segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Página 70

Paramos diante de uma grande porta negra de aço, nela estavam esculpidas centenas de caveiras, aliás, mais parecia que o aço fora derramado sobre aquelas formas. Ao nos aproximarmos, a porta se abriu nos dando a certeza que estávamos sendo aguardados. Era um imenso salão onde centenas de espíritos berravam, portanto, o som que vinha lá de dentro era ensurdecedor. O local era iluminado por tochas o que o tornava mais sombrio, se isso fosse possível. Felipe deu o primeiro passo, os seres abriram um corredor e ao fundo pôde se ver que em cima de um minipalco estava sentado, em um trono também formado por caveiras, um ser horripilante. Estávamos a quase quinze metros de distância, mas sua energia tão densa fazia com que meu corpo doesse, a impressão que eu tinha era que meu perispírito começara a se dissolver. Nenhum dos mensageiros falaram nada ou demostraram qualquer reação mesmo que por telepatia, ainda que a caminhada até as proximidades do trono tenha sido feita debaixo apenas dos insultos e cusparadas disparadas por todos os seres ali presentes. A cada passo que dava, minha surpresa era maior. Então, paramos diante de um ser alto com quase dois metros, vestindo trajes de um general militar, repleto de símbolos de ditadores terrenos exibidos em suas medalhas, além de outros, desconhecidos pelos encarnados. Seu rosto era composto metade dele pelas feições de um encarnado, a outra metade exibia sua caveira, os dedos da mão pareciam se desmanchar e seu cheiro era completamente putrefato. Com suas vestes, o Exu Caveira mais parecia ser um boneco fofinho de pelúcia diante daquela imagem. O homem ergueu a mão e o silêncio se fez. Henrique, então, lhe disse: - Que a luz do Nazareno se faça presente entre os que necessite. Somos a equipe de Mensageiros de Aruanda e estamos aqui em paz. O homem não esposou reação e permaneceu calado por quase um minuto. Quando se propôs a falar, para minha surpresa, sua voz era doce e calma. Porém, com um veneno tão intenso que alguns dos seus seguidores começaram a se contorcer no chão como se as palavras daquele ser lhes torturassem os ouvidos e a alma. - Prezados Mensageiros de Aruanda o que vêm fazer tão longe de casa, eu não sei, porém sei que nem hoje e nunca daqui vocês sairão. Não costumo ser piedoso com tal ousadia de seres que se acham donos da verdade e, principalmente, que invadam nosso território. Foi o Preto Velho João quem respondeu: - Fio, não invadimos seu território, ou seja lá de quem possa ser. Aqui entramos com permissão e também sei que vós já sabia de nossa chegada, não é mesmo? O ser se mostrou surpreendido com as palavras de João. - Eu? Eu de nada sabia velho maldito, não sei do que você está falando. Uma pequena agitação se formara e eu começara a entender o que ali acontecia: o general Inocêncio não tinha pleno controle de sua cidade, pois, como controlar tanta maldade, tantos seres com seus próprios ideais e com ânsia de alçarem até mesmo o seu lugar? - Sim, o fio sabia que nossa caravana chegaria, foi lhe enviado um mensageiro antes de nós. Agora, fio, chegou a hora de todas as verdades serem ditas, não precisamos de mentiras. O pânico se instalara no olhar do general, com a revelação de João, revelação esta que eu mesmo desconhecia. - Velho maldito! Está tentando me jogar contra meu exército. O que você veio trazer nesta cidade? - falou o ser aos gritos, porém, sem ter tempo de ouvir a resposta do Preto Velho. Sem que soubéssemos de onde vinha, uma imensa explosão de energia invadira o local. Então, cavaleiros negros entraram montados em animais indistinguíveis. Henrique correra para o lado do general, que, em desespero, gritara pedindo piedade. O pânico se instalara entre muitos dos presentes, que começavam a ser destruídos pelas espadas dos cavaleiros que nos cercavam, até que, montado em uma espécie de búfalo negro, entrou no salão um ser negro, vestido como padre jesuíta, e usando um capuz que não permitia que se visse o seu rosto. Quando ele parou diante de nós, eu cheguei a vomitar e quase não consigo me manter em pé, sendo apoiado por Felipe que não me deixou cair e me incentivou a ter coragem e me equilibrar. Então, pude ver o homem descer de seu animal, os seres do mal foram reduzidos, sobrando apenas menos da metade. Nós, ainda em desvantagem, estávamos cercados. Ele nos mirou e nos disse: Vermes, simplesmente vermes, é isso o que vocês são e se dependesse apenas de mim eu acabaria com esse circo agora mesmo. Mas, tenho ordem de levar apenas dois de vocês comigo, é isso que farei aqui hoje. - Quem é você? Não falamos com desconhecidos. - disse João de maneira firme. - Poupe-me dos seus joguinhos velho João Guiné, pois você me conhece muito bem e não perderei meu tempo mais uma vez com traidores como você. Porém, se você insiste que seus pupilos saibam quem sou eu, eu sou o som das encruzilhas, sou a lei do submundo, aquele que leva as almas para o inferno e que faz o que seu Jesus não tem coragem. Sou a lei e me chamo Malaquias, e venho em nome dos senhores da escuridão buscar por direito o que é nosso. - Aqui não há nada para você, meu fio, e você sabe que aqui avinhemos justamente para te ver. - Lógico que sei, velho inútil, o você acha que sou? Idiota igual esse aí? Acha realmente que eu acreditaria que veio avisar a Inocêncio que seu tempo acabara e que Jesus tem uma nova proposta para os seres que aqui vivem? Isso tudo foi um plano para chegar até mim. Só que não deixarei vocês destruírem meus planos e minha cidade, e vamos parar de conversa, apenas quero o que é meu. - E o que é seu fio? - Ortêncio e Inocêncio são de responsabilidade nossa. Serão julgados e penalizados como manda a lei dos Dragões. Meu corpo que já não estava lá grande coisa congelara ainda mais! O que eu devia a este ser? Felipe tirara sua espada da cintura e a erguera dizendo: - Nada aqui é seu, Malaquias, nada, entendeu? - Tem certeza que vai querer começar uma guerra por esses dois, Guardião, logo por esse que outrora tanto mal lhe fez e até aos que vocês dizem amar? Com forças, que não sei de onde vieram, eu perguntei: - Do que ele fala, Felipe, o que acontece aqui? - Ortêncio, meu fio, isso não é importante. Agora, cada coisa ao seu tempo, fio. – respondeu-me João Guiné. O ser rira e disse: - Quer dizer que o mago não sabe do que eu estou falando, quer dizer que ele ainda não recuperou sua memória? Vou refrescá-la para você, mago Ortêncio. Você era um de nós, há centenas de anos, você era a mão de ferro do submundo, até passar para o lado do inimigo. Esses que te apoiam hoje, sofreram com sua maldade e não se faça de inocente, pois sei que está tudo aí, dentro de você, seu arrogante, maldito! Você não se lembra que quase fomos destruídos por sua traição? Demoramos séculos para nós reerguermos. Mas estamos aqui, agora, e você pagará por tudo. Eu não podia acreditar! Eu era pior do que imaginara, mas por que não me lembrava? - Venho evoluindo, Malaquias, experimentei encarnações purificadoras e trabalho em nome do Cristo para consertar meus erros, desde quando a escuridão se fazia morada em meu ser. E viemos aqui justamente para mostrar isso a você: há um outro caminho a ser trilhado. Antes que o seu tempo acabe, Jesus tem sim uma nova proposta, não só a você, mas a todos aqueles que quiserem aceitá-la. Porém, esta é sua última chance, pois daqui deste planeta seres como você logo serão retirados e experimentarão uma vida mais árdua em outros orbes. Por isso, filho de Deus, como mensageiros do Cristo aqui presentes, pedimos que olhe para este seu antigo chefe e veja o que Jesus pode também fazer por ti. Eu nem sabia do que estava falando, mas as palavras saíram do meu coração, como se eu tivesse em um transe mediúnico. - Você nem se lembra de quem era. Como isso pode ser bom? - perguntou o ser. - Passei por muita coisa, Malaquias, das quais não me orgulho. Confio em Deus e em Jesus, plenamente, e se o povo de Aruanda acha que ainda não estou preparado para tal lembrança, que assim seja, pois sei que mais cedo ou mais tarde tudo será esclarecido. Eu continuarei trabalhando para um dia suportar saber o que fiz, sem que isso consuma meu espírito, meu amigo Malaquias. Deixai que Jesus mude você e que sobre a orientação de Oxalá possamos levar daqui aqueles que assim o desejarem. - Deixarei que seus amigos levem quantos quiserem, desde que você, maldito, fique! - Isso não está em negociação, Malaquias. - disse Henrique. - Vocês não têm outra opção, soldado de Ogum. Abrirei mão até desse traidor aí, em suas costas, mas ficarei com o velho Ortêncio. - Se é isso que você quer Malaquias, eu aceito. Todos se surpreenderam com minha decisão até o próprio Malaquias. – O quê? - Isso mesmo. Que os mensageiros saiam em segurança, que seus guardas baixem as armas e que todos os que quiserem possam partir e, então, eu irei com você. O silêncio foi ensurdecedor, até que Malaquias disse: - Que assim seja feito. Então, lançou um tipo de laço que envolveu meu corpo e, quando se virou para sair me arrastando, centenas de soldados da legião de Ogum cercaram não apenas a sala, mas, pela energia que se expandia, toda a cidade. Gabriel, da 7ª Legião de Exu, deu um passo à frente e disse: - Malaquias, como aqui já foi dito, esta oportunidade lhe foi oferecida pela Misericórdia Divina e a mesma Misericórdia não poderia deixar qualquer espírito que fosse se sacrificar, por maior que pudesse ser a causa. Ortêncio não voltaria jamais às cidades das trevas para seu sofrimento, mas é apenas para trazer luz ao seu coração que ele está aqui e, portanto, peço que não haja luta e que você faça sua escolha em paz. Malaquias soltou seu chicote e apenas disse isto: - Ainda não acabou. Saiu, esperando que seu exército o acompanhasse, mas nenhum dos seus se movera e o Cavaleiro Negro saiu solitário, carregando consigo apenas o seu ódio. O que aconteceu depois foi algo que eu jamais imaginara que pudesse acontecer no plano espiritual. A cidade começara aos poucos se iluminar, como quando acontece quando sol vence as grandes tempestades. Veículos de várias cidades espirituais faziam o socorro daqueles que queriam ou tinham condições de serem socorridos: eram milhares de espíritos, porém outros milhares ainda ali ficariam ou mesmo partiriam para outros lugares em busca de seu chefe.
Sentamos no portal da cidade João, Henrique, Maria e eu. As lágrimas banhavam nossos rostos, e, então, eu perguntei: - Quem sou, João, e o que faremos agora? – Você, fio, é um fio de Deus em evolução. Logo poderá saber e, se assim quiser, poderá também trazer aos vivos na carne sua experiência como Mago Negro, pois retornaremos a Aruanda para que você se prepare para tal. No mais, ore a Jesus e agradeça a oportunidade. Ficamos, então, sentindo o sol brilhar mais uma vez e vendo as flores brotarem naquele lugar, onde eu pensara que só pudesse nascer a dor. Lembrei-me da frase de um amigo, que conhecera em minha viagem até ali, quando lhe perguntara por que o hospital Bezerra tinha tantas flores, a qual eu transformei em meu lema de vida: “Mais flores na vida, Ortêncio, pois nos túmulos elas nada valem...”

