segunda-feira, 23 de setembro de 2013

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Saímos do quarto da senhora que, ainda presa as suas recordações da terra, nem percebeu que estivéramos lá. Entramos em outro ambiente, quase tão deprimente quanto o anterior. Uma senhora de meia idade, vestida de branco, estava sentada em uma cadeira de frente a uma janela. Em um canto do quarto havia uma imagem de Iansã, tendo oferendas e velas aos seus pés. A mulher quase não se movia, parecia paralisada, em estado de choque. Maria sentou-se ao seu lado, colocando sua mão sobre a mão da senhora, que lhe deu um pequeno sorriso e lhe disse: – Filha de Iemanjá, preciso ir embora, senão minha mãe não virá me buscar. Veja, eu já fiz todas as oferendas que pude e nada dela aparecer. Maria sorriu e lhe disse: – Adélia, minha querida, o seu socorro já chegou. Estamos em um posto de ajuda, minha irmã. Basta você acordar para sua realidade que entenderá tudo. A mulher fez uma careta, sua face ficou carrancuda e lhe respondeu: – Não, eu não aceito isso! Ela deveria vir me buscar para me levar aos planos mais altos. Eu a servi por muito tempo e venho parar aqui, nesse lugar pobre! Eu mereço mais que isso! Sou uma guerreira. Cadê as homenagens que eu deveria receber? Eu fiz muitos conquistarem seus objetivos e é isso que recebo? Eu me vi naquela mulher e me senti envergonhado por também ter achado que o pouco que fazemos na carne nos dá direito a privilégios tão fúteis como aqueles que ela reivindicava. Eu me aproximei, coloquei minha mão nos ombros dela e disse: Adélia, minha amiga, me chamo Ortêncio. Assim como você, já fui egoísta o bastante para achar que as minhas vontades deveriam ser atendidas, porque acreditava que dedicara minha vida aos orixás e às pessoas que ajudei. A verdade, no entanto, é que eu não fiz quase nada por mim. Para aprender e evoluir é preciso entender que ajudar o próximo pensando em recompensas futuras nada mais é que egoísmo. A caridade não é como uma cartela, que quando você termina de preencher, chegando ao final, recebe um prêmio por isso... Trabalhamos muito, porque devemos muito, e não a Deus ou aos orixás, mas a nós mesmos. Afinal, nossos erros no passado foram grandes e, mesmo assim, com a graça de Deus, temos sempre a oportunidade de recomeçar. Veja o seu caso, mesmo com todo o seu egoísmo foi socorrida, encontra-se ainda em boa condição psicológica e tem amigos que estão tentando te ajudar, bem como nossa Mãe, que lhe mandou Seu socorro, ainda que você ache tudo isso pouco. Saiba que ele é muito para pessoas tão pequenas como nós! Pare e pense, se você realmente é merecedora de tudo o que vem recebendo. Reflita. E, depois disso, tenho certeza que você muito agradecerá por estar aqui, nesse lugar tão lindo, e levantará dessa cadeira e irá trabalhar e estudar mais, para voltar um dia ao corpo material, menos egoísta, quando poderá realmente praticar o amor e a caridade. A essa altura, a mulher chorava copiosamente. Meu coração se sentia feliz por tentar ajudar alguém, era uma sensação que eu não consigo explicar melhor. A mulher levantou-se da cadeira, olhou para cada um de nós, ajoelhou-se e disse: Ó minha Mãe, me perdoa por eu ser tão egoísta, e ter usado o seu nome e o nome do nosso Pai Todo-poderoso em vão! Quero ser melhor, minha mãe, e peço sua ajuda para que eu não caia na escuridão do erro e da falta de amor. Então, da imagem de Iansã saíram jatos de luz multicoloridos, banhando a todos nós. Por fim, Adélia adormeceu e a colocamos em sua cama. As enfermeiras começaram a lhe aplicar rapidamente passes, enquanto isso um equipamento foi instalado sobre sua cama e dele saia luzes quentes e do corpo perispiritual de Adélia começou a sair uma fumaça negra cheirando a enxofre. A imagem com as oferendas sumiram de dentro do quarto e, logo depois, toda aquela energia foi retirada. Pétalas de rosas caiam banhando o quarto de Adélia. Carmen olhou para mim como uma professora olha para seu aluno levado e que acabou de aprontar e disse-me: Ortêncio, obrigado por sua ajuda, que Jesus te abençoe. Eu fiquei encabulado e sem jeito e todos riram. Saímos alegremente do posto de socorro, sentamos na praia, de frente para o mar. Sentíamos a energia de amor que nos envolvia. Logo iríamos embarcar em uma viagem na qual não sabíamos o que iríamos encontrar. Ficamos em silêncio por algum tempo, até que Humberto nos falou: – Meus amigos, o que era aquela fumaça negra que saia de Adélia, durante o despertar de sua consciência? Foi João quem lhe respondeu: – Fio, aquilo era os miasmas que se impregnaram no perispírito da moça. Mesmo com o despertar de sua consciência, eles tentavam ainda obscurecer suas ideias, para não perdê seu hospedeiro. Por isso a equipe teve que agir rápido e com eficiência para neutralizar aqueles vermes, criado pela própria moça, pois, se assim não fosse, ela voltaria ao seu estado anterior. – E por que as oferendas e velas sumiram, juntamente com a imagem de Iansã? – Porque eram criações da mente dela, fio, e quando ela foi despertando para sua realidade, suas criações psíquicas foram sendo destruídas. – E as oferendas, João Guiné, foram aceitas pelo Orixá? – perguntei-lhe. Ele refletiu por um momento e me disse: – Ortêncio, o Orixá não precisa de oferendas ou sacrifícios, quem necessita desse mecanismo são os encarnados ou espíritos ainda ignorantes. Eu senti mais uma vez minha ignorância tomar conta de mim e lhe disse: – Como assim? E todas as oferendas e sacrifícios que fiz em nome dos Orixás em minha vida? Mais uma vez, por que nenhum de vocês não me avisou que eu estava errado? – Acalme-se, Manoel. – disse-me Maria – deixe nosso amigo continuar. – Fio, espíritos evoluídos não precisam de alimento, pois o que alimenta o espírito é o trabalho e a oração. Eu disse que nós não precisamos e não que são desnecessários. Quando as oferendas de frutas e de outras comidas são feitas nos terreiros, a energia boa daqueles alimentos é manipulada para aqueles irmãos que precisam receber o choque dessas energias, para acordá e despertá para a realidade. Alguns espíritos inferiores se aproveitam do exagero de alguns médiuns, principalmente do uso de sangue animal e do álcool. Esses dois elementos são realmente desnecessários, para os dois lados, tanto o material quanto o espiritual. A vida é sagrada e mesmo a de um animal. Existem regras para serem tiradas essas vidas e, hoje, existe uma frente de trabalho para que os encarnados despertem para esta nova visão, porém, fio, muito temos ainda que fazer para o despertá de uma nova consciência. Mas vocês aprenderão muito mais e na prática, durante nossa viagem. Depois de o Preto Velho ter encerrado sua explicação, nos levantamos, pois era hora de partir... 

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