por que só agora a espiritualidade resolveu divulgar este tipo de trabalho? Foi Felipe quem respondeu dessa vez: – Caros amigos, vossa ignorância me surpreende. Porém, a espiritualidade trabalha por vós, incansavelmente, e não é apenas algo de agora. Pois, muitos já o fazem no mundo físico. Não seremos os últimos e nem os primeiros a ir à frente de batalha para mostrar o trabalho divino. Porém, quantos encarnados estão dispostos a estarem nas frentes de trabalhos? Como estes que, segundo vocês, são sacrificantes? Quantos se dedicam aos estudos? Quantos de vocês querem realmente abrir mão de comportamentos fúteis, para servir no bem, por algumas horas? Não faltam espíritos de todas as denominações religiosas, crenças e doutrinas, mas o que falta são ferramentas para esses espíritos trazerem do além-túmulo suas experiências. Nisso, alguns estavam de cabeça baixa, envergonhados, outros emocionados por saberem da realidade espiritual e do quanto é difícil para a espiritualidade ter ferramentas de trabalho apropriadas. Nesse momento, disse-nos Jurema: – Meus filhos, esta casa esteve e sempre estará de portas abertas para atender a todos e foi projetada na espiritualidade para ser um lar para todos que trabalham contra a injustiça e o preconceito, pois esta não é apenas uma casa espírita, mas sim uma casa de Jesus e nosso mestre maior nunca se preocupou com religião, mas sim com o coração dos filhos de Deus. Mas, no decorrer do tempo, a fisionomia, as vestes, a maneira de falar foi se tornando mais importante do que as necessidades dos nossos irmãos que, no entanto, precisam de luz e de amor. Por isso, esta casa dá voz e acolhe a todos com muito orgulho, quer sejam médicos, cientistas, índios, pretos velhos e tantos outros espíritos.Todos trabalham nesta casa em harmonia, sem se preocupar com a forma perispiritual que o outro escolheu como veste, pois isso é muito insignificante perante o nosso propósito. A cidade de Aruanda é uma cidade que há muito nos ajuda nesta casa, mesmo sem o conhecimento de vocês encarnados. Então, chegou nossa hora, ou seja, de retribuir o amor a nossos amigos. Porém, nenhum de vocês é obrigado a nada e, se não se sentirem à vontade, vocês têm todo o direito de dizerem não. Nesse momento, os índios Pena Branca e Cobra Coral começaram a cantar: – O mareou najé o mareou najé ou mareou o mareou najé ou mareou naja eu quero ver... Nenhum trabalhador saiu da sala e nós, mensageiros de Aruanda, os aplaudimos de pé. A reunião ainda durou algum tempo e, quando João a deu por encerrada, o dia no plano físico já começara a nascer. Então, Maria olhou para mim e disse: –Está preparado, Manoel, meu querido? Pois iremos acompanhar o médium até seu corpo físico e é hora de você rever alguns dos que ama. Meus olhos marejaram e indiquei com um gesto que estava pronto. Henrique, Felipe e Pena Branca também iriam conosco. De mãos dadas, formamos um circulo e, em um piscar de olhos, eu estava em frente a uma casa simples, que tinha um Preto Velho sentado no portão e um Índio andando pelo seu quintal. O Preto Velho levantou a cabeça e disse-nos: – Sejam bem-vindos. Como vai Ortêncio? Eu o cumprimentei e ele nos deu passagem. O Índio apenas sorriu e nada nos falou. Entramos e notamos que alguns moradores já estavam acordados. Eu estava ali parado, vendo minha filha, que tanto amei, preparando aquele café com todo o carinho aos filhos que iam acordando e a beijavam. Seu marido brincava com os meus netos já homens adultos. Meu Deus! Quanto tempo eu fiquei fora, eles acordavam sorrindo e brigando uns com os outros, para ver quem buscaria o pão. Nosso médium logo acordou e disse: – Mãe hoje eu sonhei com o vô, ele estava lá no núcleo espírita e cantava uma música estranha. Ela sorriu – vi em sua face um sorriso sofrido, cheio de saudade – e lhe disse: – Ele deve te ido te visitar. Outro neto disse: – Eita, velho macumbeiro, foi cantar música de macumba no centro espírita. Então, todos riram, e eu chorava de saudades, mas também de orgulho por não ter sido esquecido! Por todo o café da manhã, eles falaram do velho Ortêncio com muito amor...

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

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Logo estávamos diante do globo terrestre e a cada segundo minha ansiedade aumentava. Evidentemente, eu não poderia deixar de notar o quanto o planeta era lindo, assim como eram diferentes as energias que sentíamos ao nos aproximar dele. Percebi que, praticamente o tempo todo, luzes de diversas cores eram emitidas da terra. Foi Guilherme quem me chamou a atenção para esse fato. Era um jovem rapaz que aparentava ter uns 20 anos e fazia parte da terceira de Omolu e que nos acompanhava como o médico responsável pela Missão. Ele me disse: – Estas luzes, amigo, são das caravanas que partem do plano terrestre a todo o momento. Espíritos que deixam o planeta escola rumo à vida maior. O trânsito por aqui é contínuo, ocorre a qualquer hora, pois muitos são os recursos do pai para socorrer seus filhos. Eu estava maravilhado com tudo o que via e sentia, logo também estava sentindo a atmosfera terrestre, pois nosso veículo foi descendo lentamente. Era noite e o movimento de encarnados nas ruas era quase nenhum, porém o plano espiritual trabalhava sem parar. Estávamos em frente a uma casa espírita iluminada por uma linda luz verde, as ruas ao seu redor eram tomadas por espíritos de todos os tipos. Equipes de socorro faziam o trabalho de campo com aqueles que realmente queriam socorro, pois muitos estavam ali buscando abrigo e compaixão. Veículos parecidos com o nosso, mas um pouco menores saiam, periodicamente, do local. A segurança era um ponto forte da casa: no portão estavam dois grandes índios e, no entorno dela, guerreiros com malhas de ferro douradas, os quais mantinham o local protegido de invasores. Saímos do veículo e nos dirigimos ao portão, quando Henrique disse-nos:  Amigos, muitos de vocês já conhecem esta casa espírita de oração. Ela será nosso quartel general nessa missão, por alguns motivos: o primeiro deles é que muito dos médiuns que aqui trabalham estão se esforçando para aceitar e trabalhar com nossos irmãos Índios e Pretos Velhos. A direção dos trabalhos espirituais é dividida por uma índia e um médico alemão. Também é aqui que o médium escrevente vem se preparando para nos ajudar. Quando passarmos por este portão, reportaremos às normas da casa e de seus diretores, portanto, aos que estão aqui pela primeira vez, observem e tentem aprender o máximo possível, pois nossos irmãos, tanto dessa quanto de outras casas que visitaremos, muito têm para nos ensinar. A esta altura já estávamos em frente aos irmãos que guardavam ao portão. Foi João que os cumprimentou: – Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, meus irmãos. Os índios responderam em coro: – Para sempre seja louvado. E um deles continuou:  É um prazer revê-lo, amigo João, e nossa casa sente-se abençoada por receber a todos que aqui chegam com o coração aberto e cheio de esperança para o trabalho. Sejam todos bem-vindos, irmãos de Aruanda. Foi, então, a vez de Cobra Coral falar: – Nós é que ficamos felizes, meu irmão Ubiratan, de podermos matar a saudade. E abraçou aos amigos, seguido no mesmo gesto por Pena Branca. Logo que entramos, um senhor de jaleco branco, alto, com fisionomia séria e de grandes olhos verdes, tendo o cabelo loiro em corte militar, já nos esperava. O lugar era de uma linda simplicidade: um canteiro de flores bem cuidado e uma belíssima fonte deixava o ambiente rodeado de energias naturais. O homem abraçou ao Preto Velho e à Maria, carinhosamente, e com um forte sotaque alemão disse-nos: – Sejam bem-vindos, meus amigos, e que Jesus nos abençoe nessa nova caminhada. – Ele já está abençoando – disse Maria – Amigos, este é Tomazzini, um grande amigo e trabalhador desta casa. Cumprimentamos o novo amigo, que, apesar de sua figura séria, transmitia uma energia de paz e amor a todos a sua volta,  com sua aura e que emanava uma cor verde clara. Ele nos encaminhou para dentro do centro espírita. Eu sabia da existência do trabalho kardecista quando encarnado, chamava-os de homens de branco, mas nunca imaginei a grandiosidade desse trabalho do lado físico. O local era um salão grande cheio de cadeiras e, do lado espiritual, havia uma grande enfermaria, com centenas de leitos e dezenas de sala, nas quais espíritos de jalecos brancos trabalhavam quase que em transe, de tanta dedicação em atender ao próximo: índios, negros, brancos, homens e mulheres, jovens e velhos ministravam passes, alimentavam os pacientes, conversavam com espíritos sofredores e tentavam de alguma forma ajudar a organização. Algo que também me surpreendeu, pois entre os espíritos também se encontravam os ainda encarnados e que trabalhavam naquele local. As salas de estudos estavam cheias deles que para ali vinham no momento do sono no corpo físico. Tomazzini nos levou até uma moça encarnada, loira, de meia idade, de sorriso fácil. Ela nos sorriu e Maria a abraçou com carinho e disse-nos: – Amigos esta nossa irmã é quem dirige esta casa no plano físico e nos levará com muito prazer à nossa reunião com os médiuns e que nos ajudarão neste trabalho. – Sejam todos bem- vindos à nossa casinha  disse-nos a doce mulher. Suas palavras transmitiam amor e uma linda luz azul rodeava sua aura. Ela nos dirigiu a uma sala ao lado, lá já se encontrava algumas dezenas de trabalhadores daquela casa, entre eles o médium que seria nosso companheiro nesta jornada, quando ele nos viu seu sorriso se abriu e as lágrimas caíram de seu rosto e veio ao nosso encontro, mas nada disse, apenas me abraçou e ficamos assim matando a saudade que era muita... 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

