domingo, 3 de março de 2013

Página 4


O trem se movimentava em alta velocidade, a ponto de nos dar vertigens. De tempos em tempos, alguém nos trazia o alimento. Eu não tinha noção de tempo ou espaço e por várias vezes dormi e acordei, perdi a noção de há quanto tempo estava viajando e tampouco sabia para onde estava indo. À medida que o tempo passava, sentia o corpo mais pesado, assim como as dores aumentavam. Alguns dos companheiros de viagem começaram a ter alucinações, enquanto falavam sobre sua vida na terra, pediam perdão, gritavam, eu próprio também comecei a tê-las. Comecei a rever quando cobrava pelo dom a mim oferecido, enquanto homens e mulheres me acusavam e me chamavam de feiticeiro maldito, o medo era meu único companheiro e mais uma vez tive um sonho ou uma alucinação, não sei bem como chamar. Foi quando um índio, de penacho branco e calças também da mesma cor, apareceu de pé em minha frente e disse-me: Olá Ortêncio como está sendo sua viagem? – Não muito boa, como você pode ver. Por que Maria mentiu para mim? Ela me disse que, quando eu chamasse, o socorro viria e cadê o socorro? Ele sorriu da minha prepotência e respondeu: – O que você acha que sou, meu amigo. Talvez o socorro esteja aonde você menos espera, Ortêncio. Como você acha que permaneceu lúcido até agora. Por que você não enlouqueceu como a maioria? Estamos seguindo este grupo de infelizes, devido a sua ligação conosco, ou você achou que estava sendo castigado? Não, meu amigo, aproveite o seu desespero, para também dar início a uma missão importante. Iremos te resgatar no momento certo, mantenha o pensamento firme e esteja em prece, pois você está a trabalho, desde quando foi retirado do túmulo por seus algozes. – Quer dizer que sou só um bode expiatório, vocês são loucos? Cadê a justiça divina, o julgamento honesto de Deus? – Meu amigo, Deus não julga a ninguém, e cada um colhe conforme plantou. Aproveite a viagem de forma mais produtiva, busque em sua consciência o porquê de logo você estar aqui. Não temos tempo a perder com suas lamentações ou questionamentos, feitos com base no orgulho e nada mais. Recomendo que se mantenha em prece, busque no seu íntimo os ensinamentos dos Orixás e dos espíritos do bem que te acompanharam por anos, senhor líder de terreiro. Aqui como lá na vida terrestre, o trabalho é árduo e nós temos muito que fazer. As palavras do índio foram como uma mão a tirar o véu da ignorância de mim, embora eu não me livrasse de todos os questionamentos e ainda sentisse raiva e dor, começava, no entanto, a pensar melhor. Ele, como se adivinhasse, sorriu e colocou sua mão sobre minha cabeça e fez uma prece na qual pedia a Deus proteção, das suas mãos raios brancos jorravam e me banhavam com amor. Ele foi ficando iluminado, até que sumiu e eu novamente tomei consciência de onde estava. A velocidade do trem diminuiu e, agora, era possível começar a ver a paisagem pela janela. Estávamos chegando a uma cidade muito escura, na qual uma fumaça predominava no ar e as ruas eram estreitas como becos. Insetos de todos os tipos passavam entre os que andavam naqueles becos, havia, aliás, um grande fluxo de pessoas ali e que pareciam trabalhar, algumas delas estavam acorrentadas umas nas outras, sendo chicoteadas, outras puxavam carroças com equipamentos, enquanto outras vagavam como loucos ou zumbis. O cenário era deplorável, com prédios em ruínas e sempre com aquela lama negra escorrendo das paredes. A cidade mais parecia um grande pântano. Chegamos a um tipo de plataforma e mais uma vez nosso capitão do mato veio nos falar: – Chegamos senhores, vocês serão conduzidos ao seu novo lar. Nossa organização anseia por novos integrantes, principalmente religiosos como vocês, que estão aqui por acharem que suas religiões os salvariam. Aqui seus títulos religiosos nada valem: pastores, padres, umbandistas, rabinos , ou seja lá o quê, vocês, aqui, só são mais uma corja de covardes mentirosos, que pagaram muito caro por seus erros, sintam-se à vontade. Levem-nos para a triagem, pois a festa vai começar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário