terça-feira, 24 de dezembro de 2013

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Segurando a mão de Maria, entrei na terra dos mortos, território de Omolu. Os filhos do Orixá, que nos acompanhavam naquela missão, logo se apresentaram trajando uma vestimenta de palha que lhes cobria todo o corpo. Eric, da Sétima Legião, trazia algo que o diferenciava, um lindo cajado, quase da altura de seu corpo. O local estava repleto de entidades de todos os tipos: espíritos maltrapilhos eram em maioria e suas dores e agonias doíam em nossas almas. Alguns deles, deitados em seus túmulos, choravam a perda do corpo físico, outros apenas caminhavam e conversavam sozinhos. Uma grande equipe de socorro tentava alertar aqueles irmãos para sua nova condição e foi quando começaram minhas surpresas. O homem segue sempre seu caminho: nós nos dirigimos ao cruzeiro, o centro de forças daquele lugar. Uma luz branca, que quebrava a escuridão da noite, nos indicara o local. Tratava-se de um grande hospital a céu aberto e que me lembrou uma espécie de acampamento militar, erguido como hospital de emergência, formado por grandes barracas de lona, com cruzes no teto e nas laterais. Ali, homens e mulheres de branco corriam para todos os lados. De imediato, visualizei pelo menos cinquenta enfermeiros e me espantei quando notei que alguns encarnados do Centro Espírita que nos abrigara também estavam entre aqueles trabalhadores. Ao entrar no campo de forças do Cruzeiro, os filhos de Omolu voltaram a trajar branco e Eric nos disse: – Vamos falar com o responsável por este trabalho, meus amigos. Ele é um velho amigo e há muito vem se dedicando a este centro de forças, nenhum de nós fez nenhuma pergunta. Pareciam todos em alerta, querendo aprender o máximo possível. Os índios estavam com arco e flecha nas mãos e a tudo olhavam atentos. A legião de Ogum também trajava suas armaduras. A filha de Iemanjá mudara seu traje para um vestido de gala azul. O preto velho João se tornara mais velho e agora estava de branco e descalço, carregando como apoio uma bengala. Felipe tomara para si a sua forma de caveira. Ao pararmos diante da barraca do responsável pelo trabalho não resisti à curiosidade e perguntei: – Nunca vi todos vocês trajando suas vestimentas de gala ao mesmo tempo. Esse Senhor é tão importante assim? Eric riu e respondeu-me: – Meu amigo Ortêncio, nosso amigo é sim importante, mas seu trabalho aqui nesse solo sagrado é ainda mais. É a esse trabalho bendito que homenageamos, porém, as mudanças em nosso perispírito também se devem à mudança energética desse local. Salvo esse exato espaço em que nos encontramos e que é protegido por este campo magnético que você pode observar, todo tipo de energia nasce e/ou morre aqui, criada pela dor e sofrimento daqueles que ainda não entenderam a morte. Muitas dessas energias atuam no campo psíquico tanto de encarnados, quanto de desencarnados, ainda invigilantes e/ou sem conhecimentos. – Como atuam estas energias? – perguntou Humberto. Dessa vez, foi o jovem médico da Legião de Omolu quem respondeu: – A hora do sepultamento do corpo de um ente querido, Humberto, é um momento de profunda dor para os encarnados, que, envolvidos com tamanha dor da perda, baixam suas vibrações e dessa forma se tornam alvos fáceis para os insetos energéticos presentes nesse local se instalarem em seus perispíritos. Aliás, algumas Ordens das trevas se especializam em atacar pessoas nesse momento frágil, por isso que recomendamos a prece a todo o momento, em estando nesse local, não só por aquele que deixou o corpo, mas também para que os espíritos do bem possam criar campos de proteção ao grupo que vem a esta terra prestar suas homenagens fúnebres. Fiquei imaginando quanto trabalho havia naquele lugar. Eric virou-se e cumprimentou dois guardas que faziam a segurança da entrada da barraca e que vestiam calças pretas de cetim e camisas em um tom de dourado, brilhantes. Não fosse pelos turbantes que usavam nas cabeças, eu diria que eles eram ciganos. – Loroê Exu! – saudou-lhes Eric – Somos da cidade de Aruanda e gostaríamos de falar com vosso superior. Os guardas olharam-se mutuamente e um deles disse-lhe: – O saudamos, filho do nosso pai Omolu. Já sabíamos de sua visita, pois, se assim não fosse, sua equipe não se aproximaria de nossa humilde cidade. Nosso amigo vos espera. Assim sendo, fomos conduzidos à cabana. Como nossa equipe era grande, apenas uma parte entrou, os outros ficaram do lado de fora, já buscando trabalho e se espalhando pelo campo do hospital. A cabana era de um branco esplêndido, repleta de materiais cirúrgicos e equipamentos de várias formas. Ali, havia espíritos usando aventais brancos e que trabalhavam sentados em frente a computadores e, no fundo, atrás de uma mesa de mogno negro – tendo em sua superfície pilhas de papéis e uma espada em forma de lua, com o cabo cravejado de pedras preciosas de todas as cores – encontrava-se um homem de olhos negros e pele queimada do sol do deserto. Ele usava uma barba que lhe cobria o rosto dando-lhe um ar misterioso e portava na testa um cristal escuro. Também usava uma bata marrom de mangas longas e uma calça na cor bege. Ele se levantou. A primeira impressão que tive era de que estava diante de uma entidade indiana. No entanto, o largo sorriso e os olhos penetrantes, como de um gato, logo denunciou tratar-se do egípcio José. Então, nos aproximamos: Eric acompanhado por João, Henrique, Felipe, Maria, Humberto e eu nos ajoelhamos. Eric saldou-o: – Laroê Exu! Sete Catatumbas, filho de Oxalá, regido pela legião de Omolu! Nós o saudamos e lhe trazemos de nossa Aruanda o orgulho de nossa cidade por seu trabalho! Os olhos do General de batalhas, Guardião da terra dos mortos, se encheram de lágrimas e ele nos disse: – Que Jesus os abençoe! Filho de Omolu, que Jesus o abençoe por se lembrar desse seu velho amigo...  