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Eis que havia chegado o momento. Contudo, nunca sabemos como reagirmos diante de grandes tarefas: eu estava sentindo um misto de medo e ansiedade. Eu sentia medo por ter que voltar a lugares que me fizeram muito mal, às zonas umbralinas, e estava ao mesmo tempo ansioso por rever os meus. Como eu pensara na minha família nos últimos dias! Mas, eu também não tinha certeza de como reagiria a isso e, foi assim, em silêncio, envolvido por inúmeros pensamentos contraditórios, que acompanhei meus amigos até o centro da cidade. Eu estava tão distraído que não percebi que lá já se encontrava estacionado o veículo que nos transportaria durante a missão: um enorme ônibus sem rodas e que flutuava. Ele era branco e ostentava imagens de flechas e espadas, os desenhos dos Orixás. A cena era futurista: uma pequena multidão se formara diante de nós e, conforme fomos nos aproximando, percebi que não era tão pequena assim. Lá estavam vários membros de todas as legiões para nos dar seu apoio. Fiquei curioso e perguntei a João: – Todas as missões recebem este tratamento? Ele sorriu e me disse: – Todos os dias, Ortêncio, partem missões de Aruanda, centenas ou milhares de trabalhadores vão às zonas umbralinas, à crosta terrestre, aos terreiros de Umbanda e de Candomblé, aos Centros Espíritas e aos Cemitérios, em busca daqueles que sofrem, levando o amor de Jesus. Porém, nossa missão é diferente, pois Os Mensageiros de Aruanda, além de fazerem tudo isso, irão também relatar aos que vivem na carne as proezas não só do velho feiticeiro, mas de toda uma nação que luta contra o preconceito religioso e que tenta mostrar ao mundo que não importa o caminho que te levará a Deus, mas, sim, que você trilhe este caminho com amor, compaixão e caridade. Muitos encarnados já nos ajudam, mostrando ao mundo o trabalho de índios, pretos velhos e de tanto outros espíritos que muito são discriminados. Porém, desta vez, Ortêncio Manuel, falaremos diretamente de uma base de Aruanda, falaremos de uma das muitas moradas do pai e, mesmo sabendo que muitos se recusarão a aceitar nossa existência, ainda assim, se entre tais pessoas que nossa mensagem alcançar, uma ou duas orarem por nosso trabalho e se proporem a nos ajudar, com isso já teremos feito muito. Os olhos negros do preto velho estavam marejados e sua emoção contagiou a todos nós, como se com suas palavras tivéssemos ganhado uma energia extra. Então, paramos diante do grande lago com as enormes imagens dos Sete Orixás. A nossa retaguarda encontravam-se os prédios das legiões, a nossa frente a multidão e os bairros e os hospitais de Aruanda. O sol brilhava forte, quando os chefes das Legiões foram à frente e postaram-se ao nosso lado, também se juntaram a nós o restante de nossa comitiva. Todos trajavam suas armaduras, penachos, e como era linda aquela imagem em seu conjunto! O guardião Felipe era o que mais me impressionava, pois era difícil acostumar-me com a presença de uma caveira de dois metros de altura ao meu lado. Foi quando Ubirajara nos falou: – Filhos de Oxalá! Moradores de Aruanda, hoje é um dia especial para todos nós, pois como entoa o hino da umbanda, cantado em todos os terreiros do planeta terra, hoje levaremos ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá. Nossa equipe de Mensageiros terá a responsabilidade de ser nossa voz fora dos terreiros para que outros conheçam nosso trabalho e se libertem do véu do preconceito que há muito se faz presente no coração dos encarnados e desencarnados. Que possamos pedir a Deus, a Jesus e aos sagrados Orixás que iluminem nossos irmãos, para que com nossa ajuda eles possam ser nossos representantes junto aos que vivem na carne. Por isso, peço que as flechas de Oxóssi abram seus caminhos, que o amor de Oxum seja seu escudo, que as águas de Iemanjá sejam seu refúgio na hora do desespero e que a justiça de Xangô seja sua consciência, que a coragem de Ogum não te faça desistir e que a sabedoria de Exu permita-lhes o discernimento necessário, que Omolu os proteja e que Oxalá os guie. Nesse momento, as imagens no lago pareceram ganhar vida, pois delas saiam luzes de diversas cores e que banhavam Aruanda de amor e energia. Nosso veículo, que pairava sobre a multidão desceu no meio dela e um corredor se formou até sua entrada. Henrique foi o primeiro a puxar a fila em sua direção, quando ele deu o primeiro passo, pétalas de flores brancas começaram a cair do alto e a multidão começou a cantar: “Oxalá meu pai proteja esta romaria/Oxalá meu pai proteja esta romaria. Seus filhos que vêm de longe não podem vir todo dia.” Eu estava emocionado e caminhava sentindo o peso da minha responsabilidade e, agora, meus pensamentos tinham mudado, pois o que eu mais queria era ser digno de fazer parte daquele momento, do pelotão, da cavalaria de Ogum. Sete cavaleiros, portando lanças e em trajes de guerra, cercaram o veículo por todos os lados. Eles fariam nossa escolta de honra até os portões de Aruanda. Nosso veículo começou se mover, lentamente, abrindo caminho entre a multidão, passando em frente aos prédios e seguindo para o lado sul da cidade. Eu olhava, admirado, pela janela. Chegamos a um enorme portão de aço branco que lentamente foi se abrindo. Sobre os muros, arqueiros de Oxóssi faziam a segurança da cidade. A poucos passos do portão, havia uma enorme imagem do Cristo Redentor, tão linda quanto a da terra. Nossa escolta nos acompanhou até ela e, quando nos deixou, o veiculo ganhou um pouco mais de velocidade. Então, para minha surpresa, Aruanda revelou-se um oásis em meio ao deserto de uma intensa zona umbralina, na qual surgiram espíritos que se jogavam à frente de nosso veículo, uma verdadeira turba se formou e eu, não acreditando no que via, perguntei: – Não vão abrir os portões para que eles entrem? Estão tão próximos de nós! Felipe respondeu-me: – Acalme seu coração e olhe esta cena com os olhos da sabedoria, Ortêncio, pois se estes infelizes quisessem mesmo entrar já estariam lá dentro, pois o pai não nega socorro àquele que realmente quer ser socorrido. Depois disso, nosso veículo ganhou a velocidade da luz...