domingo, 5 de julho de 2015

Página 69

A cidade parecia estar em alerta, a agitação se dava por estarmos de frente ao prédio daquele que comandava, se não toda as operações ali, ao menos uma grande parte. Os guardas formaram um cordão de isolamento, distando uns dez passos de nossas costas, enquanto por ali  uma pequena multidão de espíritos em sofrimento se formava. Tal multidão aumentava a cada segundo e nós ouvíamos de tudo: alguns pedindo ajuda; outros nos ofendendo e nos expulsando; alguns gritavam contra o tirano, pedindo sua cabeça. Os guardas voltaram com caras de surpresos e/ou contrariados, não sabíamos como decifrar, de qualquer modo nos orientaram a entrar no prédio. A Legião de Ogum ficaria lá fora no cordão de isolamento, já a guarda de Soraia nos acompanharia. O lugar escuro, era mal iluminado por tochas e cheirava muito mal, o térreo não continha móveis, era apenas um grande salão vazio, com uma enorme escada no centro. Subimos com cuidado e, ai sim, começava nossa surpresa com tudo o que víamos. O general que poderia nos receber no espaço vazio, no entanto, fez questão de nos mostrar seu poder, franqueando-nos locais sem portas, em que se revelavam grandes laboratórios em meio a ruínas, repletos de equipamentos, mapas, em que cientistas trabalhavam sem se importar com nossa presença. Em uma dessas salas, tais entidades implantavam chips em médiuns que se encontravam em desdobramento. O silêncio foi quebrado por um dos guardas do general, que riu alto e disse: - Pensaram que nosso mestre teria medo de você, não é mesmo? Foi Henrique quem respondeu: - Não precisamos do medo do seu mestre ou de qualquer outro. Mais uma vez o guarda riu: - Vocês se acham superiores, por seus laboratórios e estudos, nos chamam de atrasados e fingem não se surpreenderem com o que aqui veem, mas sabemos que logo iremos nos igualar nesta luta. Vocês no entanto negam e, orgulhosos, não saem da pose de iluminados. Pois vejam nosso poder, filhos do cordeiro, e fiquem com vosso orgulho, que nós ficaremos com a vitória. Surpreendentemente ninguém lhe respondeu. Percebendo que seu discurso não afetava a equipe, ele se calou. João Guiné, com sua voz tranquila, perguntou: - O que os fios fazem aqui? O guarda, que esperava um debate ou palavras reprovando tal trabalho, se surpreendeu com a pergunta do Preto Velho, e respondeu: - Construímos o futuro, a nossa vitória. - Acho que o fio não entendeu, vou perguntá novamente: em que vocês trabalham nesses laboratórios?  Velho astuto, não entregarei os planos do meu mestre. O Preto  Velho sorriu e disse: - Pergunte que viemos fazer aqui. O guarda, intrigado, fez a pergunta: - O que vocês fazem aqui, velho feiticeiro? - apontando para mim. João me olhou com carinho, meu rosto queimou, mas respondi: - Venho em missão de paz, sob a orientação dos espíritos de Aruanda, trazer a bandeira do amor, da paz e da igualdade a todos em nome do Cristo Nazareno. Mais uma vez o Preto Velho sorriu e disse: - Se perguntá a qualquer outro a resposta vai ser a mesma, fio. E ocê não deixou de me respondê porque queria defendê os interesses do seu mestre, mas sim porque o fio não sabe o que aqui é feito. A diferença, fio, entre o mestre do amor e o seu mestre, é que Jesus não esconde nada de ninguém, seus planos para a humanidade são tão claros que para alguns de nós é difícil de enxergar e por isso a gente se torna cego, vagando na escuridão da ignorância. Não somos mais capazes ou iluminados, como o filho disse, apenas porque estamos do lado do Cordeiro, pois isso seria fácil. O difícil é abandonar a escuridão que vive em cada um de nós para conseguirmos nos aproximar cada vez mais de Jesus. Concordo que é fácil estar aqui na ignorância, porém, fio, este tempo está acabando e depois de nossa conversa com seu mestre todos dessa cidade poderão escolher sem medo o que querem e, aí, o fio não vai mais poder dizer que não sabe, pois terá consciência que escolheu a escuridão por seu livre-arbítrio. Os olhos dos guardas estavam marejados e nada disseram, porém se percebia que o objetivo do Preto Velho fora alcançado, ou seja, o de colocar a dúvida na mente daqueles espíritos, de fazer pensarem e escolherem seu destino. Muitos espíritos, ao se encontrarem em zonas de sofrimento ou trabalhando para o mal, não sabem que existe uma opção e que ela é sim difícil de se aceitar, porém necessária para que possamos nos encontrar conosco mesmos. A dúvida é a porta de entrada para as certezas da vida. Subimos ainda dois andares antes de chegar ao andar aonde se encontrava Inocêncio, um deles era desesperador: um andar todo dedicado à tortura e  ao castigo daqueles que eram contra ou ousavam desafiar seu mestre, nele, espíritos acorrentados a paredes gemiam de dor, gemidos animalescos. Tais seres encontravam-se em estados tão surreais que aqui não poderei descrever, por ordem de João Guiné. Não enfrentando resistência dos guardas que nos acompanhavam, parte de nossa equipe ali ficou para prestar algum tipo de atendimento àqueles seres, entre eles ficariam os índios Pena Branca e Cobra Coral, que ainda questionou: - Poderemos arrumar grandes problemas em auxiliar esses infelizes Pai Velho. - Sim, meu amigo Cobra Coral, poderemos. - E por que ajudaremos? - Por que são filhos de Deus e não podemos fechar os olhos para o sofrimento desses seres, até que tenhamos permissão para remover aqueles que se encontram em condições favoráveis. Não os tire daqui, mas deem assistência e  roguem ajuda a Maria de Nazaré para tal. Continuamos adentrando, guardião Felipe, Henrique, Soraia, Humberto, o Preto Velho e eu. A partir dali, no entanto, nem mesmo os Guardas continuariam nos acompanhando. Porém, antes de eu prosseguir, Maria me abraçou, uma vez que ali também ficaria, prestando assistência ao próximo, assim como fizera o samaritano ao  homem desconhecido da estrada... 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

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Nenhum de nós, por respeito ao Preto Velho João Guiné, fizemos qualquer questionamento sobre o que aconteceu ali. Recompô-mo-nos e, para que ganhássemos tempo e energia, aguardamos a caravana de socorristas. O Preto Velho se manteria calado por mais de uma hora e por algumas vezes as lágrimas banhariam seu rosto moreno, sumindo em meio a sua barba branca como algodão. Após o socorro daqueles que de boa vontade acompanharam a caravana, João abriu um sorriso e disse: - Que assim seja!. Ficaríamos  no veículo por algumas horas e, após uma reunião, novamente estávamos nas ruas escuras da cidade. Porém, algo diferente acontecia ali, não sei como isso pôde acontecer afinal, mas o ar ficara mais pesado e já não pisávamos em nada sólido, pois as ruas tornaram-se pântanos rasos. Intrigado com o que acontecia, Humberto perguntou: - O que acontece aqui? O que é este líquido e como ele chegou até aqui? Foi o guardião Felipe quem respondeu: - Isso, amigo evangélico, acontece por dois motivos, primeiramente, o que pisamos é fruto do pensamento, tanto de espíritos encarnados quanto de desencarnados. Além disso, os chefe da cidade devem ter abandonado seus postos, desse modo derrubando tais criações psíquicas e que aqui são formadas com a ajuda deles. - Mas, por que eles abandonaram a cidade? Eles não a abandonaram, exatamente, apenas sentiram nossa presença e fugiram. Retornarão logo depois de nossa saída. - Mas, eles não sabem para que estamos aqui? - perguntei. Desta vez quem nos respondeu foi Cesar: - Não, Ortêncio, o que eles sabem é que estamos aqui, já o motivo de nossa missão é um mistério e mesmo que o soubessem teriam a mesma atitude. Os mensageiros da escuridão gostam de agir na surdina e temem o confronto e debate pacífico ou  mesmo saber a respeito do que o povo de Aruanda está propondo a esta cidade. Em outras palavras, são covardes, pois sabem que não não possuem um argumento concreto para rebater nossa proposta. A esta altura paramos de frente a um prédio e que também se encontrava protegido por seres animalescos e com energias difíceis de explicar. Eles logo reconheceram a autoridade dos espíritos que se faziam presentes e um deles, um ser alto de vestes pretas, usando uma grande cartola, além de uma bengala de caveira, e que apresentava as partes visíveis do seu corpo em estado de putrefação. Dele, aliás, se exalava um cheiro de cadáver. Ele nos sorriu e nos disse: - Sabem bem que não são bem-vindos aqui, não sabem? - Que Jesus esteja convosco. - disse Felipe. - Que Jesus esteja com você, traidor das tradições, e não comigo - respondeu o ser. Felipe, que começara a mudar o seu perispírito, em segundos, já usava a forma assustadora de uma caveira coberta de negro, com sua espada e cintos prateados, contrastando com o negro de suas roupas. O ser se apequenou perto do guardião, que o encarou de cima a baixou e que, com uma voz que doía os ouvidos de tão aguda, lhe disse: - Não espero que você me respeite ser das trevas, mas respeite o nome daquele que me mandou aqui para dar uma chance a seres como você, perdidos na escuridão. Meu nome é Felipe na religião que você chama de mesa branca e sou Exu Caveira na que você chama de tradição. Então, perceba que o traidor aqui não sou eu. Por um momento, pensei que os guardas fugiriam. Mas, o homem, olhando para Felipe, lhe disse: - O que queres aqui? - Temos um recado para um dos seus generais. Viajamos muito para chegar aqui, então o avise que chegamos e que João Guiné e a equipe de mensageiros de Aruanda se fazem presentes em nome de Jesus. Solicitamos uma audiência com ele. - Meu chefe é um homem ocupado e não recebe ordens, em nome do cordeiro. - disse o ser. Felipe, que puxara sua espada, a ergueu no ar e disse: - Não tornarei a pedir pacificamente ser das trevas. Os olhos dos guardas brilharam de medo, pois perceberam que nenhum de nós interferiríamos a seu favor. - O fio peça permissão para nossa entrada pacífica ou entraremos de outro jeito. - disse João Guiné. O homem entrou e nós ficamos aguardando do lado de fora. Meu coração estava acelerado e Maria, para variar, segurava minha mão. Ela sorriu para mim e disse: - Chegou a hora, meu velho, acalma-se, pois Jesus precisa de você...

