segunda-feira, 30 de março de 2015

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Eu saíra daquela reunião apreensivo. E por mais que a equipe de mensageiros demonstrasse estar confiante, algo em mim me remetia ao medo de, mais uma vez, estar prestes a encontrar seres que fazem de tudo para levar adiante seu ideal contra o Cristo. Evidentemente, eu não fora nenhuma vítima quando estive em contato com tais pessoas e apenas fui colher ali aquilo que havia plantado em minhas existências anteriores e, pela misericórdia divina, aquele inferno a que me ative pôde até ser de grande ajuda. Percebendo minhas indagações, o guardião Felipe foi o primeiro a falar: - Ortêncio, quem trabalha na seara do Cristo pode sim ter medo, mas nunca duvida que o socorro virá. Em muitas situações que vivemos no astral, tudo parece perdido para nós espíritos que somos ainda filhos, mas não para o plano maior, que não faz curvas ou mesmo não se afrouxa para atender àquele "melhor" ou para punir qualquer outro, tudo segue o curso natural das coisas. A esta altura, já estávamos no terceiro andar de uma das torres da Colônia e batemos em uma grande porta. O local que se apresentou por trás da porta mais uma vez revelava um contraste entre o que se vira nos corredores e o que tais salas e departamentos mostravam em seu interior. Ali, um exótico ser nos sorriu e confesso que não fiquei muito à-vontade diante de um espírito grande, careca, com um traje sujo do que me pareceu ser graxa ou um tipo de gosma. Seu sorriso era amarelado e o olhar distante. Foi Soraia quem nos apresentou aquele ser incomum. - Que Jesus esteja conosco, Jacob - disse ela. - Que assim seja. - disse a voz rouca do homem. - Como anda o trabalho por aqui? - Lento mas produtivo, minha amiga. Afinal, não é fácil lidar com tais apetrechos. Ao abrir a porta completamente para que entrássemos, nos deparamos com um grande galpão contendo dezenas de balcões. As luminárias que desciam do alto do teto eram direcionadas para cada um dos  balções. Assim, deixavam os corredores do local a meia luz, enquanto as áreas de trabalho permaneciam bem iluminadas. Começamos a andar entre aqueles postos de trabalho, onde tarefeiros desmontavam peças ou faziam experimentos. Em alguns dos balcões, que tive oportunidade de ver de perto, funcionavam pequenos laboratórios onde insetos eram examinados, assim como chips e armas. Tudo ali era estudado, catalogado. Quase não fomos percebidos pelos examinadores que pareciam em transe durante o trabalho. - Esta área - disse Jacob - é onde estudamos e analisamos a evolução do mal, tudo que é capturado com os seres das trevas vem para este centro de estudos, onde descobrimos como funcionam tais aparelhos ou armas e com que finalidade para, então, também desenvolvermos outros aparelhos e/ou estratégias para combater tais tecnologias. Foi Humberto quem fez a primeira pergunta: - Mas os missionários de Deus não são intuídos para já saberem de imediato o funcionamento de tais coisas quando se deparam com elas? O ser riu e nos disse: - O que você acredita ser apenas uma espécie de "dom divino", amigo, nós chamamos de trabalho. O que acontece entre as equipes de socorro nessa Colônia. Existe uma base de controle com especialistas de várias áreas, tal base está em contato direto com todos os que estão lá fora em campo. Quando surge uma situação na qual o socorrista não é especialista na compreensão do fenômeno, ele, lá onde estiver, é ajudado pelo especialista desta base. É para esta finalidade que precisamos formar especialistas e pessoas dispostas a aprender e principalmente a ajudar o outro. - E qual tem sido o maior desafio que vocês vêm enfrentando, Jacob? - perguntei. - Os implantes de chips. São essas as técnicas mais utilizadas por ora pelos seres das trevas e eles vêm cada dia mais se especializando nessa área. Muitos desses aparelhos passam despercebidos pelos encarnados. Porém, novas armas vêm sendo criadas e hoje o grande desafio são os vírus e que estão sendo testados pelo mal. - Vírus? - perguntei surpreso. - Sim, é mais fácil de implantar que os chips, porém não são tão eficientes ainda... - A verdade, é que se os encarnados não iniciarem uma profunda reflexão a respeito do que realmente é ser cristão e, enfim, aceitarem que a vida extrafísica é muito mais do que ser um bom religioso, em breve, teremos grandes problemas - completou Soraia em tom irônico. Mas, Soraia me intrigava com sua postura séria e questionadora, então, resolvi correr o risco de questioná-la: - Soraia, sei que seu trabalho nessa Colônia exige uma certa seriedade, mas você me parece muito rígida e até dura com as palavras... A única coisa que ouvi por alguns segundos foi o riso do preto velho João Guiné. - Tenho a postura necessária para o meu trabalho, Mensageiro, o que os encarnados esperam da espiritualidade nem sempre é aquilo que a espiritualidade pode dar. Como seria bom se só tivéssemos mensagens lindas e espíritos evoluídos, e que as cidades espirituais fossem constituídas apenas de lindos jardins e de discussões filosóficas, mas isso aqui é o mundo real, aqui discutimos, temos ideias contrárias, analisamos, e aprendemos que nada disso é falta de amor e sim, pelo contrário, isso é amor ao próximo. Queremos dar nosso melhor pela causa do Cristo. Pode lhe parecer que eu sou de oposição, mas não sou. Apesar de eu já ter trabalhado para o mal, pois acordei na vida espiritual decidida a acabar com o Cristianismo, que havia tirado meus pais de mim. Eles viviam pela santa Igreja e, no meu egoísmo, interpretei que eu fora deixada esquecida. Jovem ainda, desencarnei vítima da tuberculose que assombrou a Europa e  isso só me fez ficar mais cega de ódio. Assim, por quase um século ajudei as legiões maléficas a espalharem o mal na vida de chefes religiosos até reencontrar Frederico, que fora meu pai em uma de minhas passagens pela terra, e ele me mostrou o verdadeiro caminho. Hoje, o que faço com afinco é resgatar aqueles que eu, no passado, contribuí, mesmo que com uma pequena parcela, a levar para escuridão. Os olhos da moça se encheram de lágrimas, quando então disse o Preto Velho, com a sabedoria de um pai: - Fios, todos nós temos os nossos desafios e nossa maneira de lidar com isso, que possamos aprender a respeitar a individualidade do espírito e saber que na seara do pai todos são importantes...

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