domingo, 26 de abril de 2015

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Após as explicações de César, nossa equipe teria que atravessar o escuro portão, e foi o mesmo César que nos orientou nessa travessia: - O que os irmãos veem é uma ilusão, ao atravessarmos o portão da cidade o cenário mudará e espero que vocês continuem firmes para assim continuarmos a penetrar na cidade Nova Geração, os líderes sabem de suas intenções e, claro, não facilitarão em nada a passagem de vocês por aqui, Seus principais alvos são Humberto e o mensageiro Ortêncio Manoel. - disse o guardião. Isso me causou estranhamento, pois há muito que, além de Maria, ninguém me chamara pelo segundo nome. - Por que nós César? E pode me chamar só de Ortêncio mesmo. Ele me analisou por alguns segundos, que para mim pareceram uma eternidade e me disse: - Aqui, mensageiro, sabe-se mais de você do que se possa imaginar e de sua missão também, todos chamam você assim pois não sabem com qual nome você se apresentará para os viventes que participarão do projeto Mensageiro de Aruanda e por que você e nosso irmão Humberto são os principais alvos? Por vossa pouca experiência em campo de batalha, esperam abalar vossa autoestima e consequentemente vossa fé. Por isso vigiai e orai a todo instante sem se esquecer que nenhum desses infelizes estão aqui por castigo do Pai e, sim, por que assim escolheram. Dito isso, a equipe de soldados novamente tomou sua formação em círculo, guiados por César, passamos lentamente pelo portão. Confesso que um grande frio tomou meu corpo, lentamente comecei a visualizar a cidade, uma vez que a escuridão se tornara menor e o que os meus olhos viam era um lugar calamitoso, que parecia ter acabado de passar por uma grande catástrofe como terremoto, dilúvio, tornado e/ou tsunami,  todos esses desastres naturais juntos: havia prédios inteiros tombados, casas demolidas, enquanto estátuas gigantescas de  ditadores terrestres de várias localidades do mundo e de seres que eu desconhecia se erguiam acima dos destroços. Teríamos que escalar pilhas de entulhos e, principalmente, de corpos que gemiam e gritavam. Os espíritos caminhavam para todos os lados, uns sem se importarem com os outros, os prédios e galpões ainda em pé se encontravam em estado muito ruim e eu não entendia como ainda estavam de pé. Esse era apenas o cenário inicial da cidade que abrigava esses seres. Os espíritos de nossa equipe tomaram suas formas perispirituais que mais se adequavam àquela situação. Até mesmo Humberto que não costumava a fazer isso foi aconselhado por João Guiné a baixar sua frequência ao máximo, ainda que nosso irmão protestante trajasse um terno cinza e sapatos pretos, trazendo a Bíblia sagrada na mão. Após todos estarmos agrupados, começamos a caminhar lentamente, gritos e pedidos de socorro eram constantes: aqueles seres vinham correndo até  nós e os soldados os afastavam. Um pequeno tumultuo