domingo, 5 de julho de 2015

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A cidade parecia estar em alerta, a agitação se dava por estarmos de frente ao prédio daquele que comandava, se não toda as operações ali, ao menos uma grande parte. Os guardas formaram um cordão de isolamento, distando uns dez passos de nossas costas, enquanto por ali  uma pequena multidão de espíritos em sofrimento se formava. Tal multidão aumentava a cada segundo e nós ouvíamos de tudo: alguns pedindo ajuda; outros nos ofendendo e nos expulsando; alguns gritavam contra o tirano, pedindo sua cabeça. Os guardas voltaram com caras de surpresos e/ou contrariados, não sabíamos como decifrar, de qualquer modo nos orientaram a entrar no prédio. A Legião de Ogum ficaria lá fora no cordão de isolamento, já a guarda de Soraia nos acompanharia. O lugar escuro, era mal iluminado por tochas e cheirava muito mal, o térreo não continha móveis, era apenas um grande salão vazio, com uma enorme escada no centro. Subimos com cuidado e, ai sim, começava nossa surpresa com tudo o que víamos. O general que poderia nos receber no espaço vazio, no entanto, fez questão de nos mostrar seu poder, franqueando-nos locais sem portas, em que se revelavam grandes laboratórios em meio a ruínas, repletos de equipamentos, mapas, em que cientistas trabalhavam sem se importar com nossa presença. Em uma dessas salas, tais entidades implantavam chips em médiuns que se encontravam em desdobramento. O silêncio foi quebrado por um dos guardas do general, que riu alto e disse: - Pensaram que nosso mestre teria medo de você, não é mesmo? Foi Henrique quem respondeu: - Não precisamos do medo do seu mestre ou de qualquer outro. Mais uma vez o guarda riu: - Vocês se acham superiores, por seus laboratórios e estudos, nos chamam de atrasados e fingem não se surpreenderem com o que aqui veem, mas sabemos que logo iremos nos igualar nesta luta. Vocês no entanto negam e, orgulhosos, não saem da pose de iluminados. Pois vejam nosso poder, filhos do cordeiro, e fiquem com vosso orgulho, que nós ficaremos com a vitória. Surpreendentemente ninguém lhe respondeu. Percebendo que seu discurso não afetava a equipe, ele se calou. João Guiné, com sua voz tranquila, perguntou: - O que os fios fazem aqui? O guarda, que esperava um debate ou palavras reprovando tal trabalho, se surpreendeu com a pergunta do Preto Velho, e respondeu: - Construímos o futuro, a nossa vitória. - Acho que o fio não entendeu, vou perguntá novamente: em que vocês trabalham nesses laboratórios?  Velho astuto, não entregarei os planos do meu mestre. O Preto  Velho sorriu e disse: - Pergunte que viemos fazer aqui. O guarda, intrigado, fez a pergunta: - O que vocês fazem aqui, velho feiticeiro? - apontando para mim. João me olhou com carinho, meu rosto queimou, mas respondi: - Venho em missão de paz, sob a orientação dos espíritos de Aruanda, trazer a bandeira do amor, da paz e da igualdade a todos em nome do Cristo Nazareno. Mais uma vez o Preto Velho sorriu e disse: - Se perguntá a qualquer outro a resposta vai ser a mesma, fio. E ocê não deixou de me respondê porque queria defendê os interesses do seu mestre, mas sim porque o fio não sabe o que aqui é feito. A diferença, fio, entre o mestre do amor e o seu mestre, é que Jesus não esconde nada de ninguém, seus planos para a humanidade são tão claros que para alguns de nós é difícil de enxergar e por isso a gente se torna cego, vagando na escuridão da ignorância. Não somos mais capazes ou iluminados, como o filho disse, apenas porque estamos do lado do Cordeiro, pois isso seria fácil. O difícil é abandonar a escuridão que vive em cada um de nós para conseguirmos nos aproximar cada vez mais de Jesus. Concordo que é fácil estar aqui na ignorância, porém, fio, este tempo está acabando e depois de nossa conversa com seu mestre todos dessa cidade poderão escolher sem medo o que querem e, aí, o fio não vai mais poder dizer que não sabe, pois terá consciência que escolheu a escuridão por seu livre-arbítrio. Os olhos dos guardas estavam marejados e nada disseram, porém se percebia que o objetivo do Preto Velho fora alcançado, ou seja, o de colocar a dúvida na mente daqueles espíritos, de fazer pensarem e escolherem seu destino. Muitos espíritos, ao se encontrarem em zonas de sofrimento ou trabalhando para o mal, não sabem que existe uma opção e que ela é sim difícil de se aceitar, porém necessária para que possamos nos encontrar conosco mesmos. A dúvida é a porta de entrada para as certezas da vida. Subimos ainda dois andares antes de chegar ao andar aonde se encontrava Inocêncio, um deles era desesperador: um andar todo dedicado à tortura e  ao castigo daqueles que eram contra ou ousavam desafiar seu mestre, nele, espíritos acorrentados a paredes gemiam de dor, gemidos animalescos. Tais seres encontravam-se em estados tão surreais que aqui não poderei descrever, por ordem de João Guiné. Não enfrentando resistência dos guardas que nos acompanhavam, parte de nossa equipe ali ficou para prestar algum tipo de atendimento àqueles seres, entre eles ficariam os índios Pena Branca e Cobra Coral, que ainda questionou: - Poderemos arrumar grandes problemas em auxiliar esses infelizes Pai Velho. - Sim, meu amigo Cobra Coral, poderemos. - E por que ajudaremos? - Por que são filhos de Deus e não podemos fechar os olhos para o sofrimento desses seres, até que tenhamos permissão para remover aqueles que se encontram em condições favoráveis. Não os tire daqui, mas deem assistência e  roguem ajuda a Maria de Nazaré para tal. Continuamos adentrando, guardião Felipe, Henrique, Soraia, Humberto, o Preto Velho e eu. A partir dali, no entanto, nem mesmo os Guardas continuariam nos acompanhando. Porém, antes de eu prosseguir, Maria me abraçou, uma vez que ali também ficaria, prestando assistência ao próximo, assim como fizera o samaritano ao  homem desconhecido da estrada... 

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