segunda-feira, 25 de novembro de 2013

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Eu me encontrava desesperado, por ver meu antigo lar naquele estado, e também com o coração apertado, ao pensar em como o meu desencarne prejudicara tanta gente. Foi quando Felipe disse-me: – Não se sinta mais importante do que você realmente é, Ortêncio. Não foi o seu desencarne que causou este cenário, mas sim a falta de preparo dos que aqui ficaram no plano físico. Não tente carregar nas costas a culpa pela expiação alheia, pois se já não consegue carregar as suas próprias! Eu fiquei envergonhado, pois ele estava completamente certo. Assim, entramos em uma casa simples daquele local e eu me assustei com o cenário de abandono, do lado físico, e de verdadeira desordem, no lado espiritual. Havia espíritos por ali que sugavam o quanto podiam de energias obscuras, criadas por pensamentos de dor dos moradores, bem como devido às substâncias tóxicas de todos os tipos que utilizavam. Além de tais substâncias ilegais, os poucos moradores que se encontravam no local também ingeriam álcool e fumavam cigarros comuns sem se preocuparem com o mal que causavam à própria saúde, por tudo isso. Nenhum dos dois lados percebia nossa presença e não havia nenhum sinal de que aquele local poderia algum dia ser recuperado. – Se o encarnado soubesse o quanto o uso de certas drogas faz mal a sua saúde física e espiritual! – pensei comigo mesmo. Fomos recebidos por Jeremias, um ser alto, de pele clara e que vestia uma roupa branca. Ele orava, tentando intuir um dos moradores que direcionava toda a sua atenção ao aparelho de televisão. Quando nos viu, Jeremias sorriu e nos cumprimentou: – Que a paz de Jesus ilumine vossos corações – disse ele com carinho. – Que assim seja! – respondemos. E Maria continuou: – Pelo que vejo, quase nada mudou nesta casa, Jeremias, depois de nossa última visita. – Realmente, Maria! Os moradores desse lar fazem muito pouco ou quase nada para seu crescimento espiritual. – Mas o que está sendo feito para ajudar esta família?  – perguntei. Foi ainda Jeremias quem respondeu, com uma gota de melancolia em suas palavras: – Amigo Ortêncio, nós estamos tentando inspirá-los cada qual a procurar uma religião, a diminuir o uso de tais substâncias. Enfim, a que procurem ajuda, para assim, conseguirmos mudar o quadro desse lar. Porém, sem muito sucesso, pois os encarnados não querem fazer esforços para que as coisas mudem. Preferem o que for mais fácil. Chegamos a uma ação de quase forçar a retirada dos espíritos que se aproveitam da situação aqui encontrada, mas os pensamentos dos moradores os trouxeram de volta. – Mas, por que a segurança não foi reforçada e os apelos inspiradores não foram mais contundentes? – perguntei. – Isso foi feito. No entanto, qual é a arma mais poderosa à disposição do encarnado?  – perguntou o amigo. – A do pensamento e a consequente mudança de comportamento. – respondi. – Isso mesmo. – disse Jeremias – Ainda estamos aqui, tentando inspirá-los da melhor forma, mas não podemos obrigar ninguém a nada. Temos a esperança que esta família acorde para realidade de sua vida, mas, amigo Ortêncio, temos que respeitar o tempo deles. Nesse momento, observei uma garota, de mais ou menos uns 12 anos de idade, em um canto da sala. Suas roupas estavam esfarrapadas e sujas, ela chorava e meu coração se encheu de compaixão. Aproximei-me com carinho e lhe perguntei: – Por que está chorando, minha menina? Ela levantou os olhos e, só então, percebi quem era ela. Não me reconheceu, mas era uma das minhas netas e que desencarnara naquela família, antes mesmo de mim, mas que se encontrava presa àqueles que ali viviam. – Eu estou com fome senhor e com muita dor. – E por que você não vai embora? – disse-lhe Felipe. – Ela não deixa. – apontou para a mãe, que ainda no corpo físico colocava nesse exato momento um prato com comida no canto da casa, dizendo: – Olha tica, a sua comida. Olhávamos com tristeza para cena. – Menina, eu gostaria de levar você comigo para onde moro. Lá tem remédios, comida e nós cuidaremos de você. – Não.  – disse ela – Como vou deixar ela aqui? Ela precisa de mim. Então, eu disse: – Maria, você sabia que você não está mais entre os vivos da carne e que seu corpo morreu? É hora de seguir, criança. Venha conosco e, depois que você estiver bem, voltaremos para ajudar sua família. Ela chorava, copiosamente: – Eu não posso! – Pense em como seria bom, menina, ajudar sua família! Ela olhou para mim, segurou em minha mão e me disse: – Vô, você promete que me traz de volta? Eu não suportei a emoção de ser reconhecido e, entre lágrimas, lhe respondi: – Sim, minha filha, eu prometo que faremos tudo para ajudá-los. Então, Jeremias e Felipe estenderam as mãos e um lindo jato de luz rosa fez com que a menina adormecesse nos meus braços. Nesse momento, percebi que o garoto, que antes dedicava sua atenção ao aparelho de televisão, orava, assistindo a um programa evangélico e, sem perceber, nos ajudara no socorro da irmã e que estava ali há mais de 20 anos. Despedimo-nos de Jeremias com o coração cheio de esperança, pois se comprovou que é mesmo nos pântanos que nascem os lírios mais lindos...

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

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Enquanto estava revendo minha família, o restante dos mensageiros de Aruanda continuava o trabalho na instituição espírita que nos abrigara. O aprendizado era grandioso, principalmente para nosso amigo Humberto que fazia um grande esforço para se libertar dos seus preconceitos, o que, aliás, deixava a todos nós extremamente felizes, pois essa era a conduta que esperamos de um verdadeiro Cristão: não a de ser santo do dia para noite, mas a de travar uma batalha consigo, no intuito de ser melhor a cada dia. Assim sendo, João explicava ao amigo como funcionava o atendimento àqueles que necessitavam de ajuda e por isso buscavam socorro em um centro espírita. Humberto prestava atenção como aluno dedicado que era. Naquele dia, o evangelho seria dedicado à desobsessão e Humberto perguntou:  Os encarnados chegam aqui, por vontade própria, caminhando sozinhos, e, como são trazidos os espíritos, que muitas vezes estão prejudicando esses desencarnados? João pensou por um momento e respondeu-lhe:  Infelizmente, amigo, poucos são aqueles que procuram um centro espírita ou qualquer outra religião para ir apenas ao encontro de Deus. O encarnado vai a um templo religioso para ser consolado por dores de variados motivos, querendo encontrar solução e resposta para tais dores, porém, muitas dessas dores poderiam ser evitadas se o relacionamento com Deus e a religião fosse fortalecido desde muito cedo, por meio da alegria, do amor e da inteligência. No decorrer dos séculos, as religiões tornaram-se templos tristes, aonde você vai para solucionar doenças do corpo e da alma e, assim, os fiéis esquecem-se que o encontro com Deus deve ser de pura alegria. Cabe ao homem se curar, cabe ao homem trabalhar para sua evolução: a religião é apenas uma ferramenta para isso e não deve ser responsabilizada por fazer o trabalho que é de sua alçada. O espiritismo, normalmente, é a última opção. Trata-se do desespero de causa dos encarnados, sim, pois, em pleno século 21, esses ainda não conseguiram deixar seus preconceitos de lado e, assim sendo, quando chegam a uma casa como esta, normalmente, já passaram por outras religiões. É por isso que costumo dizer que o espiritismo é a religião das outras religiões. Humberto ouvia as explicações do pai velho com lágrimas nos olhos e perguntou-lhe: – O senhor quer dizer que vivemos de maneira equivocada nosso compromisso com a religião e consequentemente com Deus? – Fio, nós precisamos aprender que nosso compromisso não é com Deus, mas com a gente mesmo, não fazemos nada para o pai maior nosso compromisso com Ele é amá-lo e sermos felizes, mas jogamos a nossa responsabilidade nas costas de Jesus, dos Orixás, dos espíritos e de Deus. Criamos esses mecanismos, para que assim possa de alguma forma ser mais fácil – disse o Preto Velho. Tomazine, que nos acompanhava na conversa informal, nos alertou para um fato importante: – Humberto, o homem é fonte de grandes poderes, ainda desconhecidos por ele, enquanto está na carne. Assim sendo, a misericórdia de Deus faz a espiritualidade criar ferramentas para que, mesmo inconscientemente, ele use tais mecanismos. Veja um exemplo: no Espiritismo, as cirurgias espirituais; ou as curas nas Igrejas Evangélicas, realizadas através de lenços e óleos; ou ainda a água benta e a sagrada eucaristia, no Catolicismo; bem como os trabalhos de ervas e as oferendas na Umbanda. Aliás, por que esses recursos são tão eficazes com uns e não com outros? Por injustiça divina? Não, meu amigo, Deus é justo com todos, antes se trata de algo chamado fé, que libera no corpo humano o remédio necessário para toda e qualquer doença. Portanto, o corpo que cria a doença é o mesmo que a elimina. No entanto, o beneficiado acha que foram tais elementos que o curaram, o que não é estritamente verdade. Quando o homem realmente se aproximar de Deus da maneira correta, sem a pretensão de ganhar nada em troca, ele descobrirá maravilhas inimagináveis. – Mas eu amo meu Deus com toda a força que existe em mim! – disse Humberto indignado. Ouvimos, desta vez, Cobra Coral lhe responder: – Disso não duvidamos, meu amigo. E também não questionamos o quanto se ama, se menos ou mais, ou como se ama. A verdade é que o