terça-feira, 28 de junho de 2016

Livro 2 Página 4



Penetrar na minha profundeza poderia trazer consequências desastrosas se eu não estivesse preparado quando fora colocado nos aparelhos. A partir de então, comecei a andar pela minha escuridão e percebi que ali era apenas eu comigo mesmo. Logicamente, os espíritos que trabalhavam naquele departamento tinham técnicas especiais e estavam preparados para me trazer de volta caso o meu consciente se perdesse diante do que ia encontrar. Sem que eu soubesse, parte da equipe de mensageiros se faziam presente também, Maria, João e Felipe juntamente com Humberto, o qual anotava tudo já que gostaria de levar o trabalho para sua colônia.
E, então, encontrei minha mãe. Foi minha primeira visão: uma descendente de índios, já velha, sentada em uma cadeira de um quarto branco. Seu rosto era marcado pela idade avançada. Sentei-me ao lado dela, que sorriu sem nada dizer, enquanto eu já estava em lágrimas. Há muito não via minha mãe e até achava que ela já havia retornado à terra para uma nova experiência. Nada foi dito, pois não era necessário, ali fiquei, saboreando aquele amor e energia que só as mães têm. Foi quando comecei a entender a figura tão simbólica das mulheres e principalmente de Maria ao lado de Jesus. Sem ela, tive a certeza, Ele teria sucumbido diante das dificuldades que lhe apareceram na vida. Eu fui o primeiro a falar: - Eu chorei muitas noites com saudades de você. - Eu estava lá Ortêncio. - Eu tive filhos, formei família. - E eu estava lá... - Eu tive momentos de desespero, mãe, quando, muitas vezes os filhos de Oxalá me viraram as costas! - E eu estava lá, filho. Eu sabia de tudo e a tudo assistia com o meu coração de mãe e, quando podia, interferia. Mas a vida na carne foi feita para ser vivida por quem está na carne e não pelos espíritos. O que você acha que eu estou fazendo aqui, agora? Hoje, Ortêncio, eu estou aqui para ser o seu porto seguro, como sempre fui, mas a vida que foi vivida e está escondida dentro de você é sua e não minha. Meu papel é fazer o que toda mãe faria. Maria estava lá, mas a obrigação de levar o evangelho era de Jesus. Maria estava lá, mas Jesus era o cordeiro. E se Maria não estivesse lá, filho? Talvez a história fosse diferente, porém, mais cedo ou mais tarde, Jesus teria cumprido sua missão. Mães, ou qualquer outro espírito que passe por nossa vida, não a viverão por nós. Ajudarão tão somente, o que é bem diferente. Por isso, filho, não culpe o outro, as suas ações são responsabilidades suas e não de qualquer outro, seja este outro ausente ou presente. As escolhas, enfim, foram feitas por você. Eu não escolhi que você morresse, pois isso ninguém escolhe, mas podemos escolher entre fazer disso nossa decadência ou tão somente viver o luto e depois seguir em frente. Nossas escolhas nos dizem quem seremos lá na frente e sobre as dificuldades que enfrentaremos, por isso elas são tão importantes. Há 5 encarnações suas, Ortêncio, a espiritualidade planeja este momento, contudo, isso aconteceu não porque o trabalho foi planejado em demasia ou porque tenha faltado organização no planejamento, para que resultasse em tanta demora. Foram suas escolhas que fizeram com que isso acontecesse somente agora. - Você veio aqui me alertar sobre isso, né mãe? Sobre o quanto é importante eu saber das minhas responsabilidades quanto espírito individual e o quanto isso poderá influenciar na minha vida a partir de agora. - Sim filho, mas principalmente venho alertar para que você tire a culpa das suas costas. Responsabilidade pelos próprios atos é diferente de culpa. A culpa é o que atrasa o crescimento espiritual, ela é que nos leva a tristezas e depressões, sentimentos que vêm causando sérias complicações, e de todas as naturezas, aos espíritos. Esse sentimento, que é confundido com a responsabilidade, vem trazendo ao mundo físico e espiritual muita dor e que poderia ser evitada. A culpa por não amar com se deveria ter amado, a culpa por não agir como se deveria ter agido e até a culpa por não se conhecer como deveria ter se conhecido. Tais culpas são portas para a obsessão, para a depressão, para o suicídio e para a paralisia espiritual. Eis o meu alerta a você filho: olhe as coisas com a responsabilidade devida. Como o pássaro que constrói seu ninho e que, mesmo quando logo após venha a sofrer uma tempestade que o derrube, ainda assim ele não para. Depois do vendaval, ele retoma seu trabalho. É isso que esperamos que você faça! Que depois de tudo o que aprendeu ou veio a saber, você não pare, continue construindo sua trajetória, pois cada um faz sua escolha, cada um faz o que sua consciência determina. Os senhores do mal são poderosos e escravizam aqueles seres que sofrem ao lado deles, mas da mesma forma que tivemos a luz do mestre Jesus a nos guiar, eles também a têm, basta que queiram escolhê-la, pois, se assim não fosse, Deus seria injusto com seus filhos, o que não é absolutamente o caso. 