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

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Saímos do quarto da senhora que, ainda presa as suas recordações da terra, nem percebeu que estivéramos lá. Entramos em outro ambiente, quase tão deprimente quanto o anterior. Uma senhora de meia idade, vestida de branco, estava sentada em uma cadeira de frente a uma janela. Em um canto do quarto havia uma imagem de Iansã, tendo oferendas e velas aos seus pés. A mulher quase não se movia, parecia paralisada, em estado de choque. Maria sentou-se ao seu lado, colocando sua mão sobre a mão da senhora, que lhe deu um pequeno sorriso e lhe disse: – Filha de Iemanjá, preciso ir embora, senão minha mãe não virá me buscar. Veja, eu já fiz todas as oferendas que pude e nada dela aparecer. Maria sorriu e lhe disse: – Adélia, minha querida, o seu socorro já chegou. Estamos em um posto de ajuda, minha irmã. Basta você acordar para sua realidade que entenderá tudo. A mulher fez uma careta, sua face ficou carrancuda e lhe respondeu: – Não, eu não aceito isso! Ela deveria vir me buscar para me levar aos planos mais altos. Eu a servi por muito tempo e venho parar aqui, nesse lugar pobre! Eu mereço mais que isso! Sou uma guerreira. Cadê as homenagens que eu deveria receber? Eu fiz muitos conquistarem seus objetivos e é isso que recebo? Eu me vi naquela mulher e me senti envergonhado por também ter achado que o pouco que fazemos na carne nos dá direito a privilégios tão fúteis como aqueles que ela reivindicava. Eu me aproximei, coloquei minha mão nos ombros dela e disse: Adélia, minha amiga, me chamo Ortêncio. Assim como você, já fui egoísta o bastante para achar que as minhas vontades deveriam ser atendidas, porque acreditava que dedicara minha vida aos orixás e às pessoas que ajudei. A verdade, no entanto, é que eu não fiz quase nada por mim. Para aprender e evoluir é preciso entender que ajudar o próximo pensando em recompensas futuras nada mais é que egoísmo. A caridade não é como uma cartela, que quando você termina de preencher, chegando ao final, recebe um prêmio por isso... Trabalhamos muito, porque devemos muito, e não a Deus ou aos orixás, mas a nós mesmos. Afinal, nossos erros no passado foram grandes e, mesmo assim, com a graça de Deus, temos sempre a oportunidade de recomeçar. Veja o seu caso, mesmo com todo o seu egoísmo foi socorrida, encontra-se ainda em boa condição psicológica e tem amigos que estão tentando te ajudar, bem como nossa Mãe, que lhe mandou Seu socorro, ainda que você ache tudo isso pouco. Saiba que ele é muito para pessoas tão pequenas como nós! Pare e pense, se você realmente é merecedora de tudo o que vem recebendo. Reflita. E, depois disso, tenho certeza que você muito agradecerá por estar aqui, nesse lugar tão lindo, e levantará dessa cadeira e irá trabalhar e estudar mais, para voltar um dia ao corpo material, menos egoísta, quando poderá realmente praticar o amor e a caridade. A essa altura, a mulher chorava copiosamente. Meu coração se sentia feliz por tentar ajudar alguém, era uma sensação que eu não consigo explicar melhor. A mulher levantou-se da cadeira, olhou para cada um de nós, ajoelhou-se e disse: Ó minha Mãe, me perdoa por eu ser tão egoísta, e ter usado o seu nome e o nome do nosso Pai Todo-poderoso em vão! Quero ser melhor, minha mãe, e peço sua ajuda para que eu não caia na escuridão do erro e da falta de amor. Então, da imagem de Iansã saíram jatos de luz multicoloridos, banhando a todos nós. Por fim, Adélia adormeceu e a colocamos em sua cama. As enfermeiras começaram a lhe aplicar rapidamente passes, enquanto isso um equipamento foi instalado sobre sua cama e dele saia luzes quentes e do corpo perispiritual de Adélia começou a sair uma fumaça negra cheirando a enxofre. A imagem com as oferendas sumiram de dentro do quarto e, logo depois, toda aquela energia foi retirada. Pétalas de rosas caiam banhando o quarto de Adélia. Carmen olhou para mim como uma professora olha para seu aluno levado e que acabou de aprontar e disse-me: Ortêncio, obrigado por sua ajuda, que Jesus te abençoe. Eu fiquei encabulado e sem jeito e todos riram. Saímos alegremente do posto de socorro, sentamos na praia, de frente para o mar. Sentíamos a energia de amor que nos envolvia. Logo iríamos embarcar em uma viagem na qual não sabíamos o que iríamos encontrar. Ficamos em silêncio por algum tempo, até que Humberto nos falou: – Meus amigos, o que era aquela fumaça negra que saia de Adélia, durante o despertar de sua consciência? Foi João quem lhe respondeu: – Fio, aquilo era os miasmas que se impregnaram no perispírito da moça. Mesmo com o despertar de sua consciência, eles tentavam ainda obscurecer suas ideias, para não perdê seu hospedeiro. Por isso a equipe teve que agir rápido e com eficiência para neutralizar aqueles vermes, criado pela própria moça, pois, se assim não fosse, ela voltaria ao seu estado anterior. – E por que as oferendas e velas sumiram, juntamente com a imagem de Iansã? – Porque eram criações da mente dela, fio, e quando ela foi despertando para sua realidade, suas criações psíquicas foram sendo destruídas. – E as oferendas, João Guiné, foram aceitas pelo Orixá? – perguntei-lhe. Ele refletiu por um momento e me disse: – Ortêncio, o Orixá não precisa de oferendas ou sacrifícios, quem necessita desse mecanismo são os encarnados ou espíritos ainda ignorantes. Eu senti mais uma vez minha ignorância tomar conta de mim e lhe disse: – Como assim? E todas as oferendas e sacrifícios que fiz em nome dos Orixás em minha vida? Mais uma vez, por que nenhum de vocês não me avisou que eu estava errado? – Acalme-se, Manoel. – disse-me Maria – deixe nosso amigo continuar. – Fio, espíritos evoluídos não precisam de alimento, pois o que alimenta o espírito é o trabalho e a oração. Eu disse que nós não precisamos e não que são desnecessários. Quando as oferendas de frutas e de outras comidas são feitas nos terreiros, a energia boa daqueles alimentos é manipulada para aqueles irmãos que precisam receber o choque dessas energias, para acordá e despertá para a realidade. Alguns espíritos inferiores se aproveitam do exagero de alguns médiuns, principalmente do uso de sangue animal e do álcool. Esses dois elementos são realmente desnecessários, para os dois lados, tanto o material quanto o espiritual. A vida é sagrada e mesmo a de um animal. Existem regras para serem tiradas essas vidas e, hoje, existe uma frente de trabalho para que os encarnados despertem para esta nova visão, porém, fio, muito temos ainda que fazer para o despertá de uma nova consciência. Mas vocês aprenderão muito mais e na prática, durante nossa viagem. Depois de o Preto Velho ter encerrado sua explicação, nos levantamos, pois era hora de partir... 

