domingo, 15 de setembro de 2013

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Agora, faltava apenas um dia para partimos e certa ansiedade tomava conta de mim. Confesso que a maior parte de minhas expectativas se concentrava em rever minha família e não exatamente no trabalho que iríamos realizar. Então, Maria disse-me:  Manoel, falta muito pouco para iniciarmos nossa jornada. Assim sendo, nos apressemos, pois ainda queremos que você conheça uma outra Legião antes de partirmos. E, assim, saímos da cidade de Ogum com os corações cheios de esperança e de alegria. Seguimos em direção aos prédios da outra Legião e, depois de uma agradável caminhada, estávamos em frente ao edifício mais bonito, em minha opinião. Tratava-se da Legião de Iemanjá e que eu também deveria conhecer. Por fora o prédio era parecido com os outros, porém quando entrei no local tive um misto de susto e surpresa: eu estava andando sobre a água salgada do mar e sentindo o cheiro de maresia. No saguão do prédio, e que parecia ter quilômetros de extensão, barcos de pescadores flutuavam, dando ao local uma atmosfera toda especial. Caminhamos até o horizonte daquele mar, sem nenhuma dificuldade, até que Maria tocou no que parecia ser uma parede e uma porta se abriu e, então, outra grande surpresa: estávamos já em uma linda vila de pescadores, com várias casas em meio a areia branca, pela qual as pessoas caminhavam descalças, carregando pranchetas nas mãos. Ali, a cor predominante era o azul e as casas eram de madeira com tetos de palha.  Iara veio ao nosso encontro e como era bonita esta filha de Iemanjá! Seu sorriso encantador e a doçura de seu olhar eram surpreendentes. Ela nos cumprimentou, dizendo:  Que Maria, nossa mãe, proteja e ajude nossos amigos mensageiros. Fiquei surpreendido por ela não falar em nome do Orixá, como era o costume em Aruanda, e sim em Maria. Eu lhe perguntei:  Minha querida irmã, eu notei que você nos saldou em nome de Maria e não em nome de Iemanjá, o Orixá responsável por sua Legião. Por qual motivo? Ela sorriu e respondeu-me: Ortêncio, esta Legião leva muito nomes, porém ela se preocupa com o socorro às mães, tanto as da terra como as do plano espiritual. Assim sendo, esta é uma Legião que leva o nome e responde ao Orixá Mãe Iemanjá, mas se reporta principalmente àquela que levou o titulo de mãe do mundo, Maria. Desse modo, conseguimos atender a vários locais, pois o nome é o que menos importa, uma vez que o socorro ao necessitado é o que conta em primeiro lugar. Ortêncio, meu amigo, muitas vezes, usamos formas e nomes diferentes para nos aproximar de certos médiuns disse João  Iara Esmeralda nos permitiu mostrar aos amigos Ortêncio e Humberto o trabalho desta legião. Humberto olhava com um ar desconfiado e assustado para tudo o que via e nos disse:  Confesso que meus bloqueios religiosos estão em alerta, pois as polêmicas que envolvem a mãe de Jesus na terra, entre as religiões, ainda fazem morada em minha mente. Foi, então, a vez de Pena Branca falar:  Esse índio aqui, amigo, faz assim: derruba os preconceitos, esquece o que falaram de ruim, seja lá do que for e tenta aprender. Pois ignorante é aquele que não conhece algo e mesmo assim o critica. Todos riram da espontaneidade com que o índio falara e fomos caminhando até uma casa que estava no final da aldeia. A casa parecia um grande posto de saúde com vários departamentos. As trabalhadoras daquele local eram todas negras e vestidas com roupas que lembravam as baianas do Candomblé, elas usavam saias brancas e blusas azuis com panos amarrados nas costas como uma capa em amarelo ouro. Usavam nas suas cabeças também panos amarelos. Era linda aquela imagem em todo seu conjunto.  Esta é uma ala de recuperação. Aqui, estão mães de terreiros e que tiveram dificuldades na passagem entre os mundos. As baianas são médicas e enfermeiras, senhoras voluntárias de grande sabedoria e que têm conhecimentos da medicina da alma. Em sua maioria são excelentes manipuladoras de fluidos. Evidentemente são excelentes mães. Caminhamos até uma jovem senhora de pele lisa e com um olhar tão iluminado que me senti pequeno perto dela  Salve nossa Mãe Oxum  disse ela com uma voz que enchia nossos corações de luz  Eu me chamo Carmem e mostrarei a vocês alguns de nossos casos. Ela sorriu mais uma vez e saiu andando a nossa frente. Entramos em um quarto onde o cenário era desesperador: nele, uma senhora que aparentava ter uns 65 anos se encontrava em um leito em completa agonia. Suas vestes de mãe de terreiro estavam sujas. Além disso, vários insetos, como baratas, e ainda algum tipo de sanguessuga, passeavam pelo seu corpo. Ela gritava:  Não estava na hora! Quem cuidará dos meus filhos? Pobre mulher, não percebia que ela própria necessitava de cuidados. Ao lado de sua cama, médiuns ainda no corpo físico tentavam doar fluidos àquele espírito. Alguns dos seus filhos de terreiro, atraídos pelo desespero da mãe, choravam ao pé de sua cama sem saber o que fazer.  Meus amigos  disse Carmem   nós estamos diante de um extremo caso de apego à matéria e aos títulos terrenos. Esta filha de Oxum sempre trabalhou no bem, porém, não conseguiu controlar a vaidade, esquecendo que nada no mundo dura para sempre. Desse modo, assim que se viu fora do corpo físico, entrou nesse estado que vemos.  Há quanto tempo ela se encontra assim, Carmem?  perguntou João. – Há dez dias meus amigos. Já tentamos despertá-la para a consciência e ela não nos responde.  Como assim?  perguntou Humberto.  Logo depois do seu desencarne, a irmã foi levada a um núcleo de Umbanda e sofreu um choque anímico e criou consciência de sua condição. Ainda a levamos em uma Casa Espírita, onde amigos tentaram evangelizá-la, quando chamaram a atenção para a sua nova vida, mas ela entrou em choque e a trouxemos para cá.  Como podem estar aqui estes filhos dela?  O seu clamor é tão forte, Manoel, que inconscientemente alguns acabam vindo parar aqui a seu lado, o que vem complicando ainda mais nosso trabalho.  E o que ainda será feito para ajudar esta mulher?  falou Humberto, preocupado.  Tudo o que podemos fazer, amigos, estamos fazendo, mas agora depende dela, pois há batalhas na vida nas quais temos que lutar sozinhos... 

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