domingo, 5 de maio de 2013

Página 12

Eu dormi por algumas horas até que a voz de Henrique me tirou do meu sono. Isaura estava com ele e me aplicou uma série de passes, pois apesar de me sentir bem, eu ainda era paciente daquele hospital que me abrigara. Ainda para me refazer do cansaço, tomei o costumeiro caldo que, mais uma vez, estava delicioso. Henrique sorriu e com um ar sério me perguntou se eu estava pronto. Um frio subiu pela minha barriga e ele, como sempre, sorriu: – Fique calmo Ortêncio, os guardiões só querem informações sobre o período em que você ficou aprisionado.  – Como irei ficar calmo, se vou me encontrar com o senhor Tranca Rua em pessoa? Ai, meu Deus!  – Não apenas com ele, mas com alguns outros que você conhece muito bem, meu amigo – disse Henrique em tom de brincadeira.  – Vocês aqui costumam achar tudo normal, já não basta eu estar morto, ainda vou me encontrar pessoalmente com Exus!  – retruquei apreensivo. Mas, desta vez foi Isaura quem me alertou: – Ortêncio, os guardiões ou Exus são espíritos do bem, são a própria Lei do Pai em movimento. Não permita que seu preconceito deixe você perder a oportunidade de aprender com nossos guardiões. E muito me espanta você, senhor Ortêncio, estar com esse medo todo! Não foi o senhor o defensor dos que agora lhe causam medo?  – Agora, além do medo, estou também envergonhado – eu disse. Rimos todos e Henrique concluiu: – Vamos Ortêncio, pois temos hora marcada para a reunião. Quando saí da oca mais uma vez me impressionei, pois já era noite em Aruanda e sobre a luz do luar a cidade era ainda mais bela. Tochas se espalhavam pela cidade. Mais uma vez caminhamos e o conjunto de luzes coloridas era fantástico. Isso sem falar naquela majestosa lua, que reinava em um céu tão iluminado por estrelas que minhas lágrimas não demoraram a cair. Saímos desta vez na direção do grande lago, demos a volta pelo já conhecido lado leste. Do centro do lago, saiam luzes que iluminavam as grandes estátuas dos Orixás. Cada luz tinha uma cor diferente e conforme iluminava os orixás, também modificavam no entorno as cores dos prédios. Esses, que antes eram brancos, agora, eram ou azul ou verde ou vermelho. Paramos em frente ao prédio vermelho e uma enorme porta de vidro se abriu diante de nós. Entramos e, para o meu espanto, tudo ali era de uma beleza infinita. Estávamos em um saguão completamente coberto por um mármore branco. No chão, a figura de uma enorme estrela de Davi. No centro da estrela, dois tridentes cruzados, encimando o tridente uma cruz. Era o símbolo daquele local de luz. Fomos até um balcão e uma linda moça trajava um uniforme vermelho que trazia estampado do lado esquerdo do peito o mesmo símbolo que víamos no chão. Ela nos atendeu cumprimentando: – Laroyê, comandante Henrique. Ele respondeu-lhe o comprimento cerrando o punho e levando-o até o peito esquerdo e lhe dizendo: – Rosa, venho falar com os generais. Eles nos aguardam.  – Pois não, Comandante. Eu os acompanharei até eles. Fomos andando atrás da mulher e entramos em um elevador. Eu notara que ela me olhava de uma forma misteriosa, até que, por fim, ela se pronunciou: – Laroyê, chefe de terreiro. Henrique só observava, enquanto eu respondi: – Olá moça, como vai?  – Eu vou bem Ortêncio. Vejo que ainda chama de moça às pombagiras. Não o culpo por sua falta de conhecimento, amigo. Mas aqui, temos nomes e o meu é Rosa.  – Me desculpe, disse eu. – Estive com você, Ortêncio, algumas vezes, enquanto estava na carne, e me orgulho de te reencontrar nesta cidade. Pois sei o que ela significa pra você e você pra ela. Então, seja bem-vindo meu amigo. Ela falava com muita seriedade e sua expressão era indecifrável, mas senti um calor percorrer meu corpo e me senti protegido por Rosa. O elevador parou, saímos e caminhamos por um extenso corredor. Paramos em frente a uma porta de mogno escura, com o símbolo da estrela cravada nela, assim como se encontrava em todas as outras pelas quais já havíamos passado. Ela bateu na porta e disse: – Senhores, o Comandante Henrique, da 4ª legião de Ogum, acompanhado por Ortêncio, o recém-chegado. Eles estão aqui. Ouvi um ranger de cadeiras e, então, Rosa nos disse que podíamos entrar. A sala era redonda, encontrava-se à meia luz e nela se espalhavam centenas de cadeiras em círculos, como se fosse a arquibancada de um estádio. Todas elas estavam ocupadas por seres de todos os tipos que eu podia imaginar: homens trajando paletós negros, outros que usavam chapéus e paletós brancos, mulheres com lindos vestidos, seres encobertos por enormes capuzes, padres de batinas, homens e mulheres portando armaduras medievais e, outros mais simples, que se trajavam de branco ou outras cores casuais. Todos estavam de pé. No centro daquela pequena arena, estavam duas cadeiras onde Rosa nos acomodou, a mim e ao Henrique. Esse último foi o primeiro a falar: – Laroyê, senhores Generais! Trago da legião de Ogum nosso respeito. Um enorme coro de agradecimento foi ouvido e todos se sentaram. Menos um homem alto que trajava calças e camisa brancas. Sua feição era austera, com traços fortes e olhos escuros. Ele usava um cavanhaque que o deixava ainda mais sério. – Sejam bem-vindos, amigos. Nós também mandamos nossos respeitos à 4ª legião de Ogum, Henrique. Mas não estamos aqui para rasgação de seda, não é mesmo? Pois o trabalho nos espera e nossos irmãos da escuridão avançam a passos largos, cabendo a nós, mensageiros de Cristo, tentar levar a luz à escuridão, da mesma forma que um dia fizeram o mesmo por nós. Nesse momento, meu medo ficou evidente a todos, pois se levantara um ser encapuzado, deixando à mostra seu rosto e mãos. E eu vi diante de mim uma caveira. Sua voz era assustadora e faltou pouco para que eu me levantasse e saísse dali correndo. Ele disse, olhando para mim: – Concordo com o irmão Gabriel, temos que nos apressar, pois a humanidade também caminha a passos largos e de mão dadas com a ignorância, não é mesmo Ortêncio?

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