domingo, 15 de setembro de 2013

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Agora, faltava apenas um dia para partimos e certa ansiedade tomava conta de mim. Confesso que a maior parte de minhas expectativas se concentrava em rever minha família e não exatamente no trabalho que iríamos realizar. Então, Maria disse-me:  Manoel, falta muito pouco para iniciarmos nossa jornada. Assim sendo, nos apressemos, pois ainda queremos que você conheça uma outra Legião antes de partirmos. E, assim, saímos da cidade de Ogum com os corações cheios de esperança e de alegria. Seguimos em direção aos prédios da outra Legião e, depois de uma agradável caminhada, estávamos em frente ao edifício mais bonito, em minha opinião. Tratava-se da Legião de Iemanjá e que eu também deveria conhecer. Por fora o prédio era parecido com os outros, porém quando entrei no local tive um misto de susto e surpresa: eu estava andando sobre a água salgada do mar e sentindo o cheiro de maresia. No saguão do prédio, e que parecia ter quilômetros de extensão, barcos de pescadores flutuavam, dando ao local uma atmosfera toda especial. Caminhamos até o horizonte daquele mar, sem nenhuma dificuldade, até que Maria tocou no que parecia ser uma parede e uma porta se abriu e, então, outra grande surpresa: estávamos já em uma linda vila de pescadores, com várias casas em meio a areia branca, pela qual as pessoas caminhavam descalças, carregando pranchetas nas mãos. Ali, a cor predominante era o azul e as casas eram de madeira com tetos de palha.  Iara veio ao nosso encontro e como era bonita esta filha de Iemanjá! Seu sorriso encantador e a doçura de seu olhar eram surpreendentes. Ela nos cumprimentou, dizendo:  Que Maria, nossa mãe, proteja e ajude nossos amigos mensageiros. Fiquei surpreendido por ela não falar em nome do Orixá, como era o costume em Aruanda, e sim em Maria. Eu lhe perguntei:  Minha querida irmã, eu notei que você nos saldou em nome de Maria e não em nome de Iemanjá, o Orixá responsável por sua Legião. Por qual motivo? Ela sorriu e respondeu-me: Ortêncio, esta Legião leva muito nomes, porém ela se preocupa com o socorro às mães, tanto as da terra como as do plano espiritual. Assim sendo, esta é uma Legião que leva o nome e responde ao Orixá Mãe Iemanjá, mas se reporta principalmente àquela que levou o titulo de mãe do mundo, Maria. Desse modo, conseguimos atender a vários locais, pois o nome é o que menos importa, uma vez que o socorro ao necessitado é o que conta em primeiro lugar. Ortêncio, meu amigo, muitas vezes, usamos formas e nomes diferentes para nos aproximar de certos médiuns disse João  Iara Esmeralda nos permitiu mostrar aos amigos Ortêncio e Humberto o trabalho desta legião. Humberto olhava com um ar desconfiado e assustado para tudo o que via e nos disse:  Confesso que meus bloqueios religiosos estão em alerta, pois as polêmicas que envolvem a mãe de Jesus na terra, entre as religiões, ainda fazem morada em minha mente. Foi, então, a vez de Pena Branca falar:  Esse índio aqui, amigo, faz assim: derruba os preconceitos, esquece o que falaram de ruim, seja lá do que for e tenta aprender. Pois ignorante é aquele que não conhece algo e mesmo assim o critica. Todos riram da espontaneidade com que o índio falara e fomos caminhando até uma casa que estava no final da aldeia. A casa parecia um grande posto de saúde com vários departamentos. As trabalhadoras daquele local eram todas negras e vestidas com roupas que lembravam as baianas do Candomblé, elas usavam saias brancas e blusas azuis com panos amarrados nas costas como uma capa em amarelo ouro. Usavam nas suas cabeças também panos amarelos. Era linda aquela imagem em todo seu conjunto.  Esta é uma ala de recuperação. Aqui, estão mães de terreiros e que tiveram dificuldades na passagem entre os mundos. As baianas são médicas e enfermeiras, senhoras voluntárias de grande sabedoria e que têm conhecimentos da medicina da alma. Em sua maioria são excelentes manipuladoras de fluidos. Evidentemente são excelentes mães. Caminhamos até uma jovem senhora de pele lisa e com um olhar tão iluminado que me senti pequeno perto dela  Salve nossa Mãe Oxum  disse ela com uma voz que enchia nossos corações de luz  Eu me chamo Carmem e mostrarei a vocês alguns de nossos casos. Ela sorriu mais uma vez e saiu andando a nossa frente. Entramos em um quarto onde o cenário era desesperador: nele, uma senhora que aparentava ter uns 65 anos se encontrava em um leito em completa agonia. Suas vestes de mãe de terreiro estavam sujas. Além disso, vários insetos, como baratas, e ainda algum tipo de sanguessuga, passeavam pelo seu corpo. Ela gritava:  Não estava na hora! Quem cuidará dos meus filhos? Pobre mulher, não percebia que ela própria necessitava de cuidados. Ao lado de sua cama, médiuns ainda no corpo físico tentavam doar fluidos àquele espírito. Alguns dos seus filhos de terreiro, atraídos pelo desespero da mãe, choravam ao pé de sua cama sem saber o que fazer.  Meus amigos  disse Carmem   nós estamos diante de um extremo caso de apego à matéria e aos títulos terrenos. Esta filha de Oxum sempre trabalhou no bem, porém, não conseguiu controlar a vaidade, esquecendo que nada no mundo dura para sempre. Desse modo, assim que se viu fora do corpo físico, entrou nesse estado que vemos.  Há quanto tempo ela se encontra assim, Carmem?  perguntou João. – Há dez dias meus amigos. Já tentamos despertá-la para a consciência e ela não nos responde.  Como assim?  perguntou Humberto.  Logo depois do seu desencarne, a irmã foi levada a um núcleo de Umbanda e sofreu um choque anímico e criou consciência de sua condição. Ainda a levamos em uma Casa Espírita, onde amigos tentaram evangelizá-la, quando chamaram a atenção para a sua nova vida, mas ela entrou em choque e a trouxemos para cá.  Como podem estar aqui estes filhos dela?  O seu clamor é tão forte, Manoel, que inconscientemente alguns acabam vindo parar aqui a seu lado, o que vem complicando ainda mais nosso trabalho.  E o que ainda será feito para ajudar esta mulher?  falou Humberto, preocupado.  Tudo o que podemos fazer, amigos, estamos fazendo, mas agora depende dela, pois há batalhas na vida nas quais temos que lutar sozinhos... 

domingo, 8 de setembro de 2013

Página 26

Chegamos a uma porta que também tinha a estrela de Davi, algo que já era comum naquele lugar. Contudo, esta apresentava uma diferença, nela também havia duas espadas cruzadas entre si. Imediatamente, meu coração disparou e a ansiedade tomou conta de mim por motivos que eu simplesmente desconhecia. Henrique, percebendo que eu estava inquieto disse-me: – Fique tranquilo, Manoel, pois sabemos que você está ansioso para reencontrar amigos queridos, que estão aqui e no plano material, saiba que todos eles começam a sentir tais pensamentos seus, bem como sua emanação de energia, e, como você, eles também estão ficando ansiosos por este encontro. – Você quer dizer que eles me sentem de tão longe? – perguntei. – E quem disse que você está longe, meu amigo? – respondeu-me Henrique – Nossa preparação é para irmos às zonas umbralinas, de baixas vibrações, pois, apesar da baixa vibração da terra, nós estamos ainda no mesmo plano e, para irmos trabalhar no campo terreno, só precisamos de boa vontade e amor no coração. Assim sendo, somos levados na velocidade da luz, onde quer que sejamos necessários. – Você quer dizer que quando eu quiser poderei ir socorrer quem necessita no plano terrestre? – perguntei-lhe animado. E foi a vez do sábio preto velho responder: – Sim, Manoel, logo que você ganhar mais conhecimento e, principalmente, tiver maior consciência da responsabilidade que terá de assumir junto àqueles que necessitam de ajuda, pois ir a terra não é para uma visita ou apenas para matar as saudades daqueles que por lá ficaram, mas sim para viver o comprometimento com o amor verdadeiro de Jesus. Dito isso, Henrique deu um passo à frente tocou a porta e ela se abriu. Vimos a nossa frente um grande auditório com uma média de quinhentas cadeiras, quase todas ocupadas. Um homem negro, parado perante a porta, nos anunciou: – Senhores Comandantes, Generais e Majores da Sétima de Ogum, esta é a equipe de Mensageiros de Aruanda. Peço-lhes que os saúdem com carinho e amor, pois eles carregam nos ombros uma grande responsabilidade: a de levar aos que vivem na terra notícias das Cidades do Além. Todos se levantaram e em coro começaram a cantar: Ogum quando descer Deus manda, Ogum quando descer Deus manda, para salvar os filhos seus, Ogum é meu pai, Ogum é meu guia, Ogum é meu pai, Ogum mensageiro de Maria. Íamos dirigindo-nos à frente do auditório e o canto, que eu já conhecia dos terreiros de umbanda, me encheu de energia, como nunca antes, pois era cantado com tanto amor e verdade que emocionava a todos nós. Quando chegamos ao palco daquele lugar, a música parou. Então, um homem, moreno, alto, de olhos castanhos como o mel e com a barba por fazer, aproximou-se de mim. Vestido com uma linda armadura prata e portando uma capa azul, ele ajoelhou-se aos meus pés e tirando sua espada da bainha e a depositando na minha frente, disse-me: – Salve Ortêncio, chefe de terreiro, agora Manoel mensageiro, filho de Deus Pai Todo-poderoso. Esta legião te saúda por aqui e esta e te propor que, com a Legião de Ogum, tu sejas mensageiro de Oxalá! A cena era impressionante. Eu, que estava muito emocionado, ajoelhei-me e abracei o jovem cavaleiro. Recebi a espada e, então, quando a levantei, o auditório explodiu em palmas e em gritos de Viva! Devolvi-lhe a espada e ele se retirou com lágrimas nos olhos. Henrique foi o primeiro a falar: – Senhores, estamos aqui para nos colocar a serviço desta Legião e, principalmente, pedir vossa ajuda nessa nova fase do nosso trabalho, pois, como bem sabemos, não será fácil para nós. Nesse momento, um homem aparentando uns quarenta anos de idade e vestido apenas com uma calça azul e uma camisa vermelha, levantou-se e nos disse: – General Henrique, por que razão esta Legião deveria apoiá-los em uma guerra tão difícil, uma vez que, de acordo com algumas revelações, sabemos das dificuldades que todos enfrentaremos junto ao plano dos que vivem na carne. Que prova afinal nos dará, de que sua equipe de mensageiros está preparada para lidar com as dificuldades? Impressionei-me com o modo envolvente com que aquele homem falava e como seus argumentos eram sólidos. – César, com meus respeitos, digo-lhe que não sabemos nada a esse respeito, pois há perguntas que só podem ser respondidas no campo de batalha – respondeu-lhe Henrique, com coragem e firmeza. Nós estamos recrutando os melhores e estamos sob a supervisão e a autoridade de Oxalá. Sei que sou um guerreiro como vocês e que preciso de fatos e de estratégia. Porém, nesse momento, sou guiado pela Fé, pois esta equipe vem sendo preparada há centenas de anos. Mesmo antes de a Umbanda chegar ao plano material, alguns aqui já se preparavam para esta missão. Sabemos de todas as dificuldades e, por isso, senhores, é que precisamos e contamos com toda a ajuda possível e que será aceita. Desta vez, quem se levantou foi uma mulher de cabelos loiros como ouro, de sorriso espontâneo e que trazia no braço a tatuagem de uma espada. Dirigindo-se a mim, falou-me: – Manoel, sou Joana da Sétima, venho acompanhando seus avanços e sua dedicação até aqui, mas me preocupa seu apego para com os que lá ficaram, uma vez que você terá que conviver com pessoas que lhe são próximas. Será que você saberá separar isso, meu amigo? – Joana, venho me preparando para isso. Ainda sou um ser com sentimentos, como todos vocês, e darei o meu melhor para que tudo corra como planejado. Ela sorriu com minha resposta e sentou-se. Ainda debatemos por algumas horas. Outras questões lógicas foram levantadas pelo grupo, pois auxiliariam a elaborar nossas estratégias. Até que César falou a todos: – Amigos, vemos aqui um grupo de filhos de Deus, que se propuseram a trabalhar em um campo de batalha quase desconhecido por nós e em auxílio ao plano material, como mensageiros de Oxalá! Peço ao Divino Pai que os proteja e que junto a eles estejam a sabedoria, o amor e o carinho ao próximo. Mesmo sabendo que este próximo poderá vir ser um inimigo. Peço a João Guiné que autorize a ida de Joana junto com vocês, a fim de que ela possa nos mandar notícias e ajudar nas estratégias de mais esta Legião. Conceda-lhe sua benção e ela estará disposta a ajudar no que for necessário. Que Ogum, nosso guerreiro maior, vos acompanhe...

