A notícia de que há tempo eu já
havia deixado a carne me chocou, mas, apesar da saudade que sentia dos meus
familiares e dos filhos do terreiro, me sentia tranquilo e perguntei: – Amigo,
como estão os meus? – Ortêncio, quero que você entenda que seu desencarne foi
tão difícil para eles quanto para você, porém tudo corre como o planejado, pois
alguns já começam a se erguer, aprendendo com a lição. Você poderá acompanhar
cada um, daqui algum tempo. Agora, peço que o amigo descanse. Passaram-se
alguns dias sem que eu recebesse a visita de Ubirajara. As enfermeiras da
segunda legião me tratavam com caldos e passes magnéticos. Elas também me
falavam de como era linda a cidade que eu ainda não tinha tido a oportunidade
de conhecer. Isaura era a que mais me visitava, uma linda moça de olhos verdes
e pele clara como a neve. Dizia ela: – Amigo Ortêncio, é uma honra cuidar do
amigo, pois, por muitas vezes, fui levada ao seu terreiro com o objetivo de
acordar para a vida maior. Como você, me recusei a aceitar que tinha partido
para cá, já que minha Mãe era também uma chefe de terreiro. Apesar de eu não
ser ativa, pois achava que a religião tinha tirado minha mãe de mim, os amigos
me socorreram em uma zona inferior e me trouxeram pra cá. O amigo com certeza
não irá se lembrar, mas fui um espírito socorrido em um de seus sacudimentos e
sou grata por agora poder lhe retribuir o favor. Fiquei emocionado por saber
que de alguma forma havia ajudado este espírito tão prestativo e amoroso, os
sacudimentos eram trabalhos realizados para afastar, de encarnados, espíritos
que a eles se ligavam e, para tanto, contava com a ajuda de vários elementos.
Quando me senti forte o suficiente, recebi a visita de um espírito alto, de
cabelos pretos com corte militar, de pele morena e com olhos castanhos. Ele
também estava vestido de branco e, apesar de sua imponência, trazia seu sorriso
no rosto como era habitual em todos os que ali estavam: Louvado seja Deus,
amigo Ortêncio! Meu nome é Henrique, sou da QUINTA LEGIÃO DE OGUM, e venho, com
muito prazer, para levá-lo a sua primeira visita a nossa cidade. Eu não
escondia minha alegria. Logo sai daquela cama e abracei ao jovem militar e me
coloquei à disposição. Ele sorriu e me indicou a porta com a mão. Fui andando lentamente,
até que coloquei os pés para fora daquele quarto e/ou oca. O sol aqueceu meu
corpo e um leve cheiro de jasmim inundou o meu ser: eu estava no meio de um
lindo bosque, onde pássaros cantavam e as árvores se agitavam suavemente como
em um balé. Havia várias ocas como a minha por ali e pessoas de branco andavam
de um lado para o outro, porém, a elas se misturavam outras com vestimentas de
várias cores, formando um verdadeiro arco-íris. Surpreendeu-me também a
quantidade de pessoas jovens circulando. Eu sequer me movia, a energia era tão
boa que eu não queria me movimentar. Henrique falou: – Estamos no Centro de
Recuperação Energética 3. O que você vê, amigo, é um hospital, por isso esta
agitação toda, pois o que não falta aqui é trabalho. Ele começou a andar e aos
poucos começamos a nos aproximar de um grande portão branco. Meu espanto só ia
aumentando, pois a cidade era muito maior do que eu pensava e nada ali era como
eu imaginava. Ao passarmos pelo portão, a emoção tomou conta do meu ser e eu
chorei como uma criança ao avistar ruas de paralelepípedos, largas e
circundadas por graciosos canteiros de flores e por árvores que formavam um
lindo jardim, seguindo um muro branco. Vários portões circulavam a cidade,
atrás de cada portão havia outras ocas e também casas brancas. Na minha frente,
em formato de U, erguiam-se 7 grandes prédios com uma arquitetura moderna e eu
não consegui dimensionar a altura dos mesmos. Na frente dos prédios, havia um
lago enorme e nele se erguiam sete estátuas gigantescas, representando os sete
orixás daquela cidade. Lembrou-me muito o monumento da minha própria cidade
natal. Henrique riu e disse: – Não se engane meu amigo, o de lá é uma mera
cópia deste daqui. Estes prédios são os Ministérios, onde tudo se resolve e
onde estudamos as cidadelas. No entorno dos prédios, são muitas as funções
destes estabelecimentos, mas as ocas são todas hospitais e as casas são como
bairros onde moramos, pois até os espíritos precisam de casas. Chamamos o local
com prédios de capital, pois temos sete hospitais e sete cidades. A cada uma se
atribui funções diferentes e todos os que aqui estão trabalham após sua
recuperação, pois aquele que acha que irá descansar após a morte está muito
enganado. Enquanto ele falava, alguns veículos passavam por nós e também
pessoas atarefadas. Nos jardins, se espalhavam centenas de outros grupos,
conversando, e ainda índios paramentados, pretos velhos, médicos e tantos
outros. Alguns carregavam armas, mas também muitos livros circulavam em meio a
tudo isso, que, embora eu visse como uma grande bagunça, ainda assim me parecia
ser organizada. Paramos em frente a um portão azul, onde se encontrava uma
placa com os dizeres: Lar dos
filhos de Iemanjá. Que as águas do mar limpem nossos corações.Henrique
olhou para mim como se decifrasse algo e disse: – Vamos amigo, alguém nos
preparou um delicioso café da manhã. Entramos e caminhamos até uma casa com
porta amarela, tendo em sua frente uma linda fonte e roseiras com rosas também
amarelas. Henrique bateu e uma voz disse que podíamos entrar. Era uma casa
simples, mas muito limpa e organizada. Sentada à mesa estava Maria, minha
companheira na vida carnal, usando um lindo vestido amarelo e uma rosa branca
nos cabelos, com seus olhos cheios de lágrimas, saudou-me: – Seja bem vindo,
Manoel...
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