segunda-feira, 30 de setembro de 2013

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Eis que havia chegado o momento. Contudo, nunca sabemos como reagirmos diante de grandes tarefas: eu estava sentindo um misto de medo e ansiedade. Eu sentia medo por ter que voltar a lugares que me fizeram muito mal, às zonas umbralinas, e estava ao mesmo tempo ansioso por rever os meus. Como eu pensara na minha família nos últimos dias! Mas, eu também não tinha certeza de como reagiria a isso e, foi assim, em silêncio, envolvido por inúmeros pensamentos contraditórios, que acompanhei meus amigos até o centro da cidade. Eu estava tão distraído que não percebi que lá já se encontrava estacionado o veículo que nos transportaria durante a missão: um enorme ônibus sem rodas e que flutuava. Ele era branco e ostentava imagens de flechas e espadas, os desenhos dos Orixás. A cena era futurista: uma pequena multidão se formara diante de nós e, conforme fomos nos aproximando, percebi que não era tão pequena assim. Lá estavam vários membros de todas as legiões para nos dar seu apoio. Fiquei curioso e perguntei a João: – Todas as missões recebem este tratamento? Ele sorriu e me disse: – Todos os dias, Ortêncio, partem missões de Aruanda, centenas ou milhares de trabalhadores vão às zonas umbralinas, à crosta terrestre, aos terreiros de Umbanda e de Candomblé, aos Centros Espíritas e aos Cemitérios, em busca daqueles que sofrem, levando o amor de Jesus. Porém, nossa missão é diferente, pois Os Mensageiros de Aruanda, além de fazerem tudo isso, irão também relatar aos que vivem na carne as proezas não só do velho feiticeiro, mas de toda uma nação que luta contra o preconceito religioso e que tenta mostrar ao mundo que não importa o caminho que te levará a Deus, mas, sim, que você trilhe este caminho com amor, compaixão e caridade. Muitos encarnados já nos ajudam, mostrando ao mundo o trabalho de índios, pretos velhos e de tanto outros espíritos que muito são discriminados. Porém, desta vez, Ortêncio Manuel, falaremos diretamente de uma base de Aruanda, falaremos de uma das muitas moradas do pai e, mesmo sabendo que muitos se recusarão a aceitar nossa existência, ainda assim, se entre tais pessoas que nossa mensagem alcançar, uma ou duas orarem por nosso trabalho e se proporem a nos ajudar, com isso já teremos feito muito. Os olhos negros do preto velho estavam marejados e sua emoção contagiou a todos nós, como se com suas palavras tivéssemos ganhado uma energia extra. Então, paramos diante do grande lago com as enormes imagens dos Sete Orixás. A nossa retaguarda encontravam-se os prédios das legiões, a nossa frente a multidão e os bairros e os hospitais de Aruanda. O sol brilhava forte, quando os chefes das Legiões foram à frente e postaram-se ao nosso lado, também se juntaram a nós o restante de nossa comitiva. Todos trajavam suas armaduras, penachos, e como era linda aquela imagem em seu conjunto! O guardião Felipe era o que mais me impressionava, pois era difícil acostumar-me com a presença de uma caveira de dois metros de altura ao meu lado. Foi quando Ubirajara nos falou: – Filhos de Oxalá! Moradores de Aruanda, hoje é um dia especial para todos nós, pois como entoa o hino da umbanda, cantado em todos os terreiros do planeta terra, hoje levaremos ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá. Nossa equipe de Mensageiros terá a responsabilidade de ser nossa voz fora dos terreiros para que outros conheçam nosso trabalho e se libertem do véu do preconceito que há muito se faz presente no coração dos encarnados e desencarnados. Que possamos pedir a Deus, a Jesus e aos sagrados Orixás que iluminem nossos irmãos, para que com nossa ajuda eles possam ser nossos representantes junto aos que vivem na carne. Por isso, peço que as flechas de Oxóssi abram seus caminhos, que o amor de Oxum seja seu escudo, que as águas de Iemanjá sejam seu refúgio na hora do desespero e que a justiça de Xangô seja sua consciência, que a coragem de Ogum não te faça desistir e que a sabedoria de Exu permita-lhes o discernimento necessário, que Omolu os proteja e que Oxalá os guie. Nesse momento, as imagens no lago pareceram ganhar vida, pois delas saiam luzes de diversas cores e que banhavam Aruanda de amor e energia. Nosso veículo, que pairava sobre a multidão desceu no meio dela e um corredor se formou até sua entrada. Henrique foi o primeiro a puxar a fila em sua direção, quando ele deu o primeiro passo, pétalas de flores brancas começaram a cair do alto e a multidão começou a cantar: “Oxalá meu pai proteja esta romaria/Oxalá meu pai proteja esta romaria. Seus filhos que vêm de longe não podem vir todo dia.” Eu estava emocionado e caminhava sentindo o peso da minha responsabilidade e, agora, meus pensamentos tinham mudado, pois o que eu mais queria era ser digno de fazer parte daquele momento, do pelotão, da cavalaria de Ogum. Sete cavaleiros, portando lanças e em trajes de guerra, cercaram o veículo por todos os lados. Eles fariam nossa escolta de honra até os portões de Aruanda. Nosso veículo começou se mover, lentamente, abrindo caminho entre a multidão, passando em frente aos prédios e seguindo para o lado sul da cidade. Eu olhava, admirado, pela janela. Chegamos a um enorme portão de aço branco que lentamente foi se abrindo. Sobre os muros, arqueiros de Oxóssi faziam a segurança da cidade. A poucos passos do portão, havia uma enorme imagem do Cristo Redentor, tão linda quanto a da terra. Nossa escolta nos acompanhou até ela e, quando nos deixou, o veiculo ganhou um pouco mais de velocidade. Então, para minha surpresa, Aruanda revelou-se um oásis em meio ao deserto de uma intensa zona umbralina, na qual surgiram espíritos que se jogavam à frente de nosso veículo, uma verdadeira turba se formou e eu, não acreditando no que via, perguntei: – Não vão abrir os portões para que eles entrem? Estão tão próximos de nós! Felipe respondeu-me: – Acalme seu coração e olhe esta cena com os olhos da sabedoria, Ortêncio, pois se estes infelizes quisessem mesmo entrar já estariam lá dentro, pois o pai não nega socorro àquele que realmente quer ser socorrido. Depois disso, nosso veículo ganhou a velocidade da luz...

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

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Saímos do quarto da senhora que, ainda presa as suas recordações da terra, nem percebeu que estivéramos lá. Entramos em outro ambiente, quase tão deprimente quanto o anterior. Uma senhora de meia idade, vestida de branco, estava sentada em uma cadeira de frente a uma janela. Em um canto do quarto havia uma imagem de Iansã, tendo oferendas e velas aos seus pés. A mulher quase não se movia, parecia paralisada, em estado de choque. Maria sentou-se ao seu lado, colocando sua mão sobre a mão da senhora, que lhe deu um pequeno sorriso e lhe disse: – Filha de Iemanjá, preciso ir embora, senão minha mãe não virá me buscar. Veja, eu já fiz todas as oferendas que pude e nada dela aparecer. Maria sorriu e lhe disse: – Adélia, minha querida, o seu socorro já chegou. Estamos em um posto de ajuda, minha irmã. Basta você acordar para sua realidade que entenderá tudo. A mulher fez uma careta, sua face ficou carrancuda e lhe respondeu: – Não, eu não aceito isso! Ela deveria vir me buscar para me levar aos planos mais altos. Eu a servi por muito tempo e venho parar aqui, nesse lugar pobre! Eu mereço mais que isso! Sou uma guerreira. Cadê as homenagens que eu deveria receber? Eu fiz muitos conquistarem seus objetivos e é isso que recebo? Eu me vi naquela mulher e me senti envergonhado por também ter achado que o pouco que fazemos na carne nos dá direito a privilégios tão fúteis como aqueles que ela reivindicava. Eu me aproximei, coloquei minha mão nos ombros dela e disse: Adélia, minha amiga, me chamo Ortêncio. Assim como você, já fui egoísta o bastante para achar que as minhas vontades deveriam ser atendidas, porque acreditava que dedicara minha vida aos orixás e às pessoas que ajudei. A verdade, no entanto, é que eu não fiz quase nada por mim. Para aprender e evoluir é preciso entender que ajudar o próximo pensando em recompensas futuras nada mais é que egoísmo. A caridade não é como uma cartela, que quando você termina de preencher, chegando ao final, recebe um prêmio por isso... Trabalhamos muito, porque devemos muito, e não a Deus ou aos orixás, mas a nós mesmos. Afinal, nossos erros no passado foram grandes e, mesmo assim, com a graça de Deus, temos sempre a oportunidade de recomeçar. Veja o seu caso, mesmo com todo o seu egoísmo foi socorrida, encontra-se ainda em boa condição psicológica e tem amigos que