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

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Ainda estávamos no Campo do Esclarecimento, quando João Guiné começou a falar: –Amigos, sei que muitas dúvidas estão perturbando suas mentes e principalmente a sua Ortêncio. Eu ainda estava meio que em transe, pensando em tudo que havia visto naquele lugar e perguntei: – Como, João, podem existir outras Aruandas? E com seres tão superiores a nós dessa maneira? – Meu querido amigo, as moradas do Pai Celeste são muitas e nós evoluímos e aprendemos. Assim, vamos mudando de esferas para sermos mais úteis, conforme nossa evolução. Nosso irmão Samuel tem muito a ensinar a cada um de nós, porém, se ainda vivesse nesta cidade seu aprendizado ficaria limitado. É como impedir um estudante que terminou o ensino comum de ingressar na faculdade e isso seria injusto com o irmão, você não acha? – Sim, mas e a separação que se dá daqueles que nós aprendemos a amar? Parece-me que a vida é feita de separações, é isso o que eu acho injusto – respondi ao amigo. Porém, desta vez, Maria, que se aproximara do grupo sem que eu percebesse, respondeu-me: – Manoel, meu querido, não nos separamos de ninguém quando nossos laços de amor são eternos. Por quanto tempo ficamos em esferas diferentes, mas o nosso amor resistiu a todas elas e, sempre que possível, estamos juntos. Isso é a bondade de Deus, pois o que ele juntou com amor nada pode separar. Então, meu amado Manoel, aprenda a se desprender, pois o amor verdadeiro liberta. Eu, mais uma vez, percebi o quanto ainda era apegado e o quanto teria que aprender. Então, Pena Branca falou: – Meus amigos, podemos ir agora, pois o general não gosta muito de atrasos. Saímos do Campo do Esclarecimento e caminhamos na direção sul da cidade, onde havia um grande portão, em branco, azul e vermelho com uma enorme estrela de Davi ao centro. Na placa ao lado havia a inscrição: Cidade de Ogum, onde a honra e o amor ao pai são nossas armas. Henrique apenas colocou a mão no portão que, automaticamente, se abriu. Estávamos em um bairro militar. A nossa frente havia uma enorme fonte, com um lindo chafariz. No meio da fonte como que surgindo de dentro da água tinha uma enorme imagem de São Jorge. Várias inscrições em grego decoravam a fonte, bem como símbolos que eu nunca tinha visto. O cenário era espetacular. As casas repetiam o padrão de cores do portão e símbolos de guerra eram vistos em suas portas. Muitos caminhavam pelo bairro, alguns com armaduras medievais e quando olhei novamente para Henrique, notei que ele mesmo já usava uma linda armadura de prata, ostentando a estrela de Davi no seu ombro esquerdo, bem como em sua capa vermelha. Sua fisionomia agora era mais séria, típica de generais de guerra. Enquanto caminhávamos, passamos por senhores e senhoras montados em cavalos brancos e todos bateram continência ao general que ali se apresentava. Andamos até um grande galpão, cujas portas de aço com quase cinco metros de altura me surpreenderam. Dois guardas faziam a segurança do local com lanças douradas na mão. Lembrei-me do velório do meu corpo, quando eu vira guardas parecidos com esses e que faziam minha segurança. Paramos na frente dos guardas e Henrique disse-lhes: – Salve Ogum, o nosso general maior. Eles responderam e Henrique fez a apresentação do grupo: – Peço-lhes permissão para entrar na sala das armas com a comitiva de mensageiros de Aruanda, pois o General de Guerra Ricardo nos aguarda para uma audiência. Os guardas apenas descruzaram suas lanças sem nada dizerem e quando eu achava que já tinha me acostumado com tudo na cidade de Aruanda e que nada mais me surpreenderia, eis que se abre na minha frente uma enorme fábrica de armas do plano espiritual. Ela se apresentava como se fosse uma grande metalúrgica do plano físico, com máquinas enormes, fornos para forjar armas em caldeiras, bem como linhas de produção, em que homem e mulheres se apresentavam em uniformes que eram compostos por luvas e avental de couro. Eles trabalhavam na fabricação e montagem de armas de vários tipos. Eu não conseguia sequer falar algo tamanha minha surpresa, foi Humberto o primeiro a se manifestar: – Henrique, que diabo é isto, meu irmão? Henrique e nós todos rimos gostosamente da pergunta de Humberto. E ele lhe respondeu: – Humberto, estamos em uma das poucas fábricas de armas do plano espiritual. Daqui sai armas para várias cidades. Algumas muito conhecidas pelos encarnados. – Mas, para que serve estas Armas? – perguntou Humberto. – São armas energéticas: sua função não é matar e sim paralisar espíritos que resistem e entram em confronto com cidades do bem. Assim, protegemos nossas cidades de ataques e de invasores, amigo. Eu estava maravilhado e perguntei: E o que viemos fazer aqui? –Montar uma estratégia de guerra com nossos especialistas locais, Ortêncio. Ou você achou que seria fácil irmos às profundezas do umbral?