terça-feira, 26 de maio de 2015

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A batalha duraria menos do que eu imaginara. Aqueles seres tão cheios de si e cobertos de arrogância logo debandaram ao ver que os guerreiros das Legiões de Ogum juntamente com a escolta armada e que completava a equipe, se apresentaram melhor preparados para o combate quase físico, pois havia armas que disparavam redes prateadas, as quais foram disparadas aprisionando alguns deles, que choravam ou esbravejavam. O ser animalesco foi um dos prisioneiros, já entre nós não sofremos nenhuma baixa, como disse Joana da Legião de Ogum ao preto velho João Guiné. Descemos o monte, onde ficamos protegidos, vendo os guardiões lutarem. - O que faremos com os prisioneiros? - foi a pergunta de Soraia a João Guiné. - A fia faz contato com a legião de Maria e eles se encarregarão de ajudar esses pobres coitados; Ao encontrar-se de frente com o chefe que mugia e gritava ao mesmo tempo, em uma mistura de dor e de raiva, João Guiné disse-lhe: - Poderia ser de outa forma, fio. Nós, espíritos que trabalhamos na causa do Cristo, preferimos a conversa e não a luta. Porém, não fugimos dela quando se faz necessária. Pois aquele que não vem pelo amor, padece pela dor. Esse nego aqui sabe bem do que está falando... - Você acha que me comove, seu negro maldito? Não. Eu nunca vou ser um de vocês. Prefiro a segunda morte a isso. - disse o ser entre gritos. - O tempo, fio, do rancor e do ódio está acabando no planeta terra e já se prepara uma nova morada do pai para fios rebeldes que preferem essas condições. A caminhada dos que lá estão renascendo será árdua, fio, e penosa, e antes disso Jesus manda o socorro em pró dos seus. - Poupe-me de suas ameaças, velho! Eu não tenho medo do seu Jesus. - E nem é para ter, fio. - respondeu o Preto Velho - Jesus é manso e nos trata com amor, e seu coração sofre com aqueles que pensam como você. Pergunto ao fio, em nome do Divino Nazareno, qual caminho o fio quer seguir? O ser sabia que João falava a verdade e que aquela seria sua oportunidade de se melhorar e tentar recomeçar no orbe terrestre já que seu corpo espiritual já começara tomar forma animalesca em sinal patente de que seu tempo sem uma reencarnação reparadora já se esgotara. Além disso, a ida para uma planeta primitivo seria algo temeroso até mesmo para os senhores da escuridão. O silêncio formado por alguns minutos foi quebrado por Soraia: - João, ele não irá ceder, deixe que ele responda pelo caminho escolhido. Com lágrimas nos olhos, o Preto Velho virou de costas e em passos lentos foi se afastando do ser que gritava e chorava nesse momento: - Velho, não me deixe aqui! Eu não mereço isso... Pai, pai, eu sou seu filho: Arnaldo. Eu sou seu filho, velho maldito. Entre lágrimas, João se ajoelhou apoiando a cabeça em seu cajado e entoou uma oração, que mais parecia um lamento dos navios negreiros: “Pai, ser de misericórdia, sei que sou apenas um pequena gota no seu mar de bençãos e que não mereço a sua misericórdia, mas me atrevo a pedir o socorro ao filho perdido na escuridão. Que os seus mensageiros providenciem o socorro àquele que sofre e que não enxerga o caminho, senhor, por estar perdido. Oh, meu pai Oxalá, recorro a ti que é mensageiro do amor e que ama seus filhos como a ti próprio. Não conheço outro meio, Senhor, a não ser o seu amor e vos peço com todas as minhas forças: mandai o socorro ao meu coração. Alá, Jeová, Leão de Judá, eu vos imploro! O lamento do Preto Velho comovera a cada um que estava ali. Até mesmo Soraia, sempre centrada e firme, ajoelhara e orara para que o pedido daquele pai fosse atendido. Então, uma luz se abriu no céu escuro, quando lindos cavalos brancos montados por cavaleiros de armaduras douradas e que escoltavam uma carruagem que, em alta velocidade, veio em nossa direção. Parou de frente a João, que continuará ajoelhado, chorando, e de dentro dela saíram homens com turbantes na cabeça, vestidos de azul; junto deles uma senhora distinta, de cabelos brancos e olhos claros, a qual os homens carregavam numa maca. Sem nada falarem, foram em direção ao ser que agora apenas chorava igual a uma criança. A senhora sorria e disse: - Não será fácil, Arnaldo, e, a partir de agora, ele terá que seguir para bem colher o que mal plantou. Sua missão para com esse irmão termina aqui. O alto ouviu sua prece e reconhece o seu amor. Assim como um dia você me ajudou, eu me proponho a ser tutora daquele que um dia foi seu filho na terra e darei a ele todas as ferramentas para a nova colheita. Porém, sabemos que o jardineiro pode fazer de suas ferramentas o que bem entender. Dito isso, a equipe se foi e Arnaldo ou João Guiné cantou: "Pai, Pai Oxalá é pai de tantos filhos que ele tem, mas eles não reconhecem que ele é  o Pai”

domingo, 26 de abril de 2015

Página 66

Após as explicações de César, nossa equipe teria que atravessar o escuro portão, e foi o mesmo César que nos orientou nessa travessia: - O que os irmãos veem é uma ilusão, ao atravessarmos o portão da cidade o cenário mudará e espero que vocês continuem firmes para assim continuarmos a penetrar na cidade Nova Geração, os líderes sabem de suas intenções e, claro, não facilitarão em nada a passagem de vocês por aqui, Seus principais alvos são Humberto e o mensageiro Ortêncio Manoel. - disse o guardião. Isso me causou estranhamento, pois há muito que, além de Maria, ninguém me chamara pelo segundo nome. - Por que nós César? E pode me chamar só de Ortêncio mesmo. Ele me analisou por alguns segundos, que para mim pareceram uma eternidade e me disse: - Aqui, mensageiro, sabe-se mais de você do que se possa imaginar e de sua missão também, todos chamam você assim pois não sabem com qual nome você se apresentará para os viventes que participarão do projeto Mensageiro de Aruanda e por que você e nosso irmão Humberto são os principais alvos? Por vossa pouca experiência em campo de batalha, esperam abalar vossa autoestima e consequentemente vossa fé. Por isso vigiai e orai a todo instante sem se esquecer que nenhum desses infelizes estão aqui por castigo do Pai e, sim, por que assim escolheram. Dito isso, a equipe de soldados novamente tomou sua formação em círculo, guiados por César, passamos lentamente pelo portão. Confesso que um grande frio tomou meu corpo, lentamente comecei a visualizar a cidade, uma vez que a escuridão se tornara menor e o que os meus olhos viam era um lugar calamitoso, que parecia ter acabado de passar por uma grande catástrofe como terremoto, dilúvio, tornado e/ou tsunami,  todos esses desastres naturais juntos: havia prédios inteiros tombados, casas demolidas, enquanto estátuas gigantescas de  ditadores terrestres de várias localidades do mundo e de seres que eu desconhecia se erguiam acima dos destroços. Teríamos que escalar pilhas de entulhos e, principalmente, de corpos que gemiam e gritavam. Os espíritos caminhavam para todos os lados, uns sem se importarem com os outros, os prédios e galpões ainda em pé se encontravam em estado muito ruim e eu não entendia como ainda estavam de pé. Esse era apenas o cenário inicial da cidade que abrigava esses seres. Os espíritos de nossa equipe tomaram suas formas perispirituais que mais se adequavam àquela situação. Até mesmo Humberto que não costumava a fazer isso foi aconselhado por João Guiné a baixar sua frequência ao máximo, ainda que nosso irmão protestante trajasse um terno cinza e sapatos pretos, trazendo a Bíblia sagrada na mão. Após todos estarmos agrupados, começamos a caminhar lentamente, gritos e pedidos de socorro eram constantes: aqueles seres vinham correndo até  nós e os soldados os afastavam. Um pequeno tumultuo se instalara a nossa volta, espíritos de todas as formas inimagináveis para a compreensão dos encarnados estavam ali, todo tipo de dor e sofrimento passava pelos nossos olhos. Caminhamos sobre uma enorme pilha de entulhos, que me lembrara mesmo uma montanha e que dava em frente a uma imensa avenida de prédios. Na parte de baixo da pilha, um pequeno exército nos esperava: cerca de trinta espíritos fortemente armados, postados em fila indiana. Fez-se um silêncio ensurdecedor. Por alguns minutos, nenhum dos lados falou absolutamente nada. O Preto Velho João Guiné deu um passo à frente, descalço, segurando sua bengala e com a voz tão mansa quanto a do avô que ampara o neto que acaba de fazer uma traquinagem, disse: - Que o amor de Jesuis esteja juntu dos fios. Todos riram e um dos seres deu um passo à frente: ele era enorme, com ombros largos, o corpo era humano, mas a cabeça do espírito era a de um touro com grandes chifres. Ele não mexeu a boca para falar, mas mesmo assim sua voz foi ouvida por todos nós. Uma voz rouca, que transformara aquele ambiente tão sofrido em algo agoniante: - Velho manipulador, não nos venha com sua falsa diplomacia. Ou você acha que não sabemos o que você veio fazer aqui? Quer um conselho, velho maldito? Dê meia volta e diga aos seus que aqui não se tem espaço para esta besteira chamada Amor do Cristo. O Preto Velho ainda sereno respondeu: - Isso, fio meu, nós já sabemos, porém, nossa visita aqui é por outro motivo; Não quero implantar em sua cidade o Amor do Cristo. O ser, diante da resposta surpreendente, ficou visivelmente impressionado e olhava para seus comparsas como se perguntasse "o que ele veio fazer aqui, então?" - Não estou entendendo velho, o que você e sua corja vem fazer aqui. Não me diga que., depois de tanto que já fez contra nós, resolveu se entregar. Os senhores da maldade ficarão felizes em poder torturar você até que pague por todos os seus crimes, disse o homem touro com ironia. - Se o fio se refere ao meu amor por cada um que como você se perdeu na escuridão não o vejo como crime, mas se o fio se refere a minha conduta como homem na carne, esta dívida está entregue às leis do Pai Maior. Porém, venho da cidade de Aruanda, trazendo o amor do cristo banhado pela força dos sagrados Orixás e sobre a luz de Deus Pai todo poderoso e amoroso, em missão de paz para dá a seres como você a oportunidade de recomeçarem em outro lugar. Por isso digo que não trago o amor para esta cidade e sim para os vossos corações. O ser mais uma vez riu ou mugiu, não sei dizer ao certo o que fez, enquanto ao mesmo tempo disparou sua arma contra o Preto Velho, que levantou seu cajado. Imediatamente a energia bateu no cajado e voltou, acertando o ser exótico em cheio no peito, o que o fez cair e ser amparado pelos companheiros. Olhando nos olhos do ser o Preto Velho disse: O fio não vai querê uma guerra, vai? E o ser respondeu: - Ataquem!...