estão tentando te ajudar, bem como nossa Mãe, que lhe mandou Seu socorro, ainda que você ache tudo isso pouco. Saiba que ele é muito para pessoas tão pequenas como nós! Pare e pense, se você realmente é merecedora de tudo o que vem recebendo. Reflita. E, depois disso, tenho certeza que você muito agradecerá por estar aqui, nesse lugar tão lindo, e levantará dessa cadeira e irá trabalhar e estudar mais, para voltar um dia ao corpo material, menos egoísta, quando poderá realmente praticar o amor e a caridade. A essa altura, a mulher chorava copiosamente. Meu coração se sentia feliz por tentar ajudar alguém, era uma sensação que eu não consigo explicar melhor. A mulher levantou-se da cadeira, olhou para cada um de nós, ajoelhou-se e disse: Ó minha Mãe, me perdoa por eu ser tão egoísta, e ter usado o seu nome e o nome do nosso Pai Todo-poderoso em vão! Quero ser melhor, minha mãe, e peço sua ajuda para que eu não caia na escuridão do erro e da falta de amor. Então, da imagem de Iansã saíram jatos de luz multicoloridos, banhando a todos nós. Por fim, Adélia adormeceu e a colocamos em sua cama. As enfermeiras começaram a lhe aplicar rapidamente passes, enquanto isso um equipamento foi instalado sobre sua cama e dele saia luzes quentes e do corpo perispiritual de Adélia começou a sair uma fumaça negra cheirando a enxofre. A imagem com as oferendas sumiram de dentro do quarto e, logo depois, toda aquela energia foi retirada. Pétalas de rosas caiam banhando o quarto de Adélia. Carmen olhou para mim como uma professora olha para seu aluno levado e que acabou de aprontar e disse-me: Ortêncio, obrigado por sua ajuda, que Jesus te abençoe. Eu fiquei encabulado e sem jeito e todos riram. Saímos alegremente do posto de socorro, sentamos na praia, de frente para o mar. Sentíamos a energia de amor que nos envolvia. Logo iríamos embarcar em uma viagem na qual não sabíamos o que iríamos encontrar. Ficamos em silêncio por algum tempo, até que Humberto nos falou: – Meus amigos, o que era aquela fumaça negra que saia de Adélia, durante o despertar de sua consciência? Foi João quem lhe respondeu: – Fio, aquilo era os miasmas que se impregnaram no perispírito da moça. Mesmo com o despertar de sua consciência, eles tentavam ainda obscurecer suas ideias, para não perdê seu hospedeiro. Por isso a equipe teve que agir rápido e com eficiência para neutralizar aqueles vermes, criado pela própria moça, pois, se assim não fosse, ela voltaria ao seu estado anterior. – E por que as oferendas e velas sumiram, juntamente com a imagem de Iansã? – Porque eram criações da mente dela, fio, e quando ela foi despertando para sua realidade, suas criações psíquicas foram sendo destruídas. – E as oferendas, João Guiné, foram aceitas pelo Orixá? – perguntei-lhe. Ele refletiu por um momento e me disse: – Ortêncio, o Orixá não precisa de oferendas ou sacrifícios, quem necessita desse mecanismo são os encarnados ou espíritos ainda ignorantes. Eu senti mais uma vez minha ignorância tomar conta de mim e lhe disse: – Como assim? E todas as oferendas e sacrifícios que fiz em nome dos Orixás em minha vida? Mais uma vez, por que nenhum de vocês não me avisou que eu estava errado? – Acalme-se, Manoel. – disse-me Maria – deixe nosso amigo continuar. – Fio, espíritos evoluídos não precisam de alimento, pois o que alimenta o espírito é o trabalho e a oração. Eu disse que nós não precisamos e não que são desnecessários. Quando as oferendas de frutas e de outras comidas são feitas nos terreiros, a energia boa daqueles alimentos é manipulada para aqueles irmãos que precisam receber o choque dessas energias, para acordá e despertá para a realidade. Alguns espíritos inferiores se aproveitam do exagero de alguns médiuns, principalmente do uso de sangue animal e do álcool. Esses dois elementos são realmente desnecessários, para os dois lados, tanto o material quanto o espiritual. A vida é sagrada e mesmo a de um animal. Existem regras para serem tiradas essas vidas e, hoje, existe uma frente de trabalho para que os encarnados despertem para esta nova visão, porém, fio, muito temos ainda que fazer para o despertá de uma nova consciência. Mas vocês aprenderão muito mais e na prática, durante nossa viagem. Depois de o Preto Velho ter encerrado sua explicação, nos levantamos, pois era hora de partir... 