Eu ainda refletia acerca das palavras de minha mãe, quando o quarto foi escurecendo e, então, ela carinhosamente se levantou, sorriu para mim e disse-me: - Eu estarei aqui como sempre estive, acalmando as tempestades ao seu lado. E, então, ela foi sumindo e eu me vi em uma caverna escura, sentado em uma mesa rodeado por seres do mal. Quando ouvi Malaquias que dizia: Mestre, é hora de atacar...

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Livro 2 Página 3

Pensei que André iria descansar após a grande emoção que passara, mas os enfermeiros, logo após tirarem-no do salão, o levaram para uma outra ala do hospital. Agora, nos encontrávamos em um espaço com algumas dezenas de máquinas, que mais pareciam aparelhos de tomografia, porém, apropriada apenas para a cabeça, seu corpo ficava estirado em uma cama enquanto a cabeça  permanecia dentro de um cubo, posto na extremidade. Nela, foram ligados fios que pendiam do tubo, eram tantos que pareciam teias de aranha, sobretudo por suas cores prateadas. Encimando o aparelho havia uma tela de tamanho médio. Ela transmitia o que André pensava ou sonhava naquele momento. Existia uma mesa em frente a uma cadeira, de onde um enfermeiro assistia e tomava nota de tudo que achava importante para o tratamento de André. Isso acontecia ao mesmo tempo com outros espíritos dentro da sala. O trabalho, segundo Mariana, às vezes duravam semanas ou minutos. Então, voltei minha atenção a uma senhora deitada a uns três aparelhos depois de André e, como se diz por aqui, soube logo que nada é por acaso e sempre estamos onde deveríamos estar, fui caminhando lentamente e as imagens de sua tela iam me chamando cada vez mais atenção. Tratava-se de uma escrava negra de olhos de jabuticaba, tinha seu cabelo encaracolado amarrado com uma fita, as vestimentas simples e os pés descalços. Ela cantava em um campo de café, com saudades de sua terra e louvava suas tradições. Ao lado dela uma senhora pedia que parasse, pois naquele dia o Capitão do Mato estava pior do que de costume. Dizia ela: – Filha minha, pare de provocá, em nome de Olorum, pois tu sabe que Justino hoje está com o cão no corpo e te colocará no tronco. A menina ria alto e dizia: – Ah, vó, eles já calam meu corpo, prendem, e fazem dele o que qué, mas meu espírito e meus sonhos de liberdade não serão calados por esses demônios. – Filha minha, tenha paciência, pois Deus olha por nosso povo e logo, filha, estaremos libertos de todo o sofrimento. Antes que terminasse de falar, o chicote de Justino desceu do céu, encontrando as costas de vó Catarina, que caiu ao chão. – Velha maldita, sempre incentivando esses negos fedidos a terem esperança. Ele não parou de bater, enquanto esbravejava: – Olhem malditos o que faz a esperança com vocês! A neta de Catarina em prantos pedia misericórdia para sua vó, que nem na lavoura do café deveria estar mais, devido sua idade avançada. Mas, devido a beleza de Marta, a senhora castigava a todos os que se lhe aproximavam. A senhora era uma mulher boa, mas que se entregava aos sentimentos obscuros de quem vivia se servindo da escravidão e que se misturavam com o ciúmes doentio de um marido boêmio, cuja índole era no mínimo questionável. Seu principal passatempo era violentar as negras de suas propriedades. Já