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Paginá 35

Entrei na Casa Espírita que nos abrigara com a criança nos braços e o rosto coberto por lágrimas de compaixão e de alegria, pois eu, mais uma vez, fui usado por algo maior que nossa missão: o amor e a caridade ao próximo. Imediatamente, dois socorristas nos indicaram uma maca em que deitamos a frágil menina que dormia. Apesar de seu perispírito estar muito castigado, ela parecia agora estar tranquila. O tratamento do seu perispírito começou, imediatamente, através de passes magnéticos, enquanto a esta altura toda a equipe de mensageiros nos observava, esperando respostas que foram dadas por Felipe, que deixou nossos amigos a par dos acontecidos. Logo depois de sua explicação, João Guiné foi o primeiro a comentar: – Viu só, fio Humberto, como é que  chegam os espíritos nessa instituição? Trazidos pelo amor, nos braços da caridade do Pai Maior e pela justiça universal, que não deixa que ninguém passe pelo que não se deve passar. – Mas, e esses espíritos que se encontram aqui presos a correntes energéticas e que estão apenas esperando uma oportunidade para fazer o mal aos que aqui vêm? Como podem eles também ser movidos pelo amor, João? – perguntou Humberto. Confesso a vocês que essa seria minha pergunta também. – Fios, já dizia um apóstolo de Jesus que o ódio é apenas o amor doente, pois em algum momento dessa vida ou de outra esses que estão no mal amaram e adoeceram. É nossa obrigação ajudar e não julgar os fios que precisam de remédio. Quantos de nós já não estivemos doentes de orgulho e cegos por paixões mundanas que nos desviaram do caminho? Quantos de nós já não fomos o chicote que açoitou o inocente Cristo e nem por isso ele nos condenou ou blasfemou contra o Pai maior. Que Ele seja nosso exemplo e que possamos dedicar nosso amor a esses irmãos sem nos preocuparmos por quais portas eles entraram. Envolvidos pelas palavras do Preto Velho, nem percebemos que o irmão encarnado e que fazia o evangelho para aquela assembleia de encarnados era usado, por sua vez, para transmitir as palavras do Preto Velho àqueles que não poderiam ouvi-las, como nos estávamos ouvindo. Do homem no púlpito saiam luzes multicoloridas que banhavam os encarnados presentes e que também serviam de calmante aos espíritos em baixa vibração, o que ajudava as equipes da casa a se aproximarem com mais tranquilidade de todos aqueles que ali se encontravam. A reunião chegara ao fim no plano físico, mas no lado espiritual começaria um trabalho mais delicado: o de transportar os que aceitaram ajuda para o hospital da colônia recanto de irmãos e que se localizava naquela região. – Amigos, iremos acompanhar um irmão que não quis nossa ajuda no momento para tentarmos de alguma forma inspirá-lo a deixar os antigos hábitos. – disse-nos Henrique. Assim sendo, saímos pelo portão da casa caminhando, pois aquele espírito parecia não conhecer as leis do pensamento. Ele, na verdade, caminhava na escuridão de seus pensamentos sem perceber nossa presença. Já estando na meia idade, o senhor usava um paletó azul, tinha a pele branca e cabelos grisalhos e resmungava. Lamentando sua sorte, dizia: – Olha como são as coisas! Mais uma vez fui enganado, mulher. Aquele povo do cemitério disse que eu encontraria ajuda aqui e eu vim, mas eles querem é me separar de você. Como posso viver sem você, minha velha? Já basta o que fizeram os traidores dos nossos filhos, que fingem não me ouvirem e até a casa trancam para que eu não entre lá. Por isso hoje tenho que voltar e ficar do seu lado. Então, ele caminhou pelo meio dos encarnados por algum tempo até parar no portão de um cemitério e entrou, rumo à escuridão da noite, na terra dos mortos. Meu coração parecia que ia saltar pela boca, pois eu não queria voltar a um lugar como aquele e, por alguns instantes, o medo tomou conta de mim. Foi quando Maria segurou minha mão e disse-me: – Acalme-se Manoel. Desta vez, nós estamos aqui e, diferentemente do que você pensa, a morada dos mortos não é uma terra sem lei ou esquecida por Deus e sua misericórdia. Fui me acalmando e, sem o véu da ignorância e do medo, mais uma vez me surpreenderia com a magnitude divina, pois as lições que teria ali somente poderiam ser aprendidas quando o aluno soubesse que a terra dos mortos não era diferente de nenhum outro lugar, uma vez que o Pai Maior age em todo o universo, basta que nos libertemos de nossas mazelas e abramos nosso espírito para o aprendizado sem preconceitos e, então, foi isso o que tentei fazer. Assim que me acalmei, vi uma legião de espíritos de todos os tipos, crenças e raças trabalhando em prol de algo que eu não entendia até aquele momento, ou seja, de que as terras de Omolu eram um lugar de vida em abundancia e a morte ali não fazia morada...