domingo, 18 de agosto de 2013

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Após as palavras iniciais de Ubirajara, dirigiu-se ao púlpito um senhor alto e forte, eu diria que ele era mesmo muito grande para os padrões humanos. Estava vestido com uma bata branca, na qual aparecia bordado o desenho de um lindo machado dourado. O homem tinha uma grande barba branca trançada e apesar de sua aparência tão exótica, tinha uma feição calma e tranquilizadora. Então, pensei que eu estava de frente com o próprio Xangô. Eu achava que a voz de Pena branca era um trovão, mas, perto da voz daquele homem, a do meu amigo índio era um ruído. Ele começou sua apresentação assim: – Que a luz de nosso Pai Oxalá ilumine aqueles que têm sede de justiça e que Xangô a faça alcançar tanto àqueles que se dizem justos como para aqueles que sendo mais humildes sabem que somente é justo nosso Pai maior! Meu nome é Samuel e venho a esta cidade com a incumbência de lhes trazer notícias dos planos superiores, sob a autorização daqueles que nos querem bem e que, em conjunto com uma humanidade de juízes tão falhos, tentam fazer o melhor para a justiça, ou seja, na busca de que um dia possamos caminhar de mãos dadas rumo à evolução e, portanto, em direção ao Rei da Justiça. Quando dizemos que Deus é um juiz queremos dizer que ele é em verdade a própria Justiça, a essência da Verdade, e que, assim sendo, por Deus nada passa ou passará. Esse cargo de juiz, deixemos, por ora, à nossa própria consciência, pois desta também não conseguimos fugir. É ela que nos conhece e que nos diz o que é certo ou errado, sempre dentro da Lei Divina. Porém, meus amigos, cabe a cada um de nós, filhos de Xangô, abrir os olhos em relação aos nossos autojulgamentos, se assim podemos chamar. Pois o mundo virou um tribunal cheio de leis e de verdades, no qual a principal lei, a Lei de Deus, vem sendo esquecida, a lei do amai-vos uns aos outros. A sociedade vem se perdendo, por meio de sua mal planejada civilidade e, a cada regra criada, vemos encarnados lutando uns contra os outros, quando as diferentes opiniões deveriam ser debatidas com repeito. Qual o nosso papel deste lado da vida, meus amigos: o de orarmos? O de termos compaixão? O de sermos pacientes com o que estão na carne? Sim, meus amigos, mas apenas isso não basta! Entramos na fase da humanização do amor e do perdão. Nossas frentes de trabalho devem ir a campo, com a primeira e principal bandeira do Cristo, a do amor ao próximo, independentemente de seu erro ou de seu passado. Claro que não podemos esquecer que a terra necessita de leis para o controle daqueles que lá estão, bem como para a sua correção. Mas devemos incentivá-las para que se deem de maneira correta. O derramamento de sangue e de lágrimas são caminhos muito duros para o aprendizado e que por muito tempo já vêm criando espíritos sem consciência. Há muito era preciso entender que a época do olho por olho e dente por dente já se fora e que hoje vivemos em uma momento onde todos somos iguais por direito. Que possamos intuir a humanidade a ter em si mesma piedade pelos que são injustiçados, pelos justos, pelo injustos, pelo bons e pelo maus. O Plano Maior traçou um grande plano, o de que nas próximas décadas uma grande quantidade de espíritos, que se encontram ainda em estados primitivos ou contra a mensagem do bem, voltem à terra, para que assim tenhamos a oportunidade de resgatar irmãos há muito perdidos nas sombras do umbral. Eles não necessitam mais serem julgados, mas sim amados! Para que possam limpar seus espíritos da maldade, das mazelas criadas na escuridão, o único remédio é o amor justo e puro, livre de qualquer preconceito ou paradigma. Que o Mestre dos mestres nos guie, pois nós que aqui estamos, no plano maior, teremos muito trabalho. Teremos também desafios e provas: que nosso compromisso com Oxalá seja feito de muita fé e amor e com senso de justiça também para conosco, pois ainda somos falhos. Que nossa consciência não seja omissa, mas seja branda, pois quem não erra? E todos nós um dia vamos nos corrigir, aprendendo com o erro mais simples como com o mais grave. Para encerrar sua explanação, que emocionara a todos nós, ele ergueu os braços e fechou os olhos e disse, por fim: – Pai Xangô, guardião da justiça, espírito divino, nos guie e nos ilumine com sua bondade e transforma as pedras, em nossos caminhos, em lírios de esperança e bondade para que possamos seguir o Divino Mestre Jesus e os princípios de amor de nosso Pai maior. Enquanto ele orava, jatos de luzes caiam do céu e nos banhavam. Então, sua voz foi ficando distante e ele foi sumindo, sumindo, sumindo, até que se formou apenas um raio de luz e o mensageiro de Xangô voltou para sua cidade, deixando conosco sua essência de amor... 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

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Saímos do setor da cura e, logo após eu me recompor, deixamos aquela Legião, para a qual, eu sabia, logo voltaria para que pudesse continuar aprendendo, bem como ajudando os meus filhos e amigos que lá eu deixara. Pena Branca caminhava em silêncio, assim como o restante de nós, que buscávamos no verde das matas e no aroma daquele lugar restabelecer nossas energias. Até que o índio amigo foi mudando suas vestes para algo mais comum e sem penas. Eu me assustei com a transformação e ele sorrindo me explicou: – Não se assuste amigo, o espírito tem escolhas e, embora eu me sinta mais à vontade com minhas vestes de índio, temos que saber nos portar em todos os lugares. – Não me incomodou vê-lo mudar suas vestes, Pena Branca, o que me impressionou foi: como você fez isso? – respondi. Desta vez, foi Humberto quem me respondeu: – Ortêncio, meu amigo, o espírito pode dar a forma que desejar ao seu perispírito, pois o espírito sendo eterno e vivendo várias vidas pode escolher a forma daquela que mais o deixa confortável. – Então, quer dizer que eu posso me vestir como quiser e escolher o rosto que eu quiser ter? – Sim – respondeu Henrique – mas não exatamente dessa forma, ou seja, você nunca conseguirá se passar por algo que não é ou mudar seu perispírito para enganar o outro, a não ser que o outro também esteja mau intencionado, claro. – Como assim? – perguntei a Henrique. – As pessoas, Ortêncio,  têm o costume de falar que foram enganadas ou magoadas pelo outro, mas se esquecem que elas permitiram de alguma forma que isso acontecesse. Os charlatões só existem porque as pessoas os procuram, querendo amarrações para o amor, fórmulas mágicas para empregos ou melhorar de vida. Quantos não te procuraram com esses objetivos, quando você atendia na terra? Por isso que em nenhum lugar existem coitadinhos, mas sim uma lei chamada Lei de causa e efeito. A essa altura, já estávamos na rua de paralelepípedos e caminhávamos banhados por um lindo pôr do sol. Algumas pessoas faziam fila em frente ao portão do Campo do Esclarecimento. Curioso, Humberto perguntou a respeito do que estava acontecendo. – Hoje, uma Legião de fora da cidade fará a palestra de esclarecimento. Acho importante que nós possamos ouvir as palavras de nossos irmãos – disse João. Começamos a entrar, desta vez o Campo do Esclarecimento estava envolvido por uma energia forte, também o cheiro de ervas era forte, mas acolhedor. Estávamos em uma enorme pedreira, onde milhares de espíritos se acomodavam nas pedras, que formavam uma enorme arquibancada. Acomodamo-nos bem em frente a enorme queda d’água, donde víamos que uma esplendorosa lua nascia por detrás da cascata abundante. Um enorme palanque fora montado em que vários espíritos estavam sentados e um também havia um púlpito de pedra que seria ocupado pelo palestrante do dia. Entre os espíritos nas cadeiras reconheci Ubirajara, Gabriel entre outros, todo chefes das legiões. Um tom formal era dado àquela visita tão especial e logo saberíamos o porquê. Quando nós todos estávamos acomodados e em silêncio, Ubirajara levantou-se foi ao púlpito e falou: – Que Deus todo poderoso e nosso Pai Oxalá nos abençoe nesse dia especial, quando espíritos divinos nos presenteiam, mesmo sem que mereçamos, com a presença da Sétima Legião de nosso pai da justiça Xangô. Aplausos ecoaram por todo o Campo do Esclarecimento e dúvidas e perguntas começaram a eclodirem em minha mente, pois, ninguém havia me falado de uma Legião de Xangô e de onde eles vinham, afinal? Henrique pôs sua mão sobre meu ombro e me disse: – Cada resposta ao seu tempo, não seja apressado...