o Capitão tinha uma paixão pela neta de Catarina e a castigava sempre, pois para Justino ela só se deitava com os homens da Casa Grande. Mal sabia ele o quanto Marta sofria com tudo que vivia naquela época de dor e sofrimento. As chicotadas só cessaram quando o braço do feitor cansou e o corpo da velha Catarina já lavado de sangue se encontrava desacordado. Os negros do cafezal passaram a entoar um canto de lamento, sabendo que Catarina dali não levantaria mais. A imagem foi mudando, e logo reconheci meu terreiro em um domingo de consulta: a casa estava, como sempre, cheia daqueles que buscavam auxílio e os conselhos de Oxalá. Eu logo reconheci Catarina sentada, esperando sua vez e acompanhada de Justino que agora era seu marido. Os dois, com a fisionomia muito preocupada, traziam consigo uma criança que logo deduzi ser Marta. Esse era o plano divino: uni-los pelo amor que deveria existir no lar. Juntamente com eles havia uma quantidade de espíritos que os ofendiam e gritavam chamando a agora jovem Catarina e a pequena Marta de traidoras. Logo a família foi chamada a entrar no local em que eu me encontrava mediunisado e, através de mim, Ubirajara, usando o nome de Oxalá, analisou-lhe o caso. Sentando-se, Catarina imediatamente entrou em prantos e segurando minha mão disse: – Oh meu pai Oxalá, tem piedade de nós e nos ajude em nome de Deus! – O que eu posso fazer pela fia? – respondeu Ubirajara. Ainda em prantos, ela começou a contar o que acontecia: – Pai, nós não temos paz! Desde o nascimento de nossa filha, as coisas começaram a andar para trás em nossa vida. Nos primeiros anos de vida, ela foi uma criança normal, mas, ao completar seis anos, ela começou a ter convulsões e ao voltar delas nos agride, não fala coisa com coisa, nos xinga e diz que pagaremos por trair nosso povo. E isso, meu pai, tem acabado conosco, que sonhamos tanto em ser pais. Justino segurava a mão de sua esposa e nada falava. - E o filho? Como se sente com tudo isso? – perguntou Ubirajara. – Eu, meu pai, estou desesperado sem saber o que fazer, às vezes, sinto-me culpado por tudo e tenho vontade de sumir. Já levamos nossa menina em vários médicos, que nada encontram nela. Por um segundo Ubirajara analisou a menina no plano dos espíritos, onde alguns dos seus algozes eram tratados, orientados pela equipe da casa. – Fios, tenham paciência, pois essa é uma batalha a ser vencida com amor. Tem coisas na vida que sempre nos encontrarão, onde estivermos, e é nosso dever enfrentá-las com o coração, cheios de amor. Esta família não se formou por acaso e terá que enfrentar o ódio de outrora com o amor de agora. Esse é o plano do Pai maior! E, dito isso, foi receitado a eles os tratamentos da casa. A tela mais uma vez mudou, e, anos depois, vi Catarina de amarelo frequentando o terreiro junto com seu marido: a filha tinha se tornado uma linda jovem e, da assistência, acompanhava os pais com o sorriso no rosto. Logo, ela também trabalharia sua mediunidade. A tela, por fim, mudou para o dia do meu velório e lá estava aquela família orando por mim: a ainda jovem Marta chorava minha morte junto com os pais, e, dessa vez, eu é que fui tomado pela emoção, sendo sedado e colocado também numa máquina, pois chegara a minha hora, de encontrar-me comigo mesmo...