domingo, 15 de setembro de 2013

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Agora, faltava apenas um dia para partimos e certa ansiedade tomava conta de mim. Confesso que a maior parte de minhas expectativas se concentrava em rever minha família e não exatamente no trabalho que iríamos realizar. Então, Maria disse-me:  Manoel, falta muito pouco para iniciarmos nossa jornada. Assim sendo, nos apressemos, pois ainda queremos que você conheça uma outra Legião antes de partirmos. E, assim, saímos da cidade de Ogum com os corações cheios de esperança e de alegria. Seguimos em direção aos prédios da outra Legião e, depois de uma agradável caminhada, estávamos em frente ao edifício mais bonito, em minha opinião. Tratava-se da Legião de Iemanjá e que eu também deveria conhecer. Por fora o prédio era parecido com os outros, porém quando entrei no local tive um misto de susto e surpresa: eu estava andando sobre a água salgada do mar e sentindo o cheiro de maresia. No saguão do prédio, e que parecia ter quilômetros de extensão, barcos de pescadores flutuavam, dando ao local uma atmosfera toda especial. Caminhamos até o horizonte daquele mar, sem nenhuma dificuldade, até que Maria tocou no que parecia ser uma parede e uma porta se abriu e, então, outra grande surpresa: estávamos já em uma linda vila de pescadores, com várias casas em meio a areia branca, pela qual as pessoas caminhavam descalças, carregando pranchetas nas mãos. Ali, a cor predominante era o azul e as casas eram de madeira com tetos de palha.  Iara veio ao nosso encontro e como era bonita esta filha de Iemanjá! Seu sorriso encantador e a doçura de seu olhar eram surpreendentes. Ela nos cumprimentou, dizendo:  Que Maria, nossa mãe, proteja e ajude nossos amigos mensageiros. Fiquei surpreendido por ela não falar em nome do Orixá, como era o costume em Aruanda, e sim em Maria. Eu lhe perguntei:  Minha querida irmã, eu notei que você nos saldou em nome de Maria e não em nome de Iemanjá, o Orixá responsável por sua Legião. Por qual motivo? Ela sorriu e respondeu-me: Ortêncio, esta Legião leva muito nomes, porém ela se preocupa com o socorro às mães, tanto as da terra como as do plano espiritual. Assim sendo, esta é uma Legião que leva o nome e responde ao Orixá Mãe Iemanjá, mas se reporta principalmente àquela que levou o titulo de mãe do mundo, Maria. Desse modo, conseguimos atender a vários locais, pois o nome é o que menos importa, uma vez que o socorro ao necessitado é o que conta em primeiro lugar. Ortêncio, meu amigo, muitas vezes, usamos formas e nomes diferentes para nos aproximar de certos médiuns disse João  Iara Esmeralda nos permitiu mostrar aos amigos Ortêncio e Humberto o trabalho desta legião. Humberto olhava com um ar desconfiado e assustado para tudo o que via e nos disse:  Confesso que meus bloqueios religiosos estão em alerta, pois as polêmicas que envolvem a mãe de Jesus na terra, entre as religiões, ainda fazem morada em minha mente. Foi, então, a vez de Pena Branca falar:  Esse índio aqui, amigo, faz assim: derruba os preconceitos, esquece o que falaram de ruim, seja lá do que for e tenta aprender. Pois ignorante é aquele que não conhece algo e mesmo assim o critica. Todos riram da espontaneidade com que o índio falara e fomos caminhando até uma casa que estava no final da aldeia. A casa parecia um grande posto de saúde com vários departamentos. As trabalhadoras daquele local eram todas negras e vestidas com roupas que lembravam as baianas do Candomblé, elas usavam saias brancas e blusas azuis com panos amarrados nas costas como uma capa em amarelo ouro. Usavam nas suas cabeças também panos amarelos. Era linda aquela imagem em todo seu conjunto.  