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

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Eu estava envolvido por uma energia mais que acolhedora, após o abraço de Cobra Coral, algo que não sabia explicar, como que nascia em meu coração um sentimento fraterno de amor. Ele foi o primeiro a falar: – Ortêncio, meu amigo querido, que as flechas de Oxossi te protejam e te iluminem nessa nova tarefa! Estamos felizes por sua volta e mais ainda por fazermos parte dessa primeira etapa do seu trabalho. Respondi emocionado: – Feliz me encontro eu, amigos, por ter aqui do outro lado da vida espíritos que o tempo todo vibraram por minha caminhada na terra. Desta vez foi o índio pena branca quem falou: – Acompanhamos, amigo Pajé, sua caminhada terrena e seus esforços para se manter na direção do bem. Choramos com suas derrotas e comemoramos pelo seu aprendizado com elas. – Vejo pela empolgação de vocês que nem precisarei fazer um convite formal para que os amigos participem de nossa comitiva. –disse João, em tom descontraído. –Nunca diríamos não para um convite seu, pai João, que tanto tem feito por nós. A esta altura eu já estava observando o que naquele laboratório acontecia e perguntei: – Por que há tantas ervas sendo estudadas e manipuladas por aqui? – Este laboratório, meu amigo, é exclusivo para a preparação de remédios para o espírito. Lógico que intuímos cientistas da carne para o estudo desse material também, mas isso é feito em outro departamento. – disse pena branca. –Mas por que a necessidade de um remédio quase físico para espíritos que já não possuem carne foi a vez de Humberto perguntar. – Os espíritos atendidos com estes medicamentos estão em baixa vibração e com seus perispíritos completamente tomados por doenças físicas e psíquicas, assim, a prece e o passe magnético, apesar de serem de grande ajuda, teriam efeitos muito demorados – disse João. – Então, você quer me dizer que os remédios, além de tudo, têm também um efeito psicológico? – falou Humberto surpreso. – Isso mesmo, meu amigo, os espíritos precisam ver o medicamento fazendo efeito e agindo no seu perispírito para que acreditem que estão melhorando. Isso ocorre por causa de nossa pouca fé, quantos de nós não precisamos ainda ver para crer? Como disse Jesus feliz do homem que acredita sem ver, meus amigos! – disse Henrique. E completou: – Sei que muito temos que aprender aqui, mas nosso tempo é curto e gostaria que os amigos ainda vissem outro departamento desta Legião. Despedimo-nos de Cobra Coral. Pena Branca era quem nos acompanharia e seria nosso guia no território dessa Legião surpreendente. Passamos pelo galpão da cura, eu reforcei meus votos de um dia voltar para devolver todo o carinho que eu havia recebido ali. E eis que, olhando mais uma vez para me despedir do lugar, o meu coração se encheu de desespero: em uma das camas, em completa agonia, estava um dos filhos do meu terreiro. Ele me olhou com um olhar acusador e eu chorava, pois, como um filho ensinado por mim seu guia espiritual na terra estaria ali? Ao me ver o pobre espírito se encheu de ira e agonia, acusava-me por sua má sorte e dizia: – Velho Ortêncio, como você me deixou chegar a este estado? Como? Velho! Eu que tanto trabalhei ao seu lado, eu que acendia minhas velas e entregava minhas orações a oxalá. Enquanto falava, sangue saia por sua boca. Enquanto falava, notei que seu corpo estava perfurado pelo que percebi serem perfurações de balas. Acalme-se amigo! Você não está neste estado minha culpa e nem por culpa dos nossos orixás. O pior já passou e agora tudo ficará bem. – disse com a voz embargada. – Velho Ortêncio, por que estou aqui? O que fiz para merecer isso? Me tire daqui, por favor! – ele gritava. – Apenas você pode se ajudar filho, tenha calma e ore a Deus. Com o tempo, todas as suas perguntas terão respostas. Agora, o importante é que você se recupere, para logo estarmos juntos. Nenhum dos que me acompanhavam falaram algo, apenas olhavam aquela cena. Eu queria abraçá-lo, aliviar a dor daquele que me seguia quando eu estava na carne, mas Henrique segurou nos meus braços e foi me retirando de perto daquele espírito que continuava a gritar e me acusar. Demorei algum tempo para me recompor, até que João disse: Ortêncio já é difícil carregar nossas cruzes, não tente carregar a de outros também. Eu, indignado com o comentário, disse: – Como, você, um espírito evoluído, pode dizer isso? Ele está sofrendo por minha causa e mesmo agora eu nada pude fazer. João continuava a me olhar com carinho e disse: – Ortêncio não é por sua causa que nosso irmão se encontra naquele estado. Você se acha tão importante assim? Porém, amigo, Deus é um ser de bondade infinita e nos dá a oportunidade de aprender sempre. Nosso amigo está tendo a dele, pois o que adianta ser um bom religioso, seguir as filosofias de centros e igrejas e não colocá-las em prática. Qual melhor mestre do que Jesus foi e é para a humanidade e olhe para ela como está Diga-me Ortêncio, perto de Jesus, quem somos nós? Ainda mais para querermos carregar a culpa daqueles que precisam, como nós, aprender? Jesus não se abateu e continuou ensinando e trabalhando para o melhor, mesmo vendo que depois de seus ensinamentos muitos ainda continuaram sem entender e a viver na ignorância e você, Ortêncio, se acha melhor que Jesus? Irá se encher de culpas e parar no caminho? A escolha é sua, pois, mais do que antes, o espírito daquela cama precisa de um exemplo, de alguém que caminhe e que siga com compaixão, para que assim ele também o faça e não de alguém que queira dividir culpas. Eu chorava de arrependimento, vergonha e tantos outros sentimentos que eu não saberia explicar, mas entendi o que João falara. Ele, então, me abraçou e me disse: – Temos que ir amigo...

domingo, 4 de agosto de 2013

Nosso Mensageiro

Esta é foto do nosso mensageiro. Achei muito interessante postar esta foto do nosso amigo, pois este é um dos poucos registro fotográficos, outro motivo é dar um rosto para nosso amigo. Afinal, sei que cada um que acompanha esta história o imagina de um jeito e acho que isso nos aproximara ainda mais dele. Como nós, ele esteve aqui nesse planeta, tentando fazer sua parte. O Sr. Ortêncio foi um homem bem humorado, pai de 22 filhos, foi casado com Maria por mais de 30 anos, sendo que nunca, nunca se casou novamente depois do desencarne dela, pois, segundo ele, só se amava uma vez na vida. Ortêncio amava os netos e sua família, trabalhou na estrada de ferro de Cubatão, nasceu na Bahia e se dedicou a fazer o bem ao próximo. Ele sempre falava das coisas do espírito e do respeito ao próximo, tinha um carinho todo especial por cachorros e adorava mamão, dava a mesma atenção a todos lhes procuravam, sem se importar com classe social, também adorava se vestir bem e tinha uma paixão incondicional pelo Corinthians. Não sabia escrever, mas adorava ditar cartas aos amigos...Este é o nosso mensageiro. Eu, como neto, convivi com ele por apenas 9 anos e me sinto muito feliz por hoje ser a ponte entre o mensageiro e o mundo material... Como nós Ortêncio Manoel do Nascimento é um espírito em evolução, que buscou e busca fazer o seu melhor para evoluir sempre, mais que um pai de família e um chefe religioso, hoje, o Mensageiro é um exemplo de que tudo nessa vida é aprendizado para nosso evolução nessa escola chamada Terra...