domingo, 12 de abril de 2015

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O transporte da equipe de Maria voltaria à Colônia para ajudar aqueles que ali foram socorridos, e nossa equipe permaneceria por ali para começarmos nossa missão. Após algum tempo e depois da explicação de João Guiné, eu já conseguia me equilibrar, falo por mim, porque a reação dos outros membros, já acostumados com este tipo de socorro e de lugar, foi a de começar a trabalhar imediatamente e a minha e em parte a de Humberto foram reações de desespero. - Fios, - disse o Preto Velho - nenhum dos irmãos que aqui estão são pobres coitados ou estão sendo castigados por Deus, mas, sim, precisam de nossa compaixão por estarem perdidos na escuridão. Por sua ignorância acerca do amor é que chegaram a este estado, criado exclusivamente por sua recusa em aceitar as Leis Divinas. - Que Leis são estas, João? - perguntei. - Este pântano tão sofrido é alimentado por espíritos que se recusam a aceitar a Lei Divina do progresso, retardam o processo reencarnatório até seus perispíritos tornarem-se o que vimos, quando então são aqui dispensados pelos senhores das trevas. Muitos dos que aqui estão são servos leais da escuridão e assim vão permanecer por muito tempo até alcançarem a condição primária de ovóides e ainda serem usados nos planos dos generais como parasitas. Soraia e os índios Pena Branca e Cobra Coral faziam o reconhecimento da área, enquanto João dava-nos suas explicações, a equipe de guardiões cercava o perímetro e era chegada a hora de adentramos aquele local. Descemos, então, de nosso veículo e andamos por algum tempo com a lama na altura de nossas canelas. Tal esforço nos gerava um tipo de cansaço quase físico. Não eram raras as vezes em que mãos nos agarravam, pedindo socorro, e em todo o tempo João recomendou-nos a prece e que não sentíssemos pena daqueles que ali colhiam os frutos daquilo que eles próprios haviam plantado. O solo foi ficando firme afinal, apesar de ainda permanecer negro e úmido, portanto, já começávamos a caminhar com certa facilidade, deixando o pântano para trás, embora a escuridão ainda nos impedisse de ver mais de dois passos à nossa frente. Por isso, andávamos devagar e o mais próximo possível uns dos outros. Com suas armas em punho, os guardiões nos cercavam e assim chegamos ao portão da cidade. Tratava-se de um portão sem muros, apenas um enorme arco construído com ossos de centenas de esqueletos. Por ordem de Soraia paramos defronte este portão e que mais me parecia uma espécie de portal, quando surgiu uma sombra: um ser que vencia a escuridão, ostentando uma capa tremulante. Soraia por sua vez continuou caminhando, bem como o tal ser que vinha do outro lado, até ficarem os dois debaixo do assustador arco. Durante alguns segundos analisaram-se e, em seguida, abraçaram-se, calorosamente. Nenhum dos dois passou para o lado oposto do arco. Ao sinal do Guardião, continuamos andando ao encontro deles e, a cada passo, minha surpresa era sempre maior. Vi que o homem media cerca de um metro e noventa, tinha pele clara, usava uma roupa preta e, além da capa com forro vermelho, trazia em sua cintura uma espada. Ele nos sorriu e Soraia fez as apresentações: - Senhores, esse é Cesar, nosso guia e informante para essa missão. Que possamos ouvir o que ele tem a dizer. - Amigos, a situação nessa cidade é calamitosa. Os governantes aqui estão formando planos para desestruturar várias ordens religiosas e sabemos que para isso não precisam de muito, já que os seres que habitam a terra estão cada dia mais vulneráveis a esse tipo de ação. Porém, o plano deles dessa vez não é apenas atacar religiosos por meio do orgulho e da vaidade já existentes neles próprios é também o de desmoralizar as religiões, fechando assim as portas de várias instituições que, ainda que com suas mazelas, trabalham para o bem maior. A primeira tentativa foi falha e os Dragões, responsáveis por esta tarefa, estão inflamados pela derrota em campo. - E qual foi esta derrota? - perguntou Humberto. - Uma das mais antigas religiões da terra passa por transformações importantes e seu último líder foi atacado incessantemente até que renunciasse ao seu posto, uma vez que, influenciado pelo mal, se viu incapaz de cumprir aquilo que havia planejado pelo altíssimo. O plano dos dragões era deixar a religião ainda mais enfraquecida e fechada em seus dogmas e eleger um dos seus "religiosos" para o cargo de maior importância dessa religião, porém, por meio de uma equipe comandada por espíritos de alta envergadura em uma missão de grande porte e que precisou de quase um terço da população espiritual terrestre, entre tais espíritos alguns conhecidos pelo homens como santos, o Plano Maior elegeu um sucessor que mudará tudo o que hoje se tem de mais decadente e atrasado nesta religião. Porém, agora, esta cidade irá atacar os religiosos do país que está marcado para ser o coração do Evangelho do Cristo e poderá causar grandes prejuízos, caso seus religiosos não se preparem de maneira correta, fortalecendo-se no amor e no conhecimento. Todos nós ouvíamos aquilo atentamente e em particular eu me lembrava da falta de respeito e de caridade que líderes religiosos têm comumente uns com os outros, sobretudo ao defenderem seus pontos de vista. Ah, se eles soubessem o quanto se trabalha aqui desse lado da vida para o amor prevalecer! Então, se uniriam e em uma única voz e sentimento, se juntariam ao mais alto, formando um único exército: o do amor ao próximo...

domingo, 5 de abril de 2015

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Nosso veículos estavam preparados do lado de fora daquele castelo que tantas surpresa havia nos trazido. Os transportes tinham sofrido pequenas alterações, que Soraia achara importante promover para o sucesso de nossa perigosa missão. Lá fora, o cenário nada mudara, o local ainda escuro parecia apenas mais frio. A equipe de socorro coordenada pela Legião de Maria já havia ocupado seu veículo, nós que entraríamos na cidade estávamos parados em frente à colônia como se nos despedíssemos. Foi Federico quem me falou: - Acalme seu coração, mensageiro, pois você ainda virá aqui muitas vezes. Eu apenas sorri, era estranho notar como a tecnologia se misturava com o tradicional: pontos eletrônicos eram usados por todos nós e, ao nosso lado, soldados bem armados com armas elétricas nos davam a impressão de estarmos todos em um filme futurista. Eu me perguntava qual médium teria a coragem de passar tal informação para a frente, quando mais uma vez João Guiné esclareceu-me: Ortêncio, meu fio, quem disse que nossa equipe enfrentará este desafio sozinha? Há anos, outros espíritos e médiuns enfrentam essa batalha e, além disso, a cada dia já vêm esclarecendo  as pessoas, mas o povo da carne ainda se preocupa com coisas, digamos, inúteis para os espíritos. Por exemplo, não importa de que forma você faça a prece: o importante é que ela seja feita de dentro do coração, não importa qual movimento você utiliza para ministrar o passe magnético, desde que aqueles que o ministrem saibam o que estão fazendo. Não vamos nos apegar aos rótulos ou mesmo se as mensagens que chegaram aos viventes através de nós serão do agrado daqueles que as lerem. Infelizmente, o caminho a ser percorrido não será fácil, porém será necessário. Dito isso, fizemos uma prece pedindo o auxílio do alto e entramos no veículo. Soraia e sua equipe tomaram a cabine da frente junto com nossos amigos da Guarda de Ogum, comandados por Joana. Nós, na companhia de Augusto, tomamos a segunda parte do veículo que por causa das alterações já não era mais tão confortável e ganhara um ar militar. Em silêncio permanecemos, cada um se preparava a seu modo para a difícil tarefa. A determinada altura, o veículo foi perdendo velocidade até parar por completo, depois, por orientação de João, baixamos nossas condições vibratórias e, isso feito, eu, nessas circunstâncias, sempre me impressionava com nossa fragilidade aparente, principalmente do Preto Velho. Como sempre, respirar era minha maior dificuldade. O ar como os encarnados o conhecem é algo muito denso para o espírito. Por quase uma hora não saímos do veículo, pois tentávamos nos adaptar da melhor forma ao que sentíamos ali, nas fronteiras do mal. Então, Soraia abriu a porta do veículo. Vimo-nos sobre um pântano escuro, povoado de bichos que eu não saberia como explicar se não tivesse visto com meus olhos. O impressionante era que se tratava de insetos que se alimentavam de restos de perispíritos e que ali se encontravam já em decomposição: braços, pernas e várias outras partes de corpos humanos flutuavam no lamaçal. O pavor tomou conta de mim e me afastei da porta aos prantos, com medo, e sentindo compaixão por aqueles seres que ali sofriam. Questionei o porquê, como que seres de Deus podiam chegar àquela condição. Assim como eu, alguns amigos, inclusive médiuns da carne, e que nos acompanhavam, se compadeciam do sofrimento presente naquele local tão horrível. Soraia se mantivera em pé quase sem reação. O Preto Velho João, após uma prece regada a lágrimas se mantinha em silêncio. Henrique se ajoelhara e também se mantivera em prece silenciosa. O mesmo fizeram Pena Branca, Augusto. Cobra Coral pegara seu arco e atirara flechas, que explodiram no ar, clareando o vale, enquanto o guardião Felipe cantara um lamento em forma de prece: “Ogum de lei não sofre tanto assim, óh Ogum de lei não me deixe sofrer tanto assim. Quando morrer, vou passar lá em Aruanda, Saravá Ogum, Saravá seu Sete Ondas. O pedido do guardião fora sentido, sofrido, e, quando ele terminou seu lamento, uma luz azul nos envolvia, nos dando a certeza de que fôramos ouvidos. A Equipe de Glória saíra do veículo de socorro e começara a recolher aqueles que, por compaixão do pai celestial, deveriam ser socorridos...

segunda-feira, 30 de março de 2015

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Eu saíra daquela reunião apreensivo. E por mais que a equipe de mensageiros demonstrasse estar confiante, algo em mim me remetia ao medo de, mais uma vez, estar prestes a encontrar seres que fazem de tudo para levar adiante seu ideal contra o Cristo. Evidentemente, eu não fora nenhuma vítima quando estive em contato com tais pessoas e apenas fui colher ali aquilo que havia plantado em minhas existências anteriores e, pela misericórdia divina, aquele inferno a que me ative pôde até ser de grande ajuda. Percebendo minhas indagações, o guardião Felipe foi o primeiro a falar: - Ortêncio, quem trabalha na seara do Cristo pode sim ter medo, mas nunca duvida que o socorro virá. Em muitas situações que vivemos no astral, tudo parece perdido para nós espíritos que somos ainda filhos, mas não para o plano maior, que não faz curvas ou mesmo não se afrouxa para atender àquele "melhor" ou para punir qualquer outro, tudo segue o curso natural das coisas. A esta altura, já estávamos no terceiro andar de uma das torres da Colônia e batemos em uma grande porta. O local que se apresentou por trás da porta mais uma vez revelava um contraste entre o que se vira nos corredores e o que tais salas e departamentos mostravam em seu interior. Ali, um exótico ser nos sorriu e confesso que não fiquei muito à-vontade diante de um espírito grande, careca, com um traje sujo do que me pareceu ser graxa ou um tipo de gosma. Seu sorriso era amarelado e o olhar distante. Foi Soraia quem nos apresentou aquele ser incomum. - Que Jesus esteja conosco, Jacob - disse ela. - Que assim seja. - disse a voz rouca do homem. - Como anda o trabalho por aqui? - Lento mas produtivo, minha amiga. Afinal, não é fácil lidar com tais apetrechos. Ao abrir a porta completamente para que entrássemos, nos deparamos com um grande galpão contendo dezenas de balcões. As luminárias que desciam do alto do teto eram direcionadas para cada um dos  balções. Assim, deixavam os corredores do local a meia luz, enquanto as áreas de trabalho permaneciam bem iluminadas. Começamos a andar entre aqueles postos de trabalho, onde tarefeiros desmontavam peças ou faziam experimentos. Em alguns dos balcões, que tive oportunidade de ver de perto, funcionavam pequenos laboratórios onde insetos eram examinados, assim como chips e armas. Tudo ali era estudado, catalogado. Quase não fomos percebidos pelos examinadores que pareciam em transe durante o trabalho. - Esta área - disse Jacob - é onde estudamos e analisamos a evolução do mal, tudo que é capturado com os seres das trevas vem para este centro de estudos, onde descobrimos como funcionam tais aparelhos ou armas e com que finalidade para, então, também desenvolvermos outros aparelhos e/ou estratégias para combater tais tecnologias. Foi Humberto quem fez a primeira pergunta: - Mas os missionários de Deus não são intuídos para já saberem de imediato o funcionamento de tais coisas quando se deparam com elas? O ser riu e nos disse: - O que você acredita ser apenas uma espécie de "dom divino", amigo, nós chamamos de trabalho. O que acontece entre as equipes de socorro nessa Colônia. Existe uma base de controle com especialistas de várias áreas, tal base está em contato direto com todos os que estão lá fora em campo. Quando surge uma situação na qual o socorrista não é especialista na compreensão do fenômeno, ele, lá onde estiver, é ajudado pelo especialista desta base. É para esta finalidade que precisamos formar especialistas e pessoas dispostas a aprender e principalmente a ajudar o outro. - E qual tem sido o maior desafio que vocês vêm enfrentando, Jacob? - perguntei. - Os implantes de chips. São essas as técnicas mais utilizadas por ora pelos seres das trevas e eles vêm cada dia mais se especializando nessa área. Muitos desses aparelhos passam despercebidos pelos encarnados. Porém, novas armas vêm sendo criadas e hoje o grande desafio são os vírus e que estão sendo testados pelo mal. - Vírus? - perguntei surpreso. - Sim, é mais fácil de implantar que os chips, porém não são tão eficientes ainda... - A verdade, é que se os encarnados não iniciarem uma profunda reflexão a respeito do que realmente é ser cristão e, enfim, aceitarem que a vida extrafísica é muito mais do que ser um bom religioso, em breve, teremos grandes problemas - completou Soraia em tom irônico. Mas, Soraia me intrigava com sua postura séria e questionadora, então, resolvi correr o risco de questioná-la: - Soraia, sei que seu trabalho nessa Colônia exige uma certa seriedade, mas você me parece muito rígida e até dura com as palavras... A única coisa que ouvi por alguns segundos foi o riso do preto velho João Guiné. - Tenho a postura necessária para o meu trabalho, Mensageiro, o que os encarnados esperam da espiritualidade nem sempre é aquilo que a espiritualidade pode dar. Como seria bom se só tivéssemos mensagens lindas e espíritos evoluídos, e que as cidades espirituais fossem constituídas apenas de lindos jardins e de discussões filosóficas, mas isso aqui é o mundo real, aqui discutimos, temos ideias contrárias, analisamos, e aprendemos que nada disso é falta de amor e sim, pelo contrário, isso é amor ao próximo. Queremos dar nosso melhor pela causa do Cristo. Pode lhe parecer que eu sou de oposição, mas não sou. Apesar de eu já ter trabalhado para o mal, pois acordei na vida espiritual decidida a acabar com o Cristianismo, que havia tirado meus pais de mim. Eles viviam pela santa Igreja e, no meu egoísmo, interpretei que eu fora deixada esquecida. Jovem ainda, desencarnei vítima da tuberculose que assombrou a Europa e  isso só me fez ficar mais cega de ódio. Assim, por quase um século ajudei as legiões maléficas a espalharem o mal na vida de chefes religiosos até reencontrar Frederico, que fora meu pai em uma de minhas passagens pela terra, e ele me mostrou o verdadeiro caminho. Hoje, o que faço com afinco é resgatar aqueles que eu, no passado, contribuí, mesmo que com uma pequena parcela, a levar para escuridão. Os olhos da moça se encheram de lágrimas, quando então disse o Preto Velho, com a sabedoria de um pai: - Fios, todos nós temos os nossos desafios e nossa maneira de lidar com isso, que possamos aprender a respeitar a individualidade do espírito e saber que na seara do pai todos são importantes...