verdadeiro amor não cobra e não espera nada em troca, é paciente e esperançoso e, principalmente, justo! E nós, espíritos em evolução, estamos longe de toda esta qualidade amorosa. A simples explicação do índio amigo comoveu a todos e, atingindo seu objetivo, esclareceu o coração do amigo evangélico, que, a partir daquele momento, faria uma reflexão do quanto o homem está longe do amor de Deus. Os trabalhos começariam logo mais, portanto, alguns trabalhadores já organizavam a casa e Humberto teria a oportunidade de ver como o amor do Pai maior, mesmo com filhos tão imperfeitos, não deixaria ninguém sem atendimento naquela noite. A equipe espiritual de higienização da casa – coordenada por uma senhora de pele branca, olhos verdes e cabelos loiros, e que se chamava Fernanda – se posicionava na sala de passes. Os trabalhadores chegavam apressados, pois vinham de seus trabalhos ou de outros afazeres do dia a dia. Alguns traziam em seu corpo algumas manchas perispirituais e Humberto perguntou: Esses parasitas nos corpos dos médiuns não atrapalham no trabalho? Guilherme, o médico da nossa expedição sorriu e disse: – E como! Atrapalha sim. Por isso esta equipe, coordenada por Fernanda, aproveita os poucos minutos de prece e troca de passe entre trabalhadores para retirar a maior parte deles. Desse modo, deixando cada um deles o mais apto possível para o trabalho. É por esse motivo que recomendamos que os trabalhadores cheguem alguns minutos antes, para relaxarem e também fazerem suas preces individuais e, assim, se prepararem para o trabalho. A equipe usava o magnetismo para dissolver as impurezas, porém em alguns trabalhadores algumas ainda permaneciam e Fernanda esclareceu: – Os médiuns levam uma vida desregrada e por vários motivos desarmonizam seus perispíritos e, assim sendo, alguns parasitas precisam mais que de choque magnéticos para sair do perispírito desses irmãos. – Mas, vocês fazem isso todos os dias? – perguntou Humberto. – Sim, – respondeu Fernanda – alguns médiuns conseguem nos ajudar e chegam aqui quase limpos e facilitam nosso trabalho. Porém, trata-se mesmo de uma minoria. A verdade é que a maioria prejudica seu corpo perispiritual por invigilância, com o exagero no campo dos sentimentos, do sexo, na gula e por tantos motivos fúteis! Esquecem que mediunidade é compromisso não só com Jesus e os espíritos, mas consigo mesmos. É a oportunidade de mudar de hábitos e a ferramenta para serem seres humanos melhores. A mediunidade é mesmo como uma ferramenta: o médium deve sempre deixá-la em bom estado ou logo ela não servirá mais para o trabalho. Nesse momento, os encarnados começariam a prece para dar início ao trabalho no plano físico e muitos deles nem imaginavam que no plano espiritual já estávamos trabalhando há muito tempo...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Paginá 32

Eu estava maravilhado por ainda ser lembrado naquela casa e a energia de amor que recebi ali me alimentava a alma. Foi então que Henrique me disse: – Ortêncio, nem sempre foi assim. Nossos irmãos passaram por um longo processo de adaptação, pois eram muito dependentes de você, emocional e espiritualmente. Grandes batalhas foram e ainda são travadas. Nessa casa, o desequilíbrio energético e emocional vem sendo controlado, com sucesso, mas parte de sua família muito ainda terá que aprender. Aliás, alguns dos seus ainda se encontram caídos na ignorância, por isso peço que você se controle, pois iremos visitar lugares que poderão muito te perturbar. Eu apenas ouvia o amigo. Então, deixamos aquela casa, e, no mesmo instante, meu coração já se enchia de saudades! – Acalme seu coração, meu velho, – disse-me Felipe – pois ainda voltará aqui muitas vezes. Quando saímos, o preto velho ainda estava do lado de fora da casa e se despediu de nós com um “até logo”. – Todas as casas são protegidas o tempo todo? – perguntei a Henrique. – Todos são amparados, Ortêncio. O pai não se esquece de nenhum dos seus filhos e nem deixa nenhuma ovelha perdida. Todos têm seus mentores ou anjos da guarda, como é mais comum chamar por aqui. A ligação de um mentor com seu protegido encarnado é constante. Esteja onde estiver, o espírito protetor irá sentir e saber quando seu protegido necessita de amparo. Algumas casas, porém, precisam de vigilância constante por