quarta-feira, 24 de julho de 2013

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Estávamos em um enorme galpão, onde uma centena de leitos, ou talvez mais do que isso, eram ocupados por seres com todo tipo de enfermidades, ou seja, aquelas que um espírito pode causar ao seu próprio perispírito. Era um verdadeiro cenário de guerra, havia espíritos com várias partes do corpo faltando, com queimaduras e feridas expostas e nas quais se alojavam vermes. Muitos desses espíritos estavam amarados à cama, pois sua agonia os obrigava a se contorcerem, o que poderia fazer com que se ferissem ainda mais. Enquanto caminhava entre os leitos, o sofrimento e a tristeza daquele ambiente tomaram conta do meu ser, até que João Guiné disse-me: – Acalme seu coração Ortêncio, nenhum dos que estão aqui são coitados e pena é um sentimento desprezível, pois os filhos de Deus merecem mais do que isso. Eu chorava e Humberto fazia o mesmo. – Mas, como João? Como espíritos chegam a este estado? – perguntei entre soluços. – O egoísmo, a falta de amor próprio, a prepotência e a falta de conhecimento, Ortêncio, é que propiciam este tipo de experiência. Você mesmo já esteve aqui por alguns dias, não se lembra? A pergunta me chocou e me senti envergonhado. – Ortêncio, você não se lembra, porque sua consciência apenas lhe mostrará isso no momento em que você estiver preparado. O que podemos te adiantar é que antes de ir para o hospital você ficou aqui no setor da cura, uma vez que seu perispírito estava impregnado de energias maléficas e também para a retirada dos chips implantados em você pelas organizações umbralinas – esclareceu Henrique. – Por quanto tempo eu fiquei aqui? – Por um longo e difícil mês, meu amigo. Por isso, não julgue ou mesmo tenha pena daqueles que aqui estão, coloque no seu coração a compaixão, pois é do nosso amor que estes irmãos necessitam e é desse sentimento que são merecedores. O galpão rescendia um forte cheiro de ervas, enquanto uma densa fumaça o deixava com um aspecto sombrio. Índios andavam por todos os lados, cuidando daqueles que tanto necessitavam, pastas eram passadas nos ferimentos e remédios eram administrados, bem como passes eram aplicados e a todo o momento cantos indígenas eram entoados. O verde era a cor predominante na atmosfera e palavras de afeto não faltavam em nenhum momento. Todo o tempo ouvia-se ser falado na fé, no amor e, principalmente, em como Deus era bom. Eu queria abraçar a todos ali e ajudar de alguma forma, quando Henrique falou: – Quando voltarmos de nossa viagem, eu pedirei aos nossos superiores que você passe algum tempo por aqui, para que possa incluir no seu relato o funcionamento detalhado deste local de cura. Eu lhe agradeço Henrique. – respondi. Caminhamos até uma porta de vidro, pela qual visualizamos uma sala cirúrgica, que se encontrava vazia naquele momento. – Por que há uma sala cirúrgica, amigos? Não se pode curar apenas com o magnetismo dos passes? –perguntou Humberto – O passe é grande fonte de energia, amigo, porém, há implantes e mesmo males criados pelo espírito e que são tão profundamente entranhados, que são necessárias intervenções mais profundas. Alguns dos irmãos chegam aqui quase beirando a loucura ou no estado do que chamamos de segunda morte – explicou-nos João. – Segunda morte? O que é isso? – perguntei. – É quando o espírito perde toda a sua consciência, caindo em um estado de loucura e escuridão e, desse modo, acaba se perdendo daquilo que foi e é, tornando-se um ovoide, meu amigo. Entramos, então, em uma sala cheia de tubos de ensaio, com vários microscópios dispostos sobre mesas e em cada uma delas índios misturando ervas e trabalhando alegremente. Nesse ambiente, o branco predominava e ali estavam nossos amigos. Ao perceberem nossa presença todos pararam de trabalhar e, um a um, vieram nos cumprimentar. Os dois últimos que o fizeram eram Pena Branca e Cobra Coral. O primeiro era alto, forte e tinha os olhos castanhos, cor de mel, revelando um sorriso largo e uma voz que parecia um trovão. Já Cobra Coral era um pouco mais baixo, tinha o rosto carrancudo e trazia no braço esquerdo a tatuagem de uma enorme cobra nas cores preta, branca e vermelha. Esse último foi o primeiro a falar, não, a cantar: –Jesus, Maria, José! Mandai-me notícias de onde andou! Eu não dei pelo mundo de Deus! Mandai-me notícia de onde andou! E, assim falando, me abraçou com tanta força que minhas costelas chegaram a doer...

segunda-feira, 22 de julho de 2013

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Logo depois da reunião, eu, João, Henrique e, agora, nosso novo amigo Humberto fomos convidar a todos que João havia citado e que seriam aqueles que iriam nos acompanhar na nossa missão. Não podíamos perder tempo, pois tínhamos apenas cinco dias até nossa partida. Henrique foi o primeiro a falar: – Agora, amigos, iremos até a Legião de Oxóssi. Peço a cada um que seja o mais natural possível para não ofendermos nossos irmãos, que, de todas as legiões, são os mais ariscos, se podemos assim dizer. – Como assim? – perguntei. Foi João quem respondeu: – A legião de Oxóssi é formada por índios e caboclos. Os quais, em sua maioria, ainda sofrem preconceitos até no plano espiritual, por suas opções e pela maneira de trabalharem no plano material. Muitas casas de caridades negam sua existência e, em alguns casos, os médiuns que dão passividade a tais espíritos são convidados a se retirarem da casa espírita que frequentam ou convidados a passarem por tratamentos de desobsessão, perdendo, assim, a oportunidade de aprenderem com espíritos de grande sabedoria. Portanto, a Legião desse orixá da natureza, formada por grandes guerreiros e manipuladores de fluidos, vem convivendo com vários obstáculos. – Mas, os espíritos superiores nada fazem para ajudar esses irmãos que trabalham pela causa do Cristo? – perguntou Humberto. – Tudo tem um motivo meu amigo –respondeu Henrique – apesar de conhecermos as infinitas qualidades dos nossos irmãos, muitos deles ainda trazem como verdade, na qual persistem, a da condição de sua última encarnação como índios. E, com isso, esquecem que a vida, tanto material como espiritual, é um ciclo de evolução constante. Tal Legião, por exemplo, se recusava até há pouco tempo a utilizar equipamentos ou armas modernas, alegando que deviam manter suas raízes e somente depois da intervenção do sagrado Oxóssi é que isso vem mudando. – Então, Henrique, você quer dizer que assim como no mundo material, em que há pessoas que não querem evoluir, aqui também há espíritos na mesma condição. – Isso mesmo Humberto, o que mais vemos são pessoas e espíritos que pararam no tempo e, desse modo, prejudicam a sua evolução e de sua comunidade. Porém, esse não é o caso da Legião de Oxóssi, exatamente, o que eles prezam são suas tradições e tentam evoluir as respeitando. Porém, sabemos que a evolução não está aí para destruir as tradições e sim aprimorar o que já foi feito. Contudo, nossos irmãos vêm avançando a passos largos, vocês verão com seus próprios olhos. A esta altura já estávamos em frente ao prédio da Legião de Oxóssi, que assim como todos os outros por fora é uma construção aparentemente normal, porém quando as portas se abriram eu quase caio para trás, pois estava diante de uma grande mata cheia de ocas por todos os lados. Na nossa frente, havia uma grande imagem de um índio com arco e flecha. Ouvíamos os pássaros que cantavam, enquanto índios cavalgavam em belos cavalos. Não existiam escadas ou elevadores, como em outros ambientes de Aruanda, mas rampas interligavam as plataformas levantadas em meio a mata. Outros animais como onças, macacos e tantos outros circulavam pela mata harmoniosamente. Logo uma linda índia veio ao nosso encontro: – Salve irmãos! – disse ela – é sempre um prazer tê-lo entre nós, pai João. Comandante Henrique nossa humilde casa sempre será sua casa também. – O prazer é todo nosso, Jussara – disse Henrique – estes são Ortêncio e Humberto. Esta é Jussara da Sétima Legião de Oxóssi, grande responsável na luta que estamos travando e na busca em reverter o quadro que vínhamos comentando. Jussara nos analisava. Ela trajava um modelo de macacão branco com franjas verdes. – Que a luz do altíssimo ilumine vossos corações, meus irmãos, para que a barreira dos preconceitos não vos impeça de seguir em frente. Sejam bem-vindos à nossa casa. Suas palavras nos contagiaram de emoção, como um jato de energia de amor. Senti vontade de abraçar Jussara e o fiz, quando por minutos pude desfrutar daquela energia. Ela sorriu e me disse: – Eu também senti saudades, velho amigo. Logo depois de sua encarnação como Pajé, eu retornei ao plano espiritual, Também ajudei em sua volta ao plano espiritual, Ortêncio, e aqui fiquei, aguardando seu regresso, pois como não ajudaria meu amigo Pajé que tanto fez por nossa tribo? Mas deixemos nossas experiências carnais para que sejam lembradas outro dia, já que teremos muito tempo para isso. No que posso servi-los meus amigos? – Queremos ver Cobra Coral e Pena Branca, minha amiga, e pedimos que você autorize que eles participem de nossa comitiva –disse João. – Eles têm minha autorização, João, não negaria um pedido tão especial. Eles se encontram no pavilhão da cura. Fiquem à vontade. Eu peço que me desculpem por não poder acompanhá-los até lá, pois há muito que ser feito por aqui. João lhe respondeu: – Não se preocupe conosco Jussara, nós conhecemos o caminho. Então, nos despedimos e fomos ao encontro dos irmãos. Subimos por rampas a uma altura equivalente a uns dez andares e confesso que me cansei. Porém, a paisagem era cada vez mais linda e nas portas das ocas pelas quais passamos havia placas indicado suas funções e me surpreendi com a quantidade de funções desenvolvidas em uma legião como aquela. Paramos em frente a uma oca diferente das demais: ela era feita de tijolos pintados de verde. Entramos primeiro em uma antessala, onde vestimos roupas cirúrgicas e, quando entramos no pavilhão da cura, mais uma vez me surpreendi, mas com o que encontrei naquele lugar...