Esta é uma ala de recuperação. Aqui, estão mães de terreiros e que tiveram dificuldades na passagem entre os mundos. As baianas são médicas e enfermeiras, senhoras voluntárias de grande sabedoria e que têm conhecimentos da medicina da alma. Em sua maioria são excelentes manipuladoras de fluidos. Evidentemente são excelentes mães. Caminhamos até uma jovem senhora de pele lisa e com um olhar tão iluminado que me senti pequeno perto dela  Salve nossa Mãe Oxum  disse ela com uma voz que enchia nossos corações de luz  Eu me chamo Carmem e mostrarei a vocês alguns de nossos casos. Ela sorriu mais uma vez e saiu andando a nossa frente. Entramos em um quarto onde o cenário era desesperador: nele, uma senhora que aparentava ter uns 65 anos se encontrava em um leito em completa agonia. Suas vestes de mãe de terreiro estavam sujas. Além disso, vários insetos, como baratas, e ainda algum tipo de sanguessuga, passeavam pelo seu corpo. Ela gritava:  Não estava na hora! Quem cuidará dos meus filhos? Pobre mulher, não percebia que ela própria necessitava de cuidados. Ao lado de sua cama, médiuns ainda no corpo físico tentavam doar fluidos àquele espírito. Alguns dos seus filhos de terreiro, atraídos pelo desespero da mãe, choravam ao pé de sua cama sem saber o que fazer.  Meus amigos  disse Carmem   nós estamos diante de um extremo caso de apego à matéria e aos títulos terrenos. Esta filha de Oxum sempre trabalhou no bem, porém, não conseguiu controlar a vaidade, esquecendo que nada no mundo dura para sempre. Desse modo, assim que se viu fora do corpo físico, entrou nesse estado que vemos.  Há quanto tempo ela se encontra assim, Carmem?  perguntou João. – Há dez dias meus amigos. Já tentamos despertá-la para a consciência e ela não nos responde.  Como assim?  perguntou Humberto.  Logo depois do seu desencarne, a irmã foi levada a um núcleo de Umbanda e sofreu um choque anímico e criou consciência de sua condição. Ainda a levamos em uma Casa Espírita, onde amigos tentaram evangelizá-la, quando chamaram a atenção para a sua nova vida, mas ela entrou em choque e a trouxemos para cá.  Como podem estar aqui estes filhos dela?  O seu clamor é tão forte, Manoel, que inconscientemente alguns acabam vindo parar aqui a seu lado, o que vem complicando ainda mais nosso trabalho.  E o que ainda será feito para ajudar esta mulher?  falou Humberto, preocupado.  Tudo o que podemos fazer, amigos, estamos fazendo, mas agora depende dela, pois há batalhas na vida nas quais temos que lutar sozinhos... 

domingo, 8 de setembro de 2013

Página 26

Chegamos a uma porta que também tinha a estrela de Davi, algo que já era comum naquele lugar. Contudo, esta apresentava uma diferença, nela também havia duas espadas cruzadas entre si. Imediatamente, meu coração disparou e a ansiedade tomou conta de mim por motivos que eu simplesmente desconhecia. Henrique, percebendo que eu estava inquieto disse-me: – Fique tranquilo, Manoel, pois sabemos que você está ansioso para reencontrar amigos queridos, que estão aqui e no plano material, saiba que todos eles começam a sentir tais pensamentos seus, bem como sua emanação de energia, e, como você, eles também estão ficando ansiosos por este encontro. – Você quer dizer que eles me sentem de tão longe? – perguntei. – E quem disse que você está longe, meu amigo? – respondeu-me Henrique – Nossa preparação é para irmos às zonas umbralinas, de baixas vibrações, pois, apesar da baixa vibração da terra, nós estamos ainda no mesmo plano e, para irmos trabalhar no campo terreno, só precisamos de boa vontade e amor no coração. Assim sendo, somos levados na velocidade da luz, onde quer que sejamos necessários. – Você quer dizer que quando eu quiser poderei ir socorrer quem necessita no plano terrestre? – perguntei-lhe animado. E foi a vez do sábio preto velho responder: – Sim, Manoel, logo que você ganhar mais conhecimento e, principalmente, tiver maior consciência da responsabilidade que terá de assumir junto àqueles que necessitam de ajuda, pois ir a terra não é para uma visita ou apenas para matar as saudades daqueles que por lá ficaram, mas sim para viver o comprometimento com o amor verdadeiro de Jesus. Dito isso, Henrique deu um passo à frente tocou a porta e ela se abriu. Vimos a nossa frente um grande auditório com uma média de quinhentas cadeiras, quase todas ocupadas. Um homem negro, parado perante a porta, nos anunciou: – Senhores Comandantes, Generais e Majores da Sétima de Ogum, esta é a equipe de Mensageiros de Aruanda. Peço-lhes que os saúdem com carinho e amor, pois eles carregam nos ombros uma grande responsabilidade: a de levar aos que