também serem alvos preferenciais de ataques. Essa, de que acabamos de sair, é uma delas, pois, além do médium espírita, ela também abriga outros médiuns, que trabalham na Umbanda e que se destacam por suas capacidades mediúnicas em seus trabalhos. Essa proteção também é usada com religiosos ou personalidades com responsabilidade em sua comunidade. Imagine, por exemplo, quantos ataques sofre um evangelizador. Quando Henrique terminou de falar, estávamos em frente a um local que eu conhecia muito bem: a casa que me abrigara por mais de trinta anos e que abrigara meu Centro de Umbanda. A visão não era das melhores no plano físico: o grande salão tinha sido demolido, as plantas que eu cultivara já não existiam e quase nada do que eu construíra no plano material permanecia. Porém, apesar da minha decepção com isso, pude verificar algo ainda mais assustador, pois, no plano espiritual, a imagem era chocante: do que havia sobrado dos muros que cercavam a casa, dali escorria uma lama negra e fedorenta; espíritos maltrapilhos estavam grudados naquela gosma e sem conseguirem se libertar; tão perdidos se encontravam em seu estado, quase vegetativo, que nem perceberam nossa presença. Ao passarmos pelo portão, homens e mulheres viciados em drogas e em sexo andavam de um lado para o outro, como zumbis, falando o tempo todo. O cenário era desesperador. Entramos em uma das duas casas que ali ainda permaneciam. Ao passarmos pela porta, um homem de pele negra, usando um capuz também negro, nos sorriu e veio ao nosso encontro, dizendo: – Sejam bem-vindos, meus irmãos, e que Jesus nos ilumine. Henrique o abraçou e disse-lhe: – Que Oxalá o abençoe, meu amigo Paulo. Como anda o trabalho por aqui? – A situação ainda requer muito carinho de nossa parte, Henrique. Este antigo centro de força ainda atrai espíritos de todos os tipos e que buscam de alguma forma se alimentarem da energia aqui acumulada. Eu, a essa altura, estava desesperado e perguntei: – Mas, o que aconteceu aqui? Por que meu antigo lar se transformou em um local de dor e sofrimento? – Ortêncio – disse-me Paulo com calma – sua casa é um grande centro de força e de socorro. Quando seu centro estava aberto, os espíritos do bem aqui trabalhavam com ajuda dos médiuns e socorriam a milhares de espíritos. Muitos pensamentos eram direcionados a este local. Porém, após seu desencarne e, consequentemente, com o fechamento do seu terreiro, tais pensamentos continuaram a ser enviados. Muitos espíritos chegavam aqui, direcionados por esses pensamentos, e, por conseguinte, começaram a ficar presos nessas energias, portanto, criando o cenário que você esta vendo. – Manoel, muitos que chegam aqui ainda são socorridos. Paulo coordena uma equipe de espíritos especializada em criações psíquicas e que vem obtendo grandes resultados. – Como Maria? Olha isso! É um verdadeiro inferno! – questionei. – Olhe com atenção. – disse-me ela. Então, eu fiz uma prece, pedindo ao alto que me acalmasse e respirei fundo. Pude, analisar o local com mais vagar: o preto era a cor predominante e, entre as centenas de espíritos que estavam ali, algumas dezenas estavam encapuzados, vestiam-se com roupas semelhantes as dos padres franciscanos, como o próprio Paulo e se destacavam ajudando aqueles que se encontravam em estado de loucura. Uma casa de madeira havia sido erguida sobre o que antes era o salão religioso e alguns espíritos eram levados para lá, deitados em macas. Como todos usavam vestes negras não deu para eu diferenciar, inicialmente, os socorristas. Perguntei ao Paulo o porquê disso. Ele sorriu e disse-me: – Ortêncio, a cor não importa. Quem foi que disse que outra cor é melhor do que a que usamos aqui? Porém, todos assim estamos para, primeiramente, baixar nossa frequência vibracional, pois precisamos ser vistos por estes irmãos. Além disso, para que eles saibam que não somos diferentes deles e, com isso, ganhamos sua confiança. Ou você acreditava que conseguiríamos nos aproximar deles de outra forma? Eu havia entendido o que o irmão queria dizer. No entanto, algo ainda me incomodava e lhe perguntei: – Como estão os moradores desse local? Como isso tudo pode afetar aqueles que por aqui moram, ou seja, no plano físico? – Venha Ortêncio, irei lhe mostrar sua família – disse-me Paulo em resposta, com ar preocupado...