sábado, 20 de abril de 2013

Página 10

Como eu ansiava por encontrar Maria! E agora eu ali estava diante da mulher que foi minha companheira por tanto tempo, que me acompanhou durante minhas loucuras e sofreu suas provas ao meu lado, sem desistir. Meu grande amor e que até mesmo na morte estava do meu lado. Fiquei paralisado com a luz que emanava de Maria, mas também com aquela mulher que de tão simples se tornara grandiosa. Ela me ofereceu uma cadeira, Henrique sentou-se conosco, o que me deixou um pouco incomodado, pois queria ficar a sós com ela. Maria sorriu e disse: – Aqui, Manoel, não temos nada a esconder uns dos outros e Henrique é um amigo de muito tempo, nós lhe temos grande carinho. Ela me chamara de Manoel, do mesmo modo como quando estávamos na carne, e eu lhe disse: – Seu amigo Maria. Pois, apesar de eu já ter uma afeição por esse rapaz mesmo conhecendo pouco a seu respeito, ainda não posso chamá-lo de amigo. Eles sorriram e eu me senti encabulado. –Manoel, meu querido, tudo nesse mundo tem um porquê. Henrique nos acompanha há muito na trajetória de nossas vidas e você se lembrará disso aos poucos, conforme sua memória perispiritual for sendo desvendada por sua consciência. – Memória perispiritual? O que é isso? – perguntei-lhe. Toda a nossa existência fica gravada em nosso perispírito Manoel, porém, o Pai maior nos dá a benção do esquecimento quando voltamos à carne, para conseguirmos viver e buscar os reparos necessários para nossa evolução. Quando voltamos à pátria espiritual, vamos aos poucos retomando nossa memória, para assim planejarmos melhor nossa reencarnação futura. – Isso parece ser complicado, eu disse, e todos nós rimos gostosamente. Então, eu lhe perguntei: – Pois então me diga Henrique, há quanto tempo somos amigos? Henrique, que mexia em sua caneca, levantou a cabeça e olhou-me nos olhos. Seus olhos estavam marejados. –Há mais de 600 anos, Ortêncio, durante a inquisição, eu fui um cavaleiro que cumpria as ordens da igreja e você um feiticeiro curandeiro e que representava um risco para aqueles que queriam dominar a sociedade, pois você curava com suas ervas, dava conselhos, falava com os mortos. Eu te persegui por anos, amigo, e, quando o encontrei, aprisionei e levei o “feiticeiro” aos meus superiores. Eles te julgaram e te condenaram à fogueira. Anos depois, quando fui morto no campo de batalha, foi você quem me socorreu e me trouxe para cá.
Eu chorava, sem saber o porquê. Não conseguia sentir raiva daquele rapaz que se dizia meu algoz. Ele continuou nossa história e dirigindo-se para mim: – Nessa sua última encarnação, tive a oportunidade de ser seu filho e de Maria, para de alguma forma quitar o mal que lhe fizera e por alguns anos tive a oportunidade de lhe chamar de pai. Por isso que nesse momento você já não sente ódio de mim, pois nossos laços de ódio foram quebrados pela força dos laços de amor que criamos como pai e filho. Nesse momento, as lágrimas já rolavam incontrolavelmente sobre meu rosto, pois eu estava diante de Juvenal, meu filho que havia morrido a mais de 50 anos atrás. Abraçamo-nos longamente. Maria sorria e agradecia ao Pai por vivermos esse momento. Quando nos sentamos, ela disse: – Felizes estamos, pai de misericórdia, por fazermos parte desse universo e por sermos seus filhos e por tu nunca desamparares a nenhum de nós. Tomamos nosso café em silêncio e, quando terminamos, Henrique chamou-me: – Vamos Ortêncio, temos muito que ver ainda e Maria tem suas obrigações nessa colônia. Eu fiquei irritado, pois mal havia conversado com Maria e me recusei a ir. Maria segurou em minha mão e me disse: – Manoel, teremos muito tempo para conversarmos e eu prometo que lhe contarei tudo o que me aconteceu, desde que aqui cheguei. Também estou ansiosa por essas conversas, mas temos que ter calma. Tudo a seu tempo, lembra-se? E a disciplina é o primeiro passo para aprendermos algo. Logo você estará vivendo nessa casa comigo e, amanhã pela manhã, estarei no seu chalé Henrique –e dirigindo-se para mim –para melhor lhe explicar nossa atual condição, meu velho! Depois dessas palavras, ela sorriu com ternura, nos abraçamos e Maria nos levou até a porta e ali ficou esperando que saíssemos do seu campo de visão...

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