segunda-feira, 11 de março de 2013

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Fomos levados a um prédio que ficava no centro da cidade. Logo na entrada, fiquei surpreso ao ver figuras que eu achava impossível que pudessem existir: homens com cabeças de cobras, segurando lanças, faziam a segurança do local e eles não se moveram, nem expressaram nenhuma reação ao passarmos pela porta. Entramos, então, em um saguão muito grande, onde balcões de triagem se espalhavam por todo o espaço que, como toda a cidade, era escuro. O que mais me incomodava era o cheiro de enxofre. Filas se formavam por todo o imenso salão, onde espíritos de todas as formas reclamavam, agonizavam, brigavam, enquanto muitos como nós, ainda acorrentados, apenas choravam em silêncio. Eu me perguntava como, mesmo depois da morte, poderia existir um lugar como aquele, que mais parecia uma repartição pública do mundo, ou seja, daqueles que estavam vivos na carne. Fomos levados à fila de um balcão e mais uma vez o pânico se instalou em meu espírito. Essa não seria a primeira ou a última vez que isso acontecia, mas dessa vez havia algo diferente: o medo se misturava com uma ansiedade que eu não estava acostumado a sentir, sobretudo desde que cheguei ao plano dos mortos. É que de algum modo, por algum motivo, eu sabia que ali seria decidido meu destino e que eu poderia talvez passar o resto da eternidade aprisionado com aqueles seres do mau. E assim seria, se eu não me mantivesse centrado e focado em alimentar bons pensamentos. Ouvi uma voz em minha mente: ”Não, ore! Pois agora, é ora de vigiar!” Assim que encostei no balcão, um criatura de olhos cinzas e cabelos longos me sorriu, eu não ousei olhar para ela, mesmo estando de cabeça baixa, percebi que ela estava semi nua, sua pele era branca, usava uma capa preta. Então, olhei para uma placa no balcão que dizia “Falsos profetas”. Ela gargalhou e disse: – Está se sentindo injustiçado, Ortêncio Manoel? Não respondi. Ela me examinou por alguns minutos e mais uma vez de forma sarcástica falou: – Velho feiticeiro, não tente nos enganar aqui. Sua aura transmite tudo o que pensa seu idiota! Vemos através de você, agora. Já não tem a carne para esconder o que realmente é. Eu me senti envergonhado e preocupado, pois, e agora? O que eu faria? Eles sabiam o que eu era? Mais uma vez ela riu: –Está Lúcido. Os pensamentos estão fluindo com naturalidade. Diga-me velho, quem está te protegendo ou te monitorando? – Não sei do que você está falando. Fui abandonado por todos e acabei aqui, no inferno. Ela me estudava e parecia tentar desvendar meus segredos, lendo minha mente. –  Se você prefere assim, velho feiticeiro... Leve-o para o setor da verdade, ele será muito útil nos implantes e na organização magnética. Já que não perdeu os sentidos até agora, vamos fazê-lo perdê-los. Antes, levem-no para a implantação do chip de segurança. Meus carrascos me desacorrentaram, seguraram em meus braços e me conduziram por um corredor, logo chegamos a um tipo de elevador, onde tive a sensação de que estávamos descendo, não posso dizer ao certo se realmente era isso que acontecia, um mal estar começava a tomar conta de mim. Tudo girava e minha cabeça, conforme o elevador se movimentava, doía. Quando a máquina parou, a essa altura eu era praticamente carregado: pareceu-me que havíamos chegado a um centro cirúrgico, pois passamos por macas em que espíritos deitados tomavam uma espécie de soro e homens de avental verde aplicavam-lhes algo que eu deduzi serem remédios. Fui também colocado em uma maca, minha roupa foi rasgada com uma tesoura eu comecei a sentir muito frio. Usando algo que parecia uma pistola, injetaram em minha nuca uma espécie de microchip. Nesse momento, a minha coluna queimou e meus nervos se enrijeceram, eu não conseguia pensar, muito pior era me movimentar e ainda nem ouvia o que eles falavam. Fui perdendo os sentidos e, por não sei quanto tempo, a dor e a agonia foram minhas únicas companheiras. Não desmaiei, por mais que quisesse isso mesmo, achando que a dor seria menor se eu dormisse. Tive muita sede e fiz minhas necessidades ali mesmo. Por várias vezes me contorci, até que tudo a minha volta parou e eu, sem saber ao certo o que acontecia, tentava permanecer lúcido, mas isso não era mais possível...

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