segunda-feira, 23 de março de 2015

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Caminhamos pelos corredores da Colônia em silêncio, pensando no que havia nos acontecido. Uma mistura de felicidade e de decepção invadia meu ser, pois eu queria muito ter mais conhecimento para novas viagens astrais. Felipe, o guardião, sempre sincero, quebrou o silêncio: - O que você faria agora com tal capacidade suplementar, Ortêncio? - A desperdiçaria e a usaria em momentos e em lugares desnecessários - eu ia retrucar, mas o guardião não me deu tempo para tal e continuou: - O conhecimento traz grandes responsabilidade para as quais muitos espíritos ainda não estão preparados e, com isso, podem criar mais problemas do que promover soluções na espiritualidade. Aliás, já existe há tempos tecnologias que só estão chegando agora à terra e mesmo assim o povo da carne as utilizam de maneira errônea e, com isso, acabam deixando de lado o verdadeiro propósito de tal utilização. Então, velho mensageiro, cuidado, pois ter conhecimento é uma coisa e ser sábio é outra... - De qual tipo de tecnologia o irmão fala? - perguntou Humberto. - Falo, principalmente, das telecomunicações. Apesar dessa ser apenas o primeiro degrau, olhem bem para o povo da carne, hoje, os homens se encontram fechados em seus mundos individuais, sem contato físico e energético com os seus, comunicam-se apenas a distância. Pois essa tecnologia existe no plano espiritual há mais ou menos uns quinhentos anos, e, quando foi liberada para facilitar a vida do homem na terra, ele se escravizou e se tornou dependente dela. As palavras do guardião me fizeram pensar em como eu usaria a técnica da viagem astral consciente e concluí que o amigo estava certo. A esta altura, já havíamos percorrido alguns corredores e, agora, subiríamos uma escadaria de pedra em formato de caracol. Logo estávamos em frente a uma pequena porta que ao se abrir nos mostrou uma enorme sala com mapas gigantes refletidos em telas. Ali, havia também várias mesas com equipamentos e controladores. Nela, tudo era muito organizado, lembrando uma sala terrestre de controle de voo. Nosso amigo Frederico estava de pé com sua equipe ao redor de uma mesa e que também refletia o mapa da região que iríamos trabalhar. Em torno de tal mesa de quase três metros de comprimento, havia pessoas ainda desconhecidas para nós. Ao nos aproximarmos,  os cumprimentos foram formais e Frederico disse-nos: - Que Jesus, nosso mestre  e guia, possa nos orientar da menor maneira para que possamos realizar essa tarefa com êxito. Colocando a mão sobre esta mesa, pontos luminosos de várias cores se acendem sobre o mapa - e ele continuou - os pontos vermelhos pequenos são as defesas da cidade umbralina que, como podem ver, são muitos, já os pontos verdes, quase apagados, são nossos irmãos que nos ajudam com as informações que, graças a esses postos, podemos ter da região. Os pontos em amarelo são os laboratórios e esse grande em roxo, ao centro, é o prédio central, aonde vocês terão que chegar para o encontro com Inácio. E sem sequer perceber, eu iria quebrar toda a formalidade daquela reunião, dizendo: - Como assim? Vocês estão de brincadeira que teremos que atravessar metade da cidade com quase vinte postos de vigia até chegar a tal reunião! Valei-me nossa senhora! - E quem aqui está de brincadeira, mensageiro? - disse uma mulher  morena de olhos verdes trajando uma roupa militar. Eu fiquei envergonhado, mas ela puxou o coro de risadas que logo também me contagiaria. Logo após tal descontração, ela voltou a falar: - Meu nome é Soraia. Sou responsável pelas equipes de expedição à cidade Nova Geração e quando tomei conhecimento do planos de vocês tive a mesma reação de Ortêncio, pois apesar de nossos avanços em promover expedições de socorro, nunca fomos tão longe e não sabemos o impacto que essa ação de vocês pode causar, tanto para o positivo quanto para o negativo. Por isso que nossa pergunta é: senhor João Guiné qual o objetivo de vocês? O tom de Soraia já não era tão amistoso e a mim pareceu soar até meio ameaçador. O Preto Velho, com sua calma de sempre, respondeu: - Fia, o nosso objetivo é levar a Inácio o recado dos espíritos superiores e tentar, através do diálogo, mostrar-lhe que o seu tempo está acabando e negociarmos a liberdade dos que vive cativo nessas região. - O senhor conhece esse ser que, aliás, almeja ser um dragão um dia, senhor João? - Sim, minha fia, conheço este fio de Deus que logo terá a chance de se purificar com a benção da carne. Sei de suas pretensões e conheço os planos de Inácio de atacar com afinco a pátria do evangelho. - E mesmo assim o senhor pretende levar sua equipe até lá para conversar? Há anos estamos tentamos isso e a recusa dele ao diálogo vem nos causando sérios transtornos. E o senhor, do dia para noite, chega aqui pondo em risco anos de trabalho, podendo até criar com isso uma guerra no astral. - Fia, conheço seu trabalho e não apenas o respeitamos como também o admiramos. A espiritualidade maior reconhece não só os seus serviços, mas também o de toda esta colônia, pois o que seria ou como estaria esta zona do astral sem este grande trabalho de vocês? Estamos aqui para ajudar, fia, e faremos o possível para que a luz de Deus ilumine este local, mas para isso, fia, precisamos de sua ajuda e de seus conhecimentos, pois a fia sabe da sua responsabilidade com o mais alto e de sua promessa com o povo de Aruanda e, ao ouvir essas palavras finais do Preto Velho, os olhos da jovem Soraia marejaram e ela respondeu: - Que Jesus nos abençoe e que a sabedoria de Xangô nos guie, e as lanças de Ogum nos protejam, Pai João Guiné. Por algumas horas ficaríamos ainda ali e ficou estabelecido que em 12 horas partiríamos para nossa missão com dois veículos: o funcional e o hospitalar. Esse segundo não entraria na cidade, permaneceria em suas fronteiras para assim fazer, de modo mais eficaz, o socorro daqueles que nós conseguíssemos proteger. Porém, antes de nossa partida, conheceríamos um pouco mais de Soraia e faríamos descobertas que surpreenderiam a cada um de nós...

segunda-feira, 16 de março de 2015

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Assim que entramos no grande castelo daquela colônia, não sentimos mais frio e a energia mudou completamente. Ali, o sentimento de acolhimento era tão grande que chegava a nos emocionar. Caminhamos por um enorme corredor e eu me perguntava aonde ele nos levaria, enquanto escadas e portas eram vistos a cada dez passos nossos. Tudo era muito rústico, porém também aqui mais uma vez a tecnologia concomitante me assombrava. Havia pessoas de branco e usando faixas de cores diversas e que caminhavam de um lado para o outro. Apesar dos sorrisos no olhar - pois aqueles seres traziam a alegria na alma e não no rosto - foi seu silêncio que mais me chamou a atenção. Chegamos em frente a uma porta que, ao se abrir, nos apresentaria uma ala para visitantes com quartos individuais já preparados para o nosso descanso. Foi Augusto quem nos falou: - Amigos, logo após o vosso descanso, voltarei aqui para melhor mostrar a vocês nosso trabalho e discutirmos como faremos parte do trabalho de vocês. Até mais! - Por que precisamos descansar já que não temos corpo físico? Será que ele não percebeu que somos espíritos desencarnados? - perguntei em tom irônico. Foi João Guiné quem me respondeu: - Fio, quem lhe disse que espírito desencarnado não precisa refazer as energias? Estamos há dias viajando, em uma zona de baixa vibração, logo, é importante para o corpo perispiritual  se refazer, já que aqui é mais difícil encontrar fontes de energia que façam isso por si sós. - E de que tipo de fonte o irmão esta falando? - perguntou Humberto. - Da luz solar, das energias da natureza, a água, o ar puro, as plantas: essas fontes com suas respectivas energias e que nos alimentam sem que percebamos. - Mas, esse refazimento energético não pode ser feito com o que acumulamos de boas energias, de bons atos e pensamentos, irmão? - Sim, fio Humberto, mas em um local como este, de onde tiraríamos tais energias? Acabaríamos, sem descanso, sobrecarregando essa nossa fonte que precisa ser carregada, pois o espírito precisa alimentar a sua roupagem fluídica. Apesar de ela própria ser fonte de luz inesgotável,nós, porém, ainda não sabemos utilizá-la como realmente deveríamos, por isso é que há necessidade desse descanso. Dito isso, cada um de nós entrou em seu quarto. Eu ainda me perguntava a respeito de como saberíamos quando chegasse o horário em que novamente nos encontraríamos. Ao abrir a porta do meu aposento, tive um imenso susto: o local era banhado por uma luz natural que eu não saberia dizer de onde vinha. Encontrei numa mesa simples um caldo à minha espera. Já a cama parecia uma cápsula espacial que se fechou assim que me deitei, enquanto luzes solares banhavam meu corpo fluídico e o alimentavam de energias benéficas. Não tenho certeza de quanto tempo fiquei ali sendo energizado, mas ao acordar recordei-me de ter sonhado com a minha Aruanda: suas ruas, os prédios, as casas e o campo de esclarecimento, o que me encheu de alegria. Ao me levantar, mais uma vez o alimento me esperava na pequena mesa. Logo acima da cápsula ou cama uma tela se iluminou, revelando a imagem de Frederico, Catarina e Francisca que se encontravam juntos em uma sala. - Fico alegre, meus amigos de Aruanda, por estarem refeitos de sua viagem. Augusto os aguarda para assim começarmos nosso trabalho. - disse um deles. Então, a tela se apagou e saímos de nossos quartos. O sorriso de Humberto me surpreendeu, mas logo nosso amigo protestante disse-nos: - Glória a Deus! João Guiné e povo de Aruanda, agradeço por vocês, aqueles que antes, quando estive na carne, eu achava que eram uns ignorantes, agradeço por me proporcionarem experiências tão enriquecedoras, a mim que, hoje sei, sou ainda um ser tão ignorante. - Ir a sua cidade espiritual fez bem a você, fio. - respondeu João Guiné. E, então, caiu minha ficha. Eu não havia sonhado com Aruanda. Eu estivera lá! Imediatamente, lágrimas molharam meu rosto. - Por que choras, Ortêncio? Por não ter percebido o que ocorrera comigo, Felipe, e, portanto, ter perdido a oportunidade... - Quem disse, Mensageiro, que você perdeu a oportunidade? O que acontece quando o corpo físico dorme, Ortêncio? - perguntou o guardião. Se, então, o Espírito se liberta e busca usufruir dessa liberdade mesmo que temporária, e isso, ainda que a maioria dos desencarnados nem se deem conta disso, o mesmo não seria diferente com o corpo fluídico. Esse, quando em repouso, deixa o Espírito livre para ir buscar energia aonde, como no caso, você pudesse se sentir mais seguro. Estar ou não consciente nesse momento dependerá de vários fatores e, principalmente, no caso de vocês que viajam em zonas escuras pela primeira vez. Acalme-se que logo teremos outras oportunidades para treinarmos sua consciência em tais circunstâncias. Após a fala do guardião, seguimos Augusto para a nossa reunião com o comando daquela colônia... 

segunda-feira, 9 de março de 2015

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A cada hora, minuto ou segundo que passava, sentíamos o ar ficar cada vez mais pesado. Começáramos a senti-lo como se ele fora o frio encarnado. Também me incomodava muito um tipo de poeira cinzenta que, mesmo caindo lá fora, deixava o local mais assustador. Assim, víamos cobertos por essa poeira, árvores sem vida, prédios demolidos e em estado deplorável, tudo isso formava o cenário de um local absolutamente deserto. Nosso veículo era apenas seguido pelo veículo da equipe de Maria, mas quase não sentíamos as energias dos tripulantes de apoio. Viajamos por essa paisagem assustadora por algumas horas, até que, como que surgindo do nada, uma grande fortaleza se abriu a nossa frente. Seus muros feitos todos de pedras mediam quase cinco metros de altura e, por trás deles, encontrava-se um grande castelo ou igreja - de longe eu não sabia diferenciar. Espíritos de branco com coletes dourados faziam a vigia em guaritas sobre a muralha. Mas vigiar o quê e por quê, em um local que, ao menos para meu olhar, encontrava-se sem vida e, ainda, o que fazia afinal aquela fortaleza em local tão afastado da crosta terrestre? Essas eram as minhas indagações, que com o tempo seriam respondidas, mesmo sem que eu as verbalizasse. O grande portão de madeira se levantara lentamente e nossos veículos passaram suavemente por ele. O local também não era bonito, ou seja, por trás dos muros a paisagem não mudara, ali continuava frio e escuro e as cinzas caiam como uma fina garoa. O castelo ficava a quase cem metros da muralha, sua escadaria de pedras e um pátio nos davam a impressão de que estávamos em um castelo europeu. Nas escadas, uma pequena comitiva de boas-vindas: três homens e duas mulheres, todos vestidos de calças e batas brancas. Um deles trazia na cintura uma faixa dourada, os outros quatro usavam tais faixas na cor azul claro. Nossos veículos pararam a poucos metros da escada, descemos calmamente e o homem de faixa dourada, um negro alto de sorriso iluminado e olhos escuros como jabuticaba, disse-nos: - Que o manto de Maria cubra a cada um de vocês e que a misericórdia divina esteja com todos nós. Foi João quem respondeu: - Que assim seja, meus amigos. Será que nesse recanto de amor e de paz, iluminado pelo amor do Cristo Jesus, há um lugar para esses pobres fios de Deus descansarem? O homem sorriu gostosamente e respondeu: - João Guiné, seu velho mandingueiro, quando foi que você não encontrou abrigo na casa do pai? Sejam bem-vindos a nossa casa, Mensageiros de Aruanda. Subimos as escadas e fomos recebidos com calorosos abraços por todos. - Meu nome é Frederico, diretor deste local de socorro. Estes são, Augusto, Alexandre, Francisca e Catarina, responsáveis pela estadia de vocês aqui. - Perdoe-me o atrevimento Frederico, mas não há nenhuma placa ou informe do nome da colônia de vocês em nenhum local. Aonde estamos? - perguntou Humberto. - Estão na casa do pai e isso basta, não é mesmo? - Mas por que o anonimato? - insistiu Humberto. Vocês não serão os primeiros ou os últimos a falarem desse local de socorro. Na verdade, desde há muito tempo, médiuns recebem notícias desse local e cada um lhe dá o nome que prefere e isso nos deixa muito felizes. Não precisamos de um rótulo e por isso não o temos. O mais alto acha injusto rotular o último ponto de apoio antes de se adentrar a uma região tão sofrida. Aqui abrigamos todos os viajantes, socorristas, estudiosos e ainda espíritos ignorantes, antes de serem levados a outras cidades espirituais, por isso chamamos este local de colônia e não de cidade. Estamos aqui há muito tempo, abrigando e sendo o farol daqueles que precisam se orientar na escuridão. Frederico apontou para o que eu achara ser uma das torres do local e que, no entanto, era mesmo um farol iluminado, orientando a direção àqueles que iam buscar na escuridão a luz do amor e da verdadeira abnegação ao Pai celestial e, por alguns segundos, debaixo daquela garoa de cinzas, eu fiquei admirando aquela luz prateada, brilhando como uma estrela solitária...



domingo, 1 de março de 2015

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Vamos levantar o Cruzeiro de Jesus, vamos levantar o Cruzeiro de Jesus, do céu, do céu, do céu, a Santa Cruz... E foi assim, cantando essa música apenas em meu pensamento, que entrei no veículo que nos transportaria à cidade Nova Geração. Sei que meus companheiros ouviam tais pensamentos e eram contagiados pela música. Nossa equipe não era tão grande come eu pensara. Iriam nos acompanhar: Joana, que seria responsável pelos Cavaleiros de Ogum, os quais fariam nossa segurança, o jovem médico da Legião de Omolu, e, ainda, Inocêncio, Maria, os índios Pena Branca e Cobra Coral, o guardião Felipe, João Guiné, Humberto  e Henrique. Já no veículo hospitalar, comandado pela legião de Maria, aí sim havia uma equipe bem maior: eram quase trinta espíritos entre médicos e enfermeiros. A mim, Gloria me dera de presente um rosário branco que eu segurava entre as mãos. Os veículos começaram a se movimentar e o meu coração a bater mais forte. Lentamente atravessamos o recanto de auxílio Tupinambá. Os índios nos abriram os portões e, ao atravessá-los, estávamos novamente sobre a escuridão da mata e seus perigos. Para minha surpresa, os veículos não ganharam velocidade como de outras vezes e continuaram o caminho suavemente. Percebendo minhas indagações, Maria falou-nos: - Viajaremos por algum tempo assim para nos adaptarmos às energias dos locais que visitaremos, ainda faremos uma parada em outro ponto de socorro, para que nossos perispíritos não sofram com a mudança drástica de energias. - Pensei que espíritos do bem poderiam entrar em qualquer local - disse Humberto. - E podem, respondeu Felipe, contanto que se preparem para isso. Na verdade, ainda existem locais, nos planos astrais, apenas visitados por espíritos muito superiores a nós, ou seja, com alto grau de evolução, pois se assim não fosse lá se perderiam, tamanha força negativa ainda existente no universo. - A que tipo de espíritos o irmão se refere? Aos anjos, suponho. - disse Humberto. - Não uso tal palavra, porque compreendida assim, literalmente, amigo Humberto, ela seria mal entendida. Prefiro ir além da descrição de simples seres mitológicos, pois, "anjos e demônios", "espíritos evoluídos", todos esses são apenas títulos ou adjetivos que o alto usou para que em nossa capacidade intelectual, ainda tão medíocre, pudéssemos entender o amor ou a absurda falta dele. Eu prefiro chamá-los pelos seus nomes, como Maria de Nazaré, Bezerra de Meneses, Tereza de Calcutá e o próprio Cristo, pois são esses que vão ao encontro de seres chamados aqui de Demônio, acolá de Dragões, e sempre para levar-lhes o amor do Pai. É tempo de regeneração e esses seres sabem que seu tempo é curto e, agora, alguns deles reencarnaram, outros já se encontram na terra e precisam de forte vigilância. - Mas, seres tão perigosos como esses... não era melhor que ficassem em prisões no astral? - perguntei. Dessa vez, quem respondeu foi Henrique: - E onde estaria a justiça divina, Manoel, que condenaria uns à prisão eterna e daria a dádiva do recomeçar a outros? O progresso é e sempre será para todos, sem exceções. Assim, o plano de deus sempre estará trabalhando pelos seus filhos, independentemente de quem seja esse filho. Eu nem percebera que ganháramos velocidade, mas a mudança de cenário me chamou a atenção: já não estávamos mais sobre as matas e atravessávamos o oceano escuro. - Eu gostaria de mostrar algo aos fios, passemos à sala de conferência. - disse João Guiné. O veículo possuía uma grande sala que continha uma igualmente grande tela escura, onde logo se começou a projetar algumas cenas em nossa frente. Tratava-se inicialmente de episódios que se passaram no tempo das Cruzadas, o grande derramamento de sangue nos campos de batalha em nome da fé. A carnificina eram chocante. - Os fios precisam prestar mais atenção no que estão vendo. - disse o Preto Velho com uma voz triste, demonstrando que o que ele via o machucava muito, pois lágrimas molhavam o rosto de João Guiné. Concentrei-me naquela difícil cena de guerra e para o meu espanto o que vi foi assustador: uma segunda luta também era travada no plano espiritual, onde espíritos de luz, banhados de prata, tentavam socorrer aqueles que ali desencarnavam. Porém, espíritos, os quais aqui chamarei de espíritos das trevas porque desconheço outro nome para os mesmos, tentavam investir contra a ordem do Cristo, debruçando-se como animais por cima da caça abatida e assemelhando-se a vampiros retiravam os fluidos que ainda restavam nos corpos dos guerreiros inertes. Os socorristas usavam armas de luz que os atiravam parar longe, porém, eles se levantavam e continuavam com suas investidas. Os espíritos que acabavam de abandonar o corpo tinham reações diversas: alguns não percebiam que foram abatidos e levantavam lutando, entre esses percebi que uma parte conscientemente investia contra os socorristas, outros se deixavam levar pelos seus algozes, enquanto os mensageiros do cordeiro se desdobravam carregando centenas ou milhares de macas... A imagem, por fim, foi sumindo, lentamente o Preto Velho ainda com a voz embargada disse-nos: - Isso, fios meus, é apenas uma pequena parcela do que podem fazer o Dragões, ou qualquer que seja o nome que lhes queiram dar. Contudo, não adianta apenas culpá-los sem analisarmos as responsabilidades dos homens nesse processo destrutivo e isso deve ser feito com muito estudo, amor e sabedoria. Entraremos em contado direto com um subordinado dos seres que arquitetaram essa batalha. Pois bem, vejam o quanto estamos nos preparando, não porque somos inferiores ou superiores, pois tomar quaisquer dessas posições seria muito prejudicial a nossa missão, mas porque trabalhamos para que cenas como essa não façam mais parte da história da terra. A tela novamente se iluminou e agora já víamos a época de bombas e metralhadoras, porém o trabalho do bem era feito com o mesmo amor, incansável e inesgotavelmente..

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Página 58

Não tínhamos muito tempo, pois nossa viagem às terras umbralinas tinha data certa para começar, contudo, ainda ficaríamos na Colônia Tupinambá por alguns dias, tempo suficiente para ficarmos cônscios de nossas responsabilidades como emissários do Cristo Jesus. Assim sendo, nossos dias foram de reuniões e de muito estudo de nossa equipe. Apenas João Guiné, Maria, Felipe e Henrique, juntamente com os outros integrantes, tinham participado de missões parecidas, somente eu e Humberto é que, apesar de nossa participação em socorros variados, nunca tínhamos ido tão profundamente a essas regiões escuras. Minha curiosidade e ansiedade afloravam e a cada dia só aumentavam. Em uma dessas reuniões, o sábio Preto Velho nos explicara:  – Fios meus, é necessário que não se baixe a guarda em nenhum momento nesse local, pois precisarão de poucos segundos para que alguns de vocês, em poucos segundos, se encham de trevas. Usaremos roupagem pesada, quase físicas, pois o local que iremos é alimentado por vícios carnais como o sexo, o consumismo, o egoísmo, e, saibam, não há nada mais carnal que o egoísmo, fios, isso é o que entrava encarnações e obscurece a alma do homem. – O irmão falou do sexo e eu lhe pergunto, por que o homem se entrega a tal pecado tão facilmente? – disse Humberto.  Primeiramente fio, quem disse que sexo é pecado? Já está na hora do fio esquecer os dogmas religiosos e lembrar que, no universo do Pai Maior, as religiões são apenas rótulos. Mas, respondendo à pergunta do fio, o sexo não pode ser visto como um ato criminoso pois ele é de grande benefício ao homem, quando usado de maneira correta, com amor, respeito e principalmente com paz no coração. Ele gera energias magníficas que são quase um Big Bang energético. Ele se torna ruim quando é desregrado, praticado sem amor e apenas por vício, fio, pois o ser humano o pratica de forma mecânica para ser o alfa de sua espécie, esquecendo para o que foi criado. – O que o Pai Velho diz do consumismo? Como isso pode alimentar as esferas do mal?  perguntou o índio Pena Branca.  – Fio, cada vez mais os seres se afastam da simplicidade e quanto mais têm mais querem. Compram de tudo achando que o comprar é ter respeito e acabam se apegando a coisas materiais ou a sentimentos perturbadores, pois consumimos demasiadamente sentimentos desnecessários, como quando sentimos raiva do chefe por ele estar cumprindo seu trabalho, a inveja do chefe religioso, a disputa por cargos e status. Tudo isso, fios, gera energia e esta energia além de ficar com os fios é emanada para o universo. Quando os fios colocam na cabeça que querem algo e só pensam naquilo, esquecendo de todo o resto, ficam obcecados por aquela ideia e isso gera um desgaste energético dos corpos físico e espiritual dos fios, pois esse tal pensamento vai sugando as energias docês, uma vez que ele precisa de uma fonte de energia para se alimentar. Isso que os fios da terra começam a sentir os órgão responsável por filtrá energias, quando começam a também sentir dores de cabeça com o desequilíbrio dos chacras... Saibam que essas energias ruins todas são colhidas por irmãos contrários à causa do Cristo e são levadas para alimentar cidades como estas que vamos visitar. Quando vacilarem neste local, os principais pontos a serem atingidos serão esses.  A quais sintomas precisamos ficar atentos, Pai Velho?  – mais uma vez perguntou Humberto.  Fiquem atentos a vossas mentes, se concentrem no trabalho e tentem doar o que tenham de bom dentro de si mesmos. Muitas vezes, vemos médiuns de casas espirituais  e quando digo espirituais incluo todas aquelas que se propõem a trabalhar com espíritos –, quando saem de seus trabalhos mediúnicos dizendo “Nossa, como meu mentor ou caboclo trabalhou hoje! Estou cansado!” Isso ocorre, fios, por direcionarem mal seus pensamentos, pois a reposição energética é praticamente instantânea, quando pensam no eu e pedem pelo outro só através da boca e não do coração, desviam seus pensamentos em momentos errados para si ou para o problema daquele mais próximo esquecendo de auxiliar corretamente o assistido. Há muitos espíritas que veem para o socorro e passam a maior parte do trabalho desperdiçando energia e dando trabalho aos espíritos que ali vão em socorro do próximo. Então, aprendam a serem disciplinados mentalmente, direcionem o seu melhor ao próximo, sem pensar na recompensa, pois essa, fios, é consequência. Juntem mente e coração para caminharem juntos, sendo o coração o sentimento e a mente a razão. Eles não podem andar separados, pois se assim for, os filhos se perderão nos conflitos criados por si mesmos e nada pior do que está perdido dentro da própria escuridão...

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Página 57

Nossa estadia naquele local abençoado não foi tão rápida como eu pensara e, após sairmos daquela que classifiquei como a ala dos coletores, passamos por uma outra ala, onde nos energizamos através de passes e nos alimentamos de um delicioso caldo. Então, fomos encaminhados a uma sala rústica de chão batido e paredes de tijolos. Nesta sala de reuniões havia uma mesa redonda e cadeiras, todas de madeira rústica. Para minha grande surpresa já se encontravam sentados à mesa Ubirajara, da sétima de Oxalá e Samuel, da sétima de Xangô, juntamente com Gabriel, da sétima de Exu e com Iraci. Todos nos sorriram e nos cumprimentaram com grandes e calorosos abraços. Logo após os afagos fraternos, Ubirajara começou a falar: – Filhos de Aruanda, nossa visita a este local de socorro e amor não é apenas para matar as saudades de vocês, viemos de nossa cidade expressar nossas preocupações e dar ordens para uma nova direção em vossa viagem. A fala do índio era cautelosa, mas transparecia sua preocupação. – O alto recomenda que vocês visitem a cidade umbralina denominada Nova Geração, instalada em zona muito densa, abaixo da terra, onde muitos de vocês nunca estiveram. Ocorre por lá uma agitação ainda pequena, é verdade, mas que pode provocar muitos eventos catastróficos para os encarnados. Irão em missão de paz. Aqueles que lá estão sentirão vossa presença. Vossa missão é proporem a paz, evangelizando e levando o amor do Pai àqueles que vivem na escuridão. João Guiné, que olhava apreensivo para a mesa, parecendo concentrado em seus desenhos, levantou o olhar calmamente e disse: – Amigo Ubirajara, não estou me colocando contra o que o alto nos pede, mas me pergunto: por que mandar uma equipe ainda em treinamento para tal zona umbralina? Por dois motivos, Pai Velho  disse a voz de Samuel, que de tão grave parecia que derrubaria as paredes. A mim, que tinha visto Samuel apenas uma vez no campo do esclarecimento, ele parecia bem maior de perto. – O primeiro deles é que vocês conseguirão entrar e sair com mais facilidade, pois os dragões olharão com desprezo para um grupo não tão bem treinado, o segundo é para que o repórter de Aruanda possa relatar posteriormente aos viventes aquilo que vir, o que consideramos muito importante. O Preto Velho sorriu e disse: – Que nosso Pai Oxalá nos acompanhe. Henrique se levantou e perguntou: – E qual será nossa estratégia para uma missão como essa? Gabriel, que como sempre usava o branco habitual (custava acreditar que ele era chefe dos guardiões), respondeu: – Já que os vi de forma tão errônea em minha última passagem pela terra, vocês receberão veículos mais modernos que os deixarão quase invisíveis aos olhos dos generais da cidade. Retirarão de lá apenas aqueles que lhes forem permitido retirar, bem como os que vierem de boa vontade. Nada mais que isso. Os termos devem ser negociados com o general Estácio, que é quem encontrarão. Para terem mais liberdade no trabalho, levem consigo equipamentos, água em abundância e... Nesse momento, um ser abriu a porta, todo vestido de azul, portanto uma cruz branca no peito. Era uma linda senhora de cabelos brancos, olhos verdes, e que com um sorriso esplendoroso nos saudou, dizendo: – Que a luz do Mestre redentor ilumine nossos corações e que o manto da mensageira da paz nos proteja com amor e carinho. Gabriel, abraçando-a: – A equipe de socorro de Maria de Nazaré, liderada por nossa irmã Glória. Eu já ouvira falar dos socorristas de Maria, mas nunca imaginara que as energias emanadas por essa equipe de socorro fosse tão iluminada. Todo aquele que está na luta do bem, socorrendo seus irmãos, Mensageiro, está sob as ordens de nossa general Maria. Um nome é só um nome, pois todas as missões de socorro passam pelo departamento desse espírito iluminado. Sei que muitos questionamentos passam por sua cabeça e a um deles respondo nesse momento:  para o Cristo Jesus, tudo e todos desse planeta são espíritos importantes na caminhada da evolução. Ele não se importa a respeito de que recursos seus aliados irão usar para essa finalidade, se irão se valer do auxílio de índios, pretos velhos, de irmãos católicos, ou do trabalho de germânicos, asiáticos ou africanos. Aos olhos de espíritos como o de Jesus e de tantos outros, espírito é espirito e nenhum, seja lá qual for, ficara sem ajuda de Deus todo poderoso. Eu me encontrava entre lágrimas, por vários motivos, um deles era em função do meu preconceito e que mais uma vez caíra por terra, pois Maria mandara seu brasão para trabalhar com o povo de Aruanda e isso me ensinara muito, sobretudo de que um nome é apenas um nome e nada mais... 


domingo, 8 de fevereiro de 2015

Página 56

Dirigimo-nos a uma outra oca e novamente estávamos em um ambiente hospitalar, portanto, em um lugar organizado e silencioso. Apesar da simplicidade do local, a tecnologia podia ser vista por todos os lados, ali quase não se usava papel, pois todas as informações eram passadas ou via pensamentos ou por meio de computadores portáteis. Aliás, era quase hipnotizador ver as energias correrem pela sala em ondas magnéticas, quando “fios” coloridos nos atravessavam a todo momento, cada qual em busca de seu destino. Caminhamos por um corredor e atravessamos uma grande porta, dentro, supervisionados por alguns desencarnados, encontravam-se em camas hospitalares espíritos que ainda eram vivos no plano material e, somente então compreendi o que a irmã me dissera, de que veríamos algo realmente triste. Iraci olhou-me e disse:  Isso é mais comum do que se imagina, amigo. Sim, mais triste do que um espírito desencarnado em estado de sofrimento é um espírito em sofrimento e ainda encarnado. Naquela espécie de enfermaria, víamos enfermidades de todos os tipos. Um homem alto, trajando o tradicional jaleco daquela cidade, aparentando ser de origem indígena, com cabelos negros que iam até a cintura e que estavam amarrados em um rabo de cavalo, veio ao nosso encontro. Ele nos sorriu e Iraci fez as apresentações:  Esse é nosso irmão Ricardo, responsável por esse setor.  Sejam bem-vindos, povo de Aruanda, e que Deus nosso pai os abençoe.  Que o fio seja abençoado junto conosco. –disse João Guiné  O fio pode nos explicar o que se faz neste local e qual seu trabalho aqui?  Neste local, João, cuidamos de espíritos encarnados que, por suas condições, desenvolveram em seus corpos físicos doenças, desejos e atitudes desnecessárias na sua atual encarnação. Nem todos que estão aqui estão com o perispírito doente. Em sua maioria, tratamos de espíritos que se encontram em um alto grau de depressão e que recebem, através da sonoterapia e de outros tratamentos psicológicos, auxílio para retornarem aos seus corpos melhores do que quando aqui chegaram. Aquilo tudo ia me deixando com dúvidas e, percebendo isso, Ricardo disse-me, sorrindo:  Isso lhe parece estranho, mensageiro? Eu respondi afirmativamente com a cabeça e ele continuou: – Tais espíritos que aqui se encontram no momento dormindo, eles estariam agora em zonas umbralinas e seriam usados por forças contrárias ao cordeiro. Em sua maioria, são religiosos e cientistas de grande influência no plano terreno. A verdade é que uma minoria de autoridades, enquanto dormem, recebem orientações benéficas, estudam ou são ajudados em decisões.  Mas por que isso é feito com os espíritos, assim, “inocentemente”, eles não receberiam melhor tais informações se estivessem acordados?  perguntou o guardião Felipe, o que me surpreendeu bastante já que ele quase nunca questionava.  Tais espíritos são muito espiritualizados dentro de suas doutrinas, o que dificulta o contato direto, pois cada um deles deveria ser levado a colônias específicas para isso e, no caso, a logística nos faria perder algum tempo com viagens astrais nos meios de transporte próprios aos encarnados. De pronto perguntei:  Mas o espírito não se locomove com a velocidade do pensamento? Por que vocês têm essa dificuldade?  Mensageiro, como você está viajando pelo astral?  perguntou-me o médico.  Dentro de um veículo.  respondi.  Se esta viagem fosse feita somente por você e apenas mais um membro de sua equipe, esse meio de transporte seria necessário?  Acredito que não. –respondi mais uma vez.  Pois bem, ele é necessário pela quantidade de espíritos a serem transportados em conjunto, mas também pelo fato de que se não fosse o veículo o seu pensamento te levaria aonde o seu coração quisesse e não necessariamente o seu cérebro ordenasse. Só viajam com tamanha independência espíritos com grande equilíbrio e capacidade de concentração e que, portanto, não perdem o foco do seu caminho, bem como não se perdem uns dos outros. Estes que aqui se encontram têm ainda um agravante: estão ligados ao seu corpo físico o que deixa a viagem e seus espíritos mais pesados, por assim dizer, devido às energias acumuladas no dia a dia. São trazidos aqui todas as noites por uma equipe que chamamos de coletores, eles são responsáveis pelo transporte de espíritos que necessitam desse tratamento. Normalmente passam por uma triagem e são levados a cidades próximas de suas residências carnais.  Por quanto tempo eles passam por esse tratamento?  perguntou Humberto.  Isso é relativo, irmão. Alguns por muito tempo até que cada um crie consciência de suas responsabilidades e por si só lute contra a ignorância carnal e se direcione em sua missão corretamente.  E se isso não acontecer?  pensei. Tendo ouvido meu pensamento ele me disse:  Não interferimos na lei do livre-arbítrio, mensageiro. Depois de algum tempo e de muito estudo, liberamos o espírito para que ele tome suas próprias decisões e, se ele escolher o caminho mais difícil, apenas oramos para que sua queda não seja tão dura.  Então, nenhum espírito passa por este tratamento mais de uma vez?  E, então, ele foi incisivo:  Não na mesma encanação...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Página 55

Acordei em uma confortável cama, em um lugar que me pareceu uma enfermaria comum, com vários leitos, todos forrados de lençóis brancos, na qual enfermeiros andavam de um lado para o outro, ou seja, em um cenário corriqueiro no plano espiritual. Em um canto, um grupo conversava ao lado da minha cama. Ao despertar completamente, percebi que se tratava dos meus amigos, acompanhados por uma linda senhora de longos cabelos negros e de olhos castanhos. Ela estava de branco e usava ainda um avental verde escuro, que trazia na altura do peito o desenho de um penacho colorido e a inscrição Casa de Misericórdia Tupinambá. João sorriu e disse-me:  Seja bem-vindo, fio. Como se sente? Eu não poderia saber como responder a essa pergunta, pois naquele momento ainda estava meio enjoado, como se tivesse comido algo estragado. A senhora sorriu para mim e me disse:  Ortêncio, isso é mais comum do que se imagina, o que te fez mal não foi a sua invigilância, mas sim as energias densas desse território. Apesar de você já ter passado algum tempo em locais com energias parecidas, destas nunca chegara tão perto, ou seja, de tão grande força do mal. Ela falava com uma propriedade da minha pessoa, que chegou a me assustar. – Desculpe-me, pela minha falta de educação, amigo, eu sou Iraci, médica desse centro de misericórdia. Seja bem-vindo. Eu me levantei ainda tonto e a abracei carinhosamente, o que por si só me fez reaver minhas forças. – Por que esta energia?  perguntei. – Estamos em uma zona umbralina em meio a uma conhecida zona de mata no território brasileiro e que aqui se instalou há mais ou menos 400 anos, quando os Bandeirantes e alguns religiosos faziam suas expedições. As energias de rancor, ódio e tantos sentimentos nefastos resultantes dos conflitos de então criaram esse local no astral. Ela me indicou a porta e saímos. Um dia cinzento se fazia dentro dos portões daquele local. Várias ocas, enormes, como aquela em que eu estivera, feitas de barro por fora e de teto de palha, davam-me a impressão de estarmos em meio a uma tribo indígena. Cerca de dez transportes como o nosso e que circulavam por ali, contrastavam com o aspecto rudimentar daquele local tão inusitado. Contudo, apesar da grande quantidade de indígenas no local, ali também se encontravam pessoas de várias etnias. Então, uma sirene soou e os portões se abriram. – Acompanhem-me, amigos, vocês terão a oportunidade de conhecer o nosso humilde trabalho  disse Iraci. Sorrindo para João, completou: – Lógico, para os que ainda não o conhecem. Um transporte verde entrara pelos portões e uma correria organizada começou a acontecer. Um homem alto, moreno de olhos cinzas, dava ordens com sua voz grave: – Equipe de traumas de 1 a 3 se preparem, traumas psicológicos e danos morais a minha esquerda, setor de memórias, vocês serão os últimos a sair. Equipe de limpeza: estejam a postos, não podemos perder tempo. Quando as várias portas do transporte se abriram, eu achei que estava em um campo de batalha medieval, pois seres de todos os tipos e apresentando inúmeras deformidades foram encaminhados às equipes. Seguiríamos uma em especial, com a se encontrava uma bonita moça branca, de cabelos loiros e que naquele momento encontrava-se maltrapilha e tendo as mãos em carne viva e seu corpo cheio de feridas. A equipe de limpeza usava máscaras e uma roupa parecida com as de grupos que combatem doenças contagiosas, nós também tivemos que colocar o traje para acompanhar o processo. Após a moça ter sido deitada em uma maca, a equipe saiu em disparada na direção de uma oca localizada na direção sul da tribo. Então, entramos em um laboratório dos mais modernos e a moça foi colocada em uma esteira que se movia lentamente. Na primeira etapa, ela passava dentro de um enorme tubo de vidro e recebia jatos de energia colorida que lhe atingiam a fim de limpar seu corpo perispiritual. Ao sair do outro lado, estavam visíveis agora os insetos almáticos que tinham se alojado em todas as partes de seu corpo, mas se concentrando sobretudo em seu umbigo e nas genitais. Os vermes pareciam se alimentar daquela pobre coitada. O segundo passo era formado por uma estrutura metálica que disparara raios elétricos e assim retiravam os vermes, que caíam ao contato com tal energia. Essa segunda etapa demorou um pouco mais e, à medida que isso era feito, a enferma se contorcia e soltava gritos que doíam em minha alma. Logo após, assistimos à última etapa: de cada lado da esteira, mantinham-se três pessoas em pé e que estenderam suas mãos sobre o corpo da moça, propiciando aplicações magnéticas. Desse modo, as vestes dela foram mudando para roupas hospitalares e sua fisionomia serenando, bem como os hematomas foram se fechando e seu corpo perispiritual se reconstituindo. Quando todo o processo terminou, sua maca foi retirada da esteira e levada a um outro setor, o qual me pareceu tratar-se de uma UTI. Então, ela foi colocada em uma cama e aparelhos foram ligados ao seu corpo. Os enfermeiros se retiraram e ficamos sós naquele centro de tratamento. Tanto eu quanto alguns dos ali presentes nunca havíamos presenciado semelhante ação, mas foi Humberto quem fez a primeira pergunta: – Ao que exatamente acabamos de presenciar, Iraci? Ela sorriu e disse ao irmão evangélico: – Presenciamos a misericórdia do Pai, nesse centro de higienização. Fizemos em apenas alguns minutos todo um processo que demoraria muito se dependesse só do enfermo. Na primeira etapa, localizamos o problema, com uma dose de energia moderada, como se fosse um raio x em tempo real, na segunda, eliminamos através de doses de energia de cura, e que canalizamos do plano material, e, na terceira, reequilibramos a energia vital. – Mas isso não interfere nas leis naturais?  questionei a irmã. – O que fazemos aqui Ortêncio é tão somente amenizar a dor desses seres que já sofreram tanto e que sozinhos não conseguiriam sair do abismo criado por suas mentes e atos. Eles não estão livres de seus traumas e dores, alguns demoram dias, meses ou anos para acordar depois desse processo. Imagine então o que aconteceria sem tal assistência. Aqui se pratica a maior lei do Pai, o Amor. Nossos irmãos têm pela frente uma grande batalha. Responderam à sua consciência pelos seus atos, terão que aprender a respeitar o corpo e a equilibrar as energias para não voltarem ao mesmo estado.  E mesmo depois desse trabalho podem voltar a se intoxicar mentalmente?  perguntou Humberto. – Sim, irmão, a mente humana necessita de exercício constante e de disciplina e essa responsabilidade aumenta ainda mais após a morte do corpo físico, pois tudo do lado de cá é mental e, se você não aprende isso, acaba infelizmente no pior abismo que existe, aquele criado pela própria criatura e que se torna por fim sua própria prisão. Dito isso, Iraci nos convidou para conhecer o setor de traumas e perguntei: – Há coisas piores que isso? Indicando-me outra oca, ela sorriu tristemente e me disse: – Infelizmente Ortêncio. Veja você mesmo...