vivem na terra notícias das Cidades do Além. Todos se levantaram e em coro começaram a cantar: Ogum quando descer Deus manda, Ogum quando descer Deus manda, para salvar os filhos seus, Ogum é meu pai, Ogum é meu guia, Ogum é meu pai, Ogum mensageiro de Maria. Íamos dirigindo-nos à frente do auditório e o canto, que eu já conhecia dos terreiros de umbanda, me encheu de energia, como nunca antes, pois era cantado com tanto amor e verdade que emocionava a todos nós. Quando chegamos ao palco daquele lugar, a música parou. Então, um homem, moreno, alto, de olhos castanhos como o mel e com a barba por fazer, aproximou-se de mim. Vestido com uma linda armadura prata e portando uma capa azul, ele ajoelhou-se aos meus pés e tirando sua espada da bainha e a depositando na minha frente, disse-me: – Salve Ortêncio, chefe de terreiro, agora Manoel mensageiro, filho de Deus Pai Todo-poderoso. Esta legião te saúda por aqui e esta e te propor que, com a Legião de Ogum, tu sejas mensageiro de Oxalá! A cena era impressionante. Eu, que estava muito emocionado, ajoelhei-me e abracei o jovem cavaleiro. Recebi a espada e, então, quando a levantei, o auditório explodiu em palmas e em gritos de Viva! Devolvi-lhe a espada e ele se retirou com lágrimas nos olhos. Henrique foi o primeiro a falar: – Senhores, estamos aqui para nos colocar a serviço desta Legião e, principalmente, pedir vossa ajuda nessa nova fase do nosso trabalho, pois, como bem sabemos, não será fácil para nós. Nesse momento, um homem aparentando uns quarenta anos de idade e vestido apenas com uma calça azul e uma camisa vermelha, levantou-se e nos disse: – General Henrique, por que razão esta Legião deveria apoiá-los em uma guerra tão difícil, uma vez que, de acordo com algumas revelações, sabemos das dificuldades que todos enfrentaremos junto ao plano dos que vivem na carne. Que prova afinal nos dará, de que sua equipe de mensageiros está preparada para lidar com as dificuldades? Impressionei-me com o modo envolvente com que aquele homem falava e como seus argumentos eram sólidos. – César, com meus respeitos, digo-lhe que não sabemos nada a esse respeito, pois há perguntas que só podem ser respondidas no campo de batalha – respondeu-lhe Henrique, com coragem e firmeza. Nós estamos recrutando os melhores e estamos sob a supervisão e a autoridade de Oxalá. Sei que sou um guerreiro como vocês e que preciso de fatos e de estratégia. Porém, nesse momento, sou guiado pela Fé, pois esta equipe vem sendo preparada há centenas de anos. Mesmo antes de a Umbanda chegar ao plano material, alguns aqui já se preparavam para esta missão. Sabemos de todas as dificuldades e, por isso, senhores, é que precisamos e contamos com toda a ajuda possível e que será aceita. Desta vez, quem se levantou foi uma mulher de cabelos loiros como ouro, de sorriso espontâneo e que trazia no braço a tatuagem de uma espada. Dirigindo-se a mim, falou-me: – Manoel, sou Joana da Sétima, venho acompanhando seus avanços e sua dedicação até aqui, mas me preocupa seu apego para com os que lá ficaram, uma vez que você terá que conviver com pessoas que lhe são próximas. Será que você saberá separar isso, meu amigo? – Joana, venho me preparando para isso. Ainda sou um ser com sentimentos, como todos vocês, e darei o meu melhor para que tudo corra como planejado. Ela sorriu com minha resposta e sentou-se. Ainda debatemos por algumas horas. Outras questões lógicas foram levantadas pelo grupo, pois auxiliariam a elaborar nossas estratégias. Até que César falou a todos: – Amigos, vemos aqui um grupo de filhos de Deus, que se propuseram a trabalhar em um campo de batalha quase desconhecido por nós e em auxílio ao plano material, como mensageiros de Oxalá! Peço ao Divino Pai que os proteja e que junto a eles estejam a sabedoria, o amor e o carinho ao próximo. Mesmo sabendo que este próximo poderá vir ser um inimigo. Peço a João Guiné que autorize a ida de Joana junto com vocês, a fim de que ela possa nos mandar notícias e ajudar nas estratégias de mais esta Legião. Conceda-lhe sua benção e ela estará disposta a ajudar no que for necessário. Que Ogum, nosso guerreiro maior, vos acompanhe...