se instalara a nossa volta, espíritos de todas as formas inimagináveis para a compreensão dos encarnados estavam ali, todo tipo de dor e sofrimento passava pelos nossos olhos. Caminhamos sobre uma enorme pilha de entulhos, que me lembrara mesmo uma montanha e que dava em frente a uma imensa avenida de prédios. Na parte de baixo da pilha, um pequeno exército nos esperava: cerca de trinta espíritos fortemente armados, postados em fila indiana. Fez-se um silêncio ensurdecedor. Por alguns minutos, nenhum dos lados falou absolutamente nada. O Preto Velho João Guiné deu um passo à frente, descalço, segurando sua bengala e com a voz tão mansa quanto a do avô que ampara o neto que acaba de fazer uma traquinagem, disse: - Que o amor de Jesuis esteja juntu dos fios. Todos riram e um dos seres deu um passo à frente: ele era enorme, com ombros largos, o corpo era humano, mas a cabeça do espírito era a de um touro com grandes chifres. Ele não mexeu a boca para falar, mas mesmo assim sua voz foi ouvida por todos nós. Uma voz rouca, que transformara aquele ambiente tão sofrido em algo agoniante: - Velho manipulador, não nos venha com sua falsa diplomacia. Ou você acha que não sabemos o que você veio fazer aqui? Quer um conselho, velho maldito? Dê meia volta e diga aos seus que aqui não se tem espaço para esta besteira chamada Amor do Cristo. O Preto Velho ainda sereno respondeu: - Isso, fio meu, nós já sabemos, porém, nossa visita aqui é por outro motivo; Não quero implantar em sua cidade o Amor do Cristo. O ser, diante da resposta surpreendente, ficou visivelmente impressionado e olhava para seus comparsas como se perguntasse "o que ele veio fazer aqui, então?" - Não estou entendendo velho, o que você e sua corja vem fazer aqui. Não me diga que., depois de tanto que já fez contra nós, resolveu se entregar. Os senhores da maldade ficarão felizes em poder torturar você até que pague por todos os seus crimes, disse o homem touro com ironia. - Se o fio se refere ao meu amor por cada um que como você se perdeu na escuridão não o vejo como crime, mas se o fio se refere a minha conduta como homem na carne, esta dívida está entregue às leis do Pai Maior. Porém, venho da cidade de Aruanda, trazendo o amor do cristo banhado pela força dos sagrados Orixás e sobre a luz de Deus Pai todo poderoso e amoroso, em missão de paz para dá a seres como você a oportunidade de recomeçarem em outro lugar. Por isso digo que não trago o amor para esta cidade e sim para os vossos corações. O ser mais uma vez riu ou mugiu, não sei dizer ao certo o que fez, enquanto ao mesmo tempo disparou sua arma contra o Preto Velho, que levantou seu cajado. Imediatamente a energia bateu no cajado e voltou, acertando o ser exótico em cheio no peito, o que o fez cair e ser amparado pelos companheiros. Olhando nos olhos do ser o Preto Velho disse: O fio não vai querê uma guerra, vai? E o ser respondeu: - Ataquem!...

domingo, 12 de abril de 2015

Página 65

O transporte da equipe de Maria voltaria à Colônia para ajudar aqueles que ali foram socorridos, e nossa equipe permaneceria por ali para começarmos nossa missão. Após algum tempo e depois da explicação de João Guiné, eu já conseguia me equilibrar, falo por mim, porque a reação dos outros membros, já acostumados com este tipo de socorro e de lugar, foi a de começar a trabalhar imediatamente e a minha e em parte a de Humberto foram reações de desespero. - Fios, - disse o Preto Velho - nenhum dos irmãos que aqui estão são pobres coitados ou estão sendo castigados por Deus, mas, sim, precisam de nossa compaixão por estarem perdidos na escuridão. Por sua ignorância acerca do amor é que chegaram a este estado, criado exclusivamente por sua recusa em aceitar as Leis Divinas. - Que Leis são estas, João? - perguntei. - Este pântano tão sofrido é alimentado por espíritos que se recusam a aceitar a Lei Divina do progresso, retardam o processo reencarnatório até seus perispíritos tornarem-se o que vimos, quando então são aqui dispensados pelos senhores das trevas. Muitos dos que aqui estão são servos leais da escuridão e assim vão permanecer por muito tempo até alcançarem a condição primária de ovóides e ainda serem usados nos planos dos generais como parasitas. Soraia e os índios Pena Branca e Cobra Coral faziam o reconhecimento da área, enquanto João dava-nos suas explicações, a equipe de guardiões cercava o perímetro e era chegada a hora de adentramos aquele local. Descemos, então, de nosso veículo e andamos por algum tempo com a lama na altura de nossas canelas. Tal esforço nos gerava um tipo de cansaço quase físico. Não eram raras as vezes em que mãos nos agarravam, pedindo socorro, e em todo o tempo João recomendou-nos a prece e que não sentíssemos pena daqueles que ali colhiam os frutos daquilo que eles próprios haviam plantado. O solo foi ficando firme afinal, apesar de ainda permanecer negro e úmido, portanto, já começávamos a caminhar com certa facilidade, deixando o pântano para trás, embora a escuridão ainda nos impedisse de ver mais de dois passos à nossa frente. Por isso, andávamos devagar e o mais próximo possível uns dos outros. Com suas armas em punho, os guardiões nos cercavam e assim chegamos ao portão da cidade. Tratava-se de um portão sem muros, apenas um enorme arco construído com ossos de centenas de esqueletos. Por ordem de Soraia paramos defronte este portão e que mais me parecia uma espécie de portal, quando surgiu uma sombra: um ser que vencia a escuridão, ostentando uma capa tremulante. Soraia por sua vez continuou caminhando, bem como o tal ser que vinha do outro lado, até ficarem os dois debaixo do assustador arco. Durante alguns segundos analisaram-se e, em seguida, abraçaram-se, calorosamente. Nenhum dos dois passou para o lado oposto do arco. Ao sinal do Guardião, continuamos andando ao encontro deles e, a cada passo, minha surpresa era sempre maior. Vi que o homem media cerca de um metro e noventa, tinha pele clara, usava uma roupa preta e, além da capa com forro vermelho, trazia em sua cintura uma espada. Ele nos sorriu e Soraia fez as apresentações: - Senhores, esse é Cesar, nosso guia e informante para essa missão. Que possamos ouvir o que ele tem a dizer. - Amigos, a situação nessa cidade é calamitosa. Os governantes aqui estão formando planos para desestruturar várias ordens religiosas e sabemos que para isso não precisam de muito, já que os seres que habitam a terra estão cada dia mais vulneráveis a esse tipo de ação. Porém, o plano deles dessa vez não é apenas atacar religiosos por meio do orgulho e da vaidade já existentes neles próprios é também o de desmoralizar as religiões, fechando assim as portas de várias instituições que, ainda que com suas mazelas, trabalham para o bem maior. A primeira tentativa foi falha e os Dragões, responsáveis por esta tarefa, estão inflamados pela derrota em campo. - E qual foi esta derrota? - perguntou Humberto. - Uma das mais antigas religiões da terra passa por transformações importantes e seu último líder foi atacado incessantemente até que renunciasse ao seu posto, uma vez que, influenciado pelo mal, se viu incapaz de cumprir aquilo que havia planejado pelo altíssimo. O plano dos dragões era deixar a religião ainda mais enfraquecida e fechada em seus dogmas e eleger um dos seus "religiosos" para o cargo de maior importância dessa religião, porém, por meio de uma equipe comandada por espíritos de alta envergadura em uma missão de grande porte e que precisou de quase um terço da população espiritual terrestre, entre tais espíritos alguns conhecidos pelo homens como santos, o Plano Maior elegeu um sucessor que mudará tudo o que hoje se tem de mais decadente e atrasado nesta religião. Porém, agora, esta cidade irá atacar os religiosos do país que está marcado para ser o coração do Evangelho do Cristo e poderá causar grandes prejuízos, caso seus religiosos não se preparem de maneira correta, fortalecendo-se no amor e no conhecimento. Todos nós ouvíamos aquilo atentamente e em particular eu me lembrava da falta de respeito e de caridade que líderes religiosos têm comumente uns com os outros, sobretudo ao defenderem seus pontos de vista. Ah, se eles soubessem o quanto se trabalha aqui desse lado da vida para o amor prevalecer! Então, se uniriam e em uma única voz e sentimento, se juntariam ao mais alto, formando um único exército: o do amor ao próximo...

domingo, 5 de abril de 2015

Página 64

Nosso veículos estavam preparados do lado de fora daquele castelo que tantas surpresa havia nos trazido. Os transportes tinham sofrido pequenas alterações, que Soraia achara importante promover para o sucesso de nossa perigosa missão. Lá fora, o cenário nada mudara, o local ainda escuro parecia apenas mais frio. A equipe de socorro coordenada pela Legião de Maria já havia ocupado seu veículo, nós que entraríamos na cidade estávamos parados em frente à colônia como se nos despedíssemos. Foi Federico quem me falou: - Acalme seu coração, mensageiro, pois você ainda virá aqui muitas vezes. Eu apenas sorri, era estranho notar como a tecnologia se misturava com o tradicional: pontos eletrônicos eram usados por todos nós e, ao nosso lado, soldados bem armados com armas elétricas nos davam a impressão de estarmos todos em um filme futurista. Eu me perguntava qual médium teria a coragem de passar tal informação para a frente, quando mais uma vez João Guiné esclareceu-me: Ortêncio, meu fio, quem disse que nossa equipe enfrentará este desafio sozinha? Há anos, outros espíritos e médiuns enfrentam essa batalha e, além disso, a cada dia já vêm esclarecendo  as pessoas, mas o povo da carne ainda se preocupa com coisas, digamos, inúteis para os espíritos. Por exemplo, não importa de que forma você faça a prece: o importante é que ela seja feita de dentro do coração, não importa qual movimento você utiliza para ministrar o passe magnético, desde que aqueles que o ministrem saibam o que estão fazendo. Não vamos nos apegar aos rótulos ou mesmo se as mensagens que chegaram aos viventes através de nós serão do agrado daqueles que as lerem. Infelizmente, o caminho a ser percorrido não será fácil, porém será necessário. Dito isso, fizemos uma prece pedindo o auxílio do alto e entramos no veículo. Soraia e sua equipe tomaram a cabine da frente junto com nossos amigos da Guarda de Ogum, comandados por Joana. Nós, na companhia de Augusto, tomamos a segunda parte do veículo que por causa das alterações já não era mais tão confortável e ganhara um ar militar. Em silêncio permanecemos, cada um se preparava a seu modo para a difícil tarefa. A determinada altura, o veículo foi perdendo velocidade até parar por completo, depois, por orientação de João, baixamos nossas condições vibratórias e, isso feito, eu, nessas circunstâncias, sempre me impressionava com nossa fragilidade aparente, principalmente do Preto Velho. Como sempre, respirar era minha maior dificuldade. O ar como os encarnados o conhecem é algo muito denso para o espírito. Por quase uma hora não saímos do veículo, pois tentávamos nos adaptar da melhor forma ao que sentíamos ali, nas fronteiras do mal. Então, Soraia abriu a porta do veículo. Vimo-nos sobre um pântano escuro, povoado de bichos que eu não saberia como explicar se não tivesse visto com meus olhos. O impressionante era que se tratava de insetos que se alimentavam de restos de perispíritos e que ali se encontravam já em decomposição: braços, pernas e várias outras partes de corpos humanos flutuavam no lamaçal. O pavor tomou conta de mim e me afastei da porta aos prantos, com medo, e sentindo compaixão por aqueles seres que ali sofriam. Questionei o porquê, como que seres de Deus podiam chegar àquela condição. Assim como eu, alguns amigos, inclusive médiuns da carne, e que nos acompanhavam, se compadeciam do sofrimento presente naquele local tão horrível. Soraia se mantivera em pé quase sem reação. O Preto Velho João, após uma prece regada a lágrimas se mantinha em silêncio. Henrique se ajoelhara e também se mantivera em prece silenciosa. O mesmo fizeram Pena Branca, Augusto. Cobra Coral pegara seu arco e atirara flechas, que explodiram no ar, clareando o vale, enquanto o guardião Felipe cantara um lamento em forma de prece: “Ogum de lei não sofre tanto assim, óh Ogum de lei não me deixe sofrer tanto assim. Quando morrer, vou passar lá em Aruanda, Saravá Ogum, Saravá seu Sete Ondas. O pedido do guardião fora sentido, sofrido, e, quando ele terminou seu lamento, uma luz azul nos envolvia, nos dando a certeza de que fôramos ouvidos. A Equipe de Glória saíra do veículo de socorro e começara a recolher aqueles que, por compaixão do pai celestial